“Onde foi parar o Aquífero Guarani quando a gente mais precisa dele?” Essa foi a pergunta que um amigo me mandou, um mês atrás, quando o Gizmodo publicou uma reportagem em parceria com o TAB UOL sobre a crise hídrica em São Paulo (se você não sabe do que estou falando, dê uma olhada aqui). Pois é. Há dois grupos de pessoas obcecadas com o Aquífero Guarani: os estudantes de ensino médio e as pessoas acima de 35 anos.
Os estudantes de ensino médio sabem que, uma hora, o Aquífero Guarani vai cair no vestibular. E o vestibular é feito, basicamente, por pessoas com mais de 35 anos que passaram os últimos anos da década de 90 e os primeiros dos anos 2000 ouvindo sobre as maravilhas do Aquífero Guarani. Ele seria mais uma prova de que o Brasil (e seus vizinhos) foram agraciados pela mãe natureza com aquele carinho de quem leva leite na cama para você dormir mais tranquilo toda noite (mesmo quando você é casado e tem filhos).
Mas… o que raios mesmo é o Aquífero Guarani e qual o papel dele na atual (e talvez nas futuras) crises de falta de água? Aos fatos, senhoras e senhores. Porque você que não é estudante de ensino médio e tem menos de 35 anos também vai gostar de saber algumas coisas.
O que é o Aquífero Guarani?
Ele é uma gigantesca caixa d’água subterrânea que se espalha por um milhão de quilômetros quadrados em quatro países: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. É grande, muito grande. O território que ele ocupa é equivalente a duas Franças.
Sua capacidade também é impressionante. Ele tem 37 mil quilômetros cúbicos de água. O quanto é isso em número de gente? Um quilômetro cúbico é equivalente a um trilhão de litros de água. Então, vem comigo. Respire fundo.
O Aquífero Guarani tem 37 mil vezes um trilhão de litros de água. Para um ser humano normal, é praticamente impossível captar a magnitude disso. Mas talvez ajude dizendo que o Aquífero Guarani tem (pausa dramática)…
… a capacidade de 40 mil sistemas cantareiras. Dá para abastecer a população mundial, com muitas sobras.
E por que ele não é usado QUANDO A GENTE MAIS PRECISA DELE?
É hora de derrubar algumas premissas. Ele é usado, sim. No Estado de São Paulo, por exemplo, 65% das cidades são abastecidas com águas subterrâneas (inclusive do Aquífero). Várias cidades do interior de São Paulo, como Ribeirão Preto, já usam os recursos do Aquífero. É por isso que a seca nessas regiões, embora severa, não teve um impacto gigantesco.
Só que há alguns problemas em usar o aquífero. Primeiro que a água não pertence a apenas um país, mas a quatro. Tem de ter muita cautela. Se você tirar muito aqui, a Argentina vai reclamar (com razão). Afinal, a água não fica parada. Ela vai e vem, vai e vem, se movimentando com aquele balanço gostoso das profundezas da terra.
Por isso, a exploração do Aquífero precisa ser coordenada entre os quatro países, o que não é muito fácil. Houve avanços relevantes nos anos 2000, com acordos bem importantes assinados. Mas, você sabe, o acordo é só o começo de alguma coisa. O que pega é a aplicação.
São países com água, empresas que tiram água, empresas e pessoas que precisam de água. Além disso, em alguns países a água subterrânea não está sob administração nacional, mas dos Estados. É muita gente envolvida. Não estamos falando de biribinha, mas daquele líquido que nos permite viver de boas nesse planeta.
A segunda é que nem sempre é fácil tirar essa água. A imagem de caixa d’água ajuda a entender o que o Aquífero é, mas também engana. O reservatório não é uma obra de engenharia, mas um buraco irregular cheio de água embaixo da terra. Como engenheiros, geógrafos e mais um monte de gente não se cansam de dizer, não basta ter o recurso: é preciso conseguir explorá-lo e saber usá-lo. Isso serve tanto para água quanto para petróleo (embora água seja muito mais importante que petróleo). Por isso que há projetos pilotos em andamento, nos países onde ele está, para pesquisar mais o aquífero e entender o quanto ele pode ser usado. São Paulo, de certa forma, faz parte dessa iniciativa.
Apesar desses obstáculos, o Aquífero já vem sendo utilizado – como eu falei, uma parte do interior de São Paulo já o usa legalmente. Atenção para o legalmente, porque isso tem a ver com o próximo ponto.
Posso abrir um poço de água e usar minha cota do Aquífero?
Não. Poço artesiano é coisa séria. Imagine se todo mundo sair por aí abrindo poço de água. Primeiro, nem toda a água do Aquífero tem a mesma qualidade. Segundo que um poço não é só um ponto de extração de água – também é mais um ponto em que a água debaixo da terra entra em contato com o mundão daqui de cima. E aí é que mora o perigo.
O Aquífero Guarani é abastecido por chuvas. Essa chuva entra por fendas na terra, por fendas em lagos, por rios. Ele tem vários pontos de entrada — por isso que ficou tão grande (tem a ver com tipos de rochas também, mas isso é papo de geólogo e, confesso, ainda não cheguei naquele nível de admirar a beleza de uma rocha. Mas eu chego lá um dia, espero).
Em algumas regiões do interior de São Paulo, já há suspeitas de contaminação em trechos do aquífero por defensivos agrícolas. Nada sério — mas pode ficar sério. Afinal, são muitos pontos de entrada.
Por isso que os governos entram no jogo. Eu sei, eu sei. A gente anda de bode com TODO E QUALQUER GOVERNO (com alguma razão). Mas algumas coisas não tem jeito mesmo. O governo precisa regular a exploração para que esse enorme potencial não se esvaia por ai.
Você pode falar com a empresa de água que abastece sua cidade e se informar sobre como abrir um poço. Há várias por aí – e a Sabesp, a mais famosa, é apenas uma delas. Ribeirão Preto, por exemplo, tem sua própria companhia de abastecimento de água. Campinas também.
Se quiser abrir um poço, faça a coisa certa. Se informe sobre como fazer e deixe tudo regularizado. E, se os governos aprontarem, coloque a boca no mundo. Governos não podem brincar com água. Se tem um lado bom dessa crise é, que finalmente, estamos levando a menina água a sério.
Imagem de capa: Parque Curupira, em Ribeirão Preto (Leandro Maranghetti Lourenço/Wikipedia)
Autor: GizModo