O que é? Você já ouviu falar em energia piezoelétrica? É uma das coisas que o Leonardo Rossatto vai explicar. De forma muito resumida, a energia piezoelétrica é gerada por dispositivos que geram energia quando são submetidos a pressão ou torção. Como funcionam dispositivos assim? Eles geram energia cinética com base na intermitência da pressão exercida. Na prática, um caminhão na estrada pode gerar energia. Uma corrida de rua pode criar energia. E essa energia pode dar uma baita força para as cidades.
Uma das principais questões hoje, para qualquer cidade grande, é como garantir o fornecimento de energia. As fontes são distantes e o risco de interrupção é razoável. Além disso, essa energia precisa vir por fios. Cidades ricas simplesmente pagam a conta e enterram – mas cidades sem tanto dinheiro ficam com aqueles malditos fios (como diz a ótima campanha) enfeiando as ruas e ameaçando as pessoas com acidentes.
Por isso, deixe de lado o seu preconceito com energia elétrica. Vem com a gente. Porque você pode ajudar a tirar os fios da sua cidade.
O que nos move
Você deve estar se perguntando por que está lendo sobre isso aqui. Afinal, esse é um espaço para discutir cidades. Mas eu trouxe o exemplo da energia piezoelétrica à tona porque ela pode servir de alternativa para a geração de energia em espaços urbanos. Em 2010, uma equipe da Unesp desenvolveu um dispositivo que gera energia piezoelétrica por meio da passagem de veículos por uma placa de cerâmica sob o asfalto. Outro modelo, construído pela empresa Pavegen, é uma espécie de tapete que gera 7 watts a cada pisada. Os dois modelos têm os mesmos desafios: produzir energia dentro das cidades, a partir da rotina delas, para abastecê-las.
Muitos fatores contribuíram para a verticalização e para o crescimento vertiginoso das cidades no século 20. No entanto, não é exagero nenhum dizer que um dos fatores mais decisivos foi a energia elétrica, com todas as inovações posteriores que ela trouxe.
E qual foi a estrutura construída para isso? Usinas hidrelétricas, termoelétricas ou nucleares geram uma quantidade enorme de energia. Essa energia toda chega nas cidades por linhas de transmissão em alta voltagem até as subestações de energia. Lá, os transformadores convertem a energia em voltagens mais baixas, distribuídas pelos fios elétricos até os consumidores finais – residências, indústrias, comércios e espaços públicos.
Na maioria dos lugares do mundo, o crescimento urbano no século 20 foi rápido e desordenado. Isso fez com que a preocupação em relação a energia elétrica fosse “fazer ela chegar”, não importando como. E, bem, a energia chegou, mas os postes de iluminação também serviram para levar os fios e montar nossa paisagem urbana típica, cheia de fios a céu aberto. Era o jeito mais barato. Mas também o mais perigoso e o que deixa a cidade mais feia.
O grande problema é que mudar essa estrutura, já montada, é caríssimo. Para se ter uma ideia: a prefeitura de São Paulo projetou gastar mais de R$ 7 bilhões em manutenção e modernização da iluminação pública nas próximas duas décadas. O aterramento dos fios da cidade, que seria a solução mais óbvia, nem está contemplado nessa licitação.
Segundo estimativas da AES Eletropaulo, o trabalho de aterrar os fios na cidade, incluindo os de telefonia, custaria R$ 5,8 milhões por quilômetro. O cálculo não é exatamente confiável, considerando que a AES Eletropaulo é parte (não) interessada no processo. Mas, se considerarmos o cálculo verdadeiro, o gasto para aterrar os 27 mil quilômetros de fios aéreos da Região Metropolitana de São Paulo seria de absurdos R$ 156 bilhões.
á existem cerca de 3 mil quilômetros de fios aterrados na Região Metropolitana de São Paulo. A maioria deles em áreas nobres, como a Rua Oscar Freire, e nos entornos dos Paços Municipais das cidades do ABC paulista. Mas o processo de enterramento de fios vai mal: em 2005, foi promulgada uma Lei Municipal determinando o aterramento anual de 250 quilômetros de fios elétricos em São Paulo. No entanto, a AES Eletropaulo, que seria a responsável pela execução desses aterramentos, conseguiu uma liminar em junho desse ano suspendendo os efeitos dessa lei.
Nessas alturas, já está claro que a questão dos enterramentos de fios não tem solução fácil. Mas também é necessário frisar que nem de longe essa é a única questão que deve ser abordada sobre a temática da energia nas metrópoles. Hoje em dia, é quase impossível falar sobre o tema sem falar de smart grids
Os circuitos
Smart grids são circuitos inteligentes de energia elétrica. Elas controlam o fornecimento de energia elétrica e enviam dados, em tempo real, para quem opera o sistema. Os medidores analógicos, existentes em cada residência, são trocados por medidores digitais. Esses medidores têm sensores, capazes de identificar o padrão de consumo de cada residência. Isso evita desperdícios, previne sobrecargas e torna o sistema mais seguro.
Mas essa é só uma parte do sistema. É bom lembrar daquela que é uma das maiores vulnerabilidades do sistema elétrico: historicamente, a geração de eletricidade é concentrada em algumas poucas grandes usinas. Problemas pontuais na geração ou na distribuição podem derrubar todo o sistema. Um exemplo clássico dessa vulnerabilidade foi o blecaute de 11 de março de 1999, que atingiu Brasil e Paraguai e foi provocado por um relâmpago em uma subestação de energia em Bauru, interior de São Paulo.
Os smart grids atacam essa vulnerabilidade. Ao colocar sensores em todos os pontos de entrada e saída de energia do sistema e monitorar a carga de energia em cada ponto, abre-se uma nova possibilidade: a da inserção de geradores individuais de energia no sistema elétrico. E isso é bom por vários motivos.
As empresas de energia elétrica ficam menos dependentes da geração de uma única grande usina. Além disso, podem fiscalizar com precisão as fraudes cometidas por consumidores. Por outro lado, pessoas e empresas podem se tornar pequenos produtores de energia, revendendo o excedente para as empresas elétricas sem grandes problemas. Afinal, cada ponto de monitoramento do sistema também pode virar um ponto de produção.
Afinal, incentivos podem funcionar – mas sempre trazem consigo algumas armadilhas. De qualquer forma, o caminho já havia sido trilhado. Em 9 de junho de 2014, o país virou a chave. Mais de 50% da energia elétrica produzida na Alemanha veio de painéis solares.
Por toda essa gama de motivos, o investimento em smart grids está crescendo significativamente no Brasil. Cidades como Aparecida, Sete Lagoas e Barueri já estão adotando infraestruturas tecnológicas do tipo, bancadas por diferentes operadoras. Mas esse investimento todo também é um trabalho de prevenção. As operadoras estão percebendo, aos poucos, que precisam prestar o melhor serviço possível, por um motivo simples: em breve, talvez elas não sejam mais tão necessárias.
É bem provável que, em um futuro próximo, uma grande quantidade de pessoas produza e armazene energia em casa, sem intermediários, sem depender de um sistema de distribuição externo.
Já existem, no mercado, sistemas que conciliam um equipamento de geração de energia e um de armazenamento em escala residencial. A ideia de juntar uma célula fotovoltaica e uma bateria em um equipamento residencial nem é tão nova. Em janeiro de 2012, a Kyocera lançou um sistema do tipo, com o objetivo inicial de prevenir interrupções de energia em situações extremas como a do tsunami que abalou o Japão em março de 2011.
Marca histórica
É o que aconteceu na Alemanha. De 2000 a 2013, a Alemanha promoveu uma forte política de subsídio à instalação de painéis fotovoltaicos, para aumentar a energia produzida a partir de energia solar. As empresas elétricas eram obrigadas a comprar o excedente produzido pelos cidadãos, e esse excedente vinha na forma de uma sobretaxa nas contas de energia de todo o país. Parecia razoável. Todo mundo paga para todo mundo mudar a forma como o país produz energia.
No entanto, no último mês de abril, Elon Musk expôs de forma pomposa o seu Tesla Powerwall, sistema similar ao da Kyocera, porém com design mais atraente e baterias melhoradas. Mais de 100 mil encomendas foram feitas, e já suplantaram a capacidade de produção da Tesla até o final de 2016. Está bem claro que o investimento inicial ainda é alto (US$ 3 mil para a bateria de 7 KWh, US$ 3.500 para a bateria de 10 kWh), mas o caminho parece claro.
Como toda inovação, o Tesla Powerwall e seus concorrentes devem passar por um processo de desenvolvimento contínuo, com a melhoria e o barateamento progressivo dos equipamentos. Com isso, o sistema deve ficar cada vez mais atrativo para quem tem capacidade de comprá-lo – ou está insatisfeito com a atual distribuidora de energia elétrica.
E os próximos passos?
Tudo isso parece muito distante no cenário brasileiro atual – com limitações energéticas impostas pelo baixo nível dos rios e preços em alta por uma série de decisões políticas e econômicas. Mas, mesmo no curto prazo, já existe alento: a energia eólica, pela força dos ventos, já é responsável por 6% do abastecimento de energia elétrica do país e por quase 25% da energia elétrica consumida na região Nordeste. Com os smart grids, o consumo também deve diminuir bastante, com o fim dos desperdícios e roubos de energia.
Além disso, soluções em microescala, como a da energia piezoelétrica e a da produção individual de energia, prometem deixar as cidades menos dependentes de uma fonte única de energia, sujeita a falhas e vulnerabilidades. Talvez isso, em um futuro distante, ajude a resolver até mesmo a questão dos fios aéreos, ainda que também existam cabos de telefone e TV a cabo nos postes elétricos.
É mais energia, mais constante – e com cidades mais bonitas. E isso, pessoal, me dá uma esperança danada
Autor: Outras Cidades