O que? Neste fim de semana será lançado o filme “Ponte dos Espiões”, estrelado por Tom Hanks e dirigido por Steven Spielberg. A produção conta a história de um espião norte-americano que tinha de negociar com o governo soviético a troca de prisioneiros capturados em Berlim durante a Guerra Fria. Um dos cenários mais importantes é a estação Friedrichstrasse, que viveu por décadas a estranha realidade de estar na Alemanha Oriental, mas servir de baldeação para usuários do metrô da Berlim Ocidental.
Baldeação em terra estrangeira
“Última estação em Berlim Ocidental! Última estação em Berlim Ocidental!”
A repetição e a ênfase do aviso eram importantes. Afinal, uma desatenção poderia causar graves problemas, como fazer o usuário do S-bahn, o trem metropolitano de Berlim Ocidental, cair no meio de Berlim Oriental, onde haveria dezenas de policiais se certificando que ninguém ia tentar um meio alternativo de entrar na Alemanha comunista. E essa era uma situação comum para milhares de berlinenses. Muitos deles só estavam se deslocando para o trabalho ou voltando para casa, e precisavam atravessar a fronteira para fazer a baldeação.
É isso mesmo. Um enorme muro dividiu o lado capitalista do lado comunista de Berlim por décadas, configurando uma das fronteiras mais hostis e explosivas do mundo no século 20. Mas havia um jeito muito fácil de passar por ela, pelo menos fisicamente: pegando o metrô ou o trem metropolitano da Berlim Ocidental. Uma situação inusitada e retratada no filme “Ponte dos Espiões”, dirigido por Steven Spielberg, estrelado por Tom Hanks e com lançamento previsto para esta sexta nos cinemas brasileiros.
Quando norte-americanos, soviéticos, britânicos e franceses dividiram Berlim após a Segunda Guerra Mundial, não se preocuparam em separar as áreas de acordo com a rede de trens urbanos e metrô da cidade. O trânsito entre as regiões administrativas foi relativamente livre por alguns anos e isso não era um problema, até que a União Soviética, preocupada com o êxodo de alemães-orientais, decidiu separar fisicamente o lado ocidental da metrópole.
O Muro de Berlim não dividia apenas as ruas da cidade. Ele também atingiu o sistema de transporte público. As linhas do U-bahn (metrô) e do S-bahn (trem urbano) que iam de um lado a outro foram rompidas, transformadas em ramais pequenos dentro de seu lado da cidade. O problema era como lidar com a S2, U6 e U8, que começavam e terminavam em Berlim Ocidental, mas passavam por um pedaço de Berlim Oriental no caminho.
A solução foi manter o trajeto, que passava por baixo ou por cima do Muro de Berlim. As estações em território oriental foram desativadas, mas tinham sempre forte policiamento para evitar que os trens parassem para alguém descer e entrar na Alemanha Oriental sem autorização. Quem queria evitar esse trecho mais sensível era alertado para descer na última estação antes de cruzar a fronteira.
Nesse contexto, havia uma exceção: Friedrichstrasse. A estação servia de conexão entre as linhas U6 e S2. Para os berlinenses-ocidentais mudarem de linha, era possível desembarcar na estação e trocar de trem. O que criou a inusitada situação de forçar as pessoas a irem a outro país para fazer uma baldeação enquanto ia ao trabalho. No entanto, aquele também era o ponto final de uma linha de Berlim Oriental, o que obrigou o governo a erguer estruturas para separar a estação em duas, criando postos de imigração dentro dela (área que foi apelidada de “Palácio das Lágrimas”).
A estação Friedrichstrasse se transformou em um ponto crítico para alemães que queriam ir de um lado a outro. Além das vias oficiais (posto de imigração), havia um caminho secreto usado por agentes do serviço de inteligência da Alemanha Oriental para entrar na Alemanha Ocidental. Essa rota também era usada como via de escape para membros de grupos comunistas alemães-ocidentais que queriam atravessar a fronteira sem registro por parte do governo do lado capitalista.
Claro, a Friedrichstrasse foi cenário de algumas passagens do filme de Spielberg (apesar de a “Ponte dos Espiões” que dá nome à produção ser do outro lado da Berlim Ocidental). A história da estação é um pouco da história da relação sensível entre os poderes da Guerra Fria, mas também mostra como é difícil dividir uma cidade.
Um centro urbano é um organismo vivo dentro do qual as pessoas interagem e se cruzam por caminhos muitas vezes sinuosos. São os indivíduos que dão energia às cidades, sobretudo às metrópoles, e permitir que eles circulem é fundamental. Mesmo que seja necessário abrir uma exceção em uma das fronteiras mais vigiadas da história.
Autor: Outra Cidade