Curiosidade – Não sabemos como as pirâmides do Egito foram construídas

DESENHO DO COLOSSO DE DJEHUTIHOTEP SENDO ARRASTADO POR TRABALHADORES, ENQUANTO A AREIA É LUBRIFICADA COM ÁGUA À FRENTE DO TRENÓ. (FOTO: REPRODUÇÃO)

Assim como o coração, a internet tem razões que a própria razão desconhece: por u
ma delas, a história, divulgada originalmente em maio do ano passado, de que cientistas holandeses “descobriram” como os egípcios faziam para transportar os blocos de pedra usados na construção da Grande Pirâmide de Quéops – apoiando-os em grandes trenós e lubrificando a areia à frente com água – voltou a ser vendida como “novidade” agora no fim de abril.

Além de reciclada, a notícia também é redigida com certa dose de exagero. A ideia de que os egípcios lubrificavam o caminho por onde seus monumentos de pedra teriam de passar, antes de chegarem a seus destinos finais, não é exatamente original – como, aliás, o artigo científico dos holandeses, publicado no periódico “Physical Review Letters”, deixa claro. Mas o ressurgimento da história trouxe à tona também, nas redes sociais, o velho burburinho em torno dos antigos egípcios e suas tumbas piramidais: eles eram refugiados da Atlântida? Receberam ajuda extraterrestre? Como a Grande Pirâmide foi construída?

Essa última questão é especialmente importante, porque é dela que os defensores da “hipótese extraterrestre” e da “hipótese atlante” se valem: se não sabemos como as pirâmides foram erguidas, então é porque foram os aliens, ou a supercivilização do Continente Perdido!

Só que – e o leitor habitual deste espaço vai me perdoar pela repetição – não é válido argumentar a partir da ignorância: a eventual ausência de uma explicação razoável não prova a veracidade de explicações exóticas. Elas têm de se sustentar por seus próprios méritos, não pelas supostas falhas da alternativa.

E, afinal, é correto dizer que não sabemos afirmar como as pirâmides foram construídas? De certa forma, sim – mais ou menos como será válido afirmar, daqui a 4.500 anos, que não se saberá como a barragem de Itaipu foi construída: é bem possível que os registros exatos dos métodos e técnicas usados pela engenharia brasileira não sobrevivam até lá. Mas é de se esperar que os arqueólogos do ano 6515 percebam que a civilização brasileira do século 20 seria, sim, capaz de erguer a represa, ainda que não consigam precisar o método usado. O que é exatamente nossa situação em relação à Grande Pirâmide.

A história da evolução da pirâmide é bem clara no registro arqueológico egípcio. Estão preservadas a pirâmide de degraus de Djoser, com 60 metros de altura; duas tentativas fracassadas de se erguerem pirâmides de faces lisas, não escalonadas (a pirâmide caída, que se tivesse sido completada teria chegado a 92 metros, e a pirâmide torta, de 105 metros, ambas obras encomendadas pelo faraó Sneferu); e, finalmente, a primeira pirâmide de faces lisas bem-sucedida, também obra de Sneferu. Essa é a chamada Pirâmide Vermelha, e tem a mesma altura que a frustrante pirâmide torta.

O processo todo, que se desenrolou ao longo de várias décadas, mostra uma clara linha de aprendizado, tentativa e erro: é difícil imaginar que supercivilizações perdidas do passado, ou alienígenas capazes de atravessar a galáxia, precisassem de mais de meio século para descobrir como se constrói uma pilha triangular de pedras.

A pirâmide seguinte é a Grande Pirâmide, erguida para receber o corpo do faraó Quéops, ou Khufu. Essa tumba monumental tem cerca de 147 metros de altura. É 40% maior que a Pirâmide Vermelha. Foi a edificação mais alta do mundo, até a década de 1880.

Uma alegação comum dos piramidólogos esotéricos e/ou ufológicos é de que seria impossível transportar pedras para o alto da Grande Pirâmide por meio de rampas, porque para manter a inclinação da rampa dentro de um ângulo razoável, essa estrutura de apoio teria de ser maior que a pirâmide em si, um óbvio contrassenso.

A crítica até faz algum sentido: há cálculos que indicam que uma rampa simples deixaria de ser prática assim que a pirâmide superasse os 60 metros de altura. Mas quem disse que os egípcios estavam limitados a rampas simples? Eles poderiam ter usado, por exemplo, rampas em ziguezague, ou uma espiral envolvendo a pirâmide.

ALGUMAS CONFIGURAÇÕES DE RAMPAS PROPOSTAS PARA A CONSTRUÇÃO DA GRANDE PIRÂMIDE (FOTO: WIKIMEDIA COMMONS / REPRODUÇÃO)

Há alguns anos, o arquiteto francês Jean-Pierre Houdin propôs que os egípcios poderiam ter usado uma rampa espiral subindo por dentro da pirâmide, algo que no fim da obra acabaria incorporado à própria estrutura. Essa não só é uma solução econômica e elegante, como parece confirmada por uma análise da densidade interna da tumba de Quéops.

A despeito disso, o método exato utilizado continua a ser alvo de debate: mas é um debate em torno de uma escolha racional entre técnicas de construção disponíveis no mundo egípcio de 4.500 anos atrás – sem a necessidade de se apelar para raios antigravitacionais ou engenheiros atlantes.

Autor: Galileu