Estava escrito nas estrelas IV

CAPÍTULO 7 

Enquanto isso…. 

Tôco ia vivendo aquela vidinha pacata em um novo bairro da Capital, Jardim dos Estados. Nos primeiros tempos da adolescência, freqüentou a igreja da paróquia, junto com suas primas, tendo ingressado na congregação das Filhas de Maria, para gáudio da Anja Francisquinha. Que falta faz esse costume nos dias de hoje, em que não há uma diretriz gregária para mostrar a utilidade da disciplina, da ética e dos bons costumes, indispensáveis para reinar a paz! Coitados dos atuais anjos da guarda! Desde então, Tôco sempre contou com o conforto da oração e da espiritualidade. 

As diversões eram as festas que o colégio propiciava. Sem dúvida aqueles dois ou três festivais que a própria escola organizava a cada ano eram fenomenais. Porém, era costume a garotada promover reuniões domésticas, cada vez na casa de um partícipe do grupo, geralmente nos salões de festas dos prédios de apartamentos ou nas garages das casas isoladas. Ali se dançava, e muito, ao som de uma vitrola, a partir de um certo objeto do passado, chamado disco de vinil. Ray Conniff, Erlon Chaves, Simonetti, Silvio Mazzuca, Casino de Sevilla e outras orquestras tocavam seleções de bailes. Simplesmente dançava-se aos pares, homens com mulheres. Só não podia homem com homem, nem mulher com mulher, como bem dizia Tim Maia. Costumes estranhos que tentam ressuscitar nos dias atuais, com o eufemismo “dança de salão”. 

Dizem as más línguas que foi o Arcanjo Manuel quem inventou o laquê, um fixador de penteados das moças, deixando os cabelos endurecidos e permitia desenhos interessantes, “gatinho”, “pannettone”, 

“Chanel” e que tais. Era para evitar as danças com “rostos colados”, pois ficava muito grudento o contato na tez. Com isso, o arcanjo conseguiu reduzir bastante os entusiasmos insopitáveis dos jovens da época. 

Tôco adorava, e adora até hoje, dançar. Um pouco mais tarde, o critério essencial para seu interesse em rapazes, ditos namorados, era que estes soubessem dançar bem. Francisquinha prestou atenção nesse pormenor e se preparou para induzir tal habilidade em Nê. 

De resto, Tôco vivia em turmas, reunidas em uma das praças do Jardim dos Estados para batepapos infindáveis ou em salas de estar, para inocentes jogos de adivinhações, mímicas, “a palavra é”… 

Bons tempos os dos colégios de freiras, exclusivamente femininos, todos de nomes franceses… Que o diga a Anja Francisquinha! Por um acaso, Tôco foi estudar em um colégio presbiteriano, misto, bem menos carola, muito ocupando Francisquinha em sua proteção contra as investidas de colegas de classe mais ousados. 

Mas, novas modas e costumes estavam por chegar.

CAPÍTULO 8 

Transição. 

Os jovens da geração pós-guerra foram ao mesmo tempo agentes e vítimas da revolução dos usos e costumes da sociedade. Formaram o “baby-boom”, cujo “slogan” induz à idéia da explosão iniciada. Na época da segunda grande guerra, Alexander Flemming desenvolveu a penicilina. Pronto! Rompeu a cadeia alimentar, base do equilíbrio ecológico. Com o antibiótico, o homem passou a exterminar maciçamente os microrganismos que, de fato, dele se alimentam. Observem que a humanidade levou pelo menos dez milhões de anos para atingir a população de dois bilhões de indivíduos em 1950. Em apenas cinqüenta anos, vinte e cinco milionésimos por cento do tempo em curso, ultrapassou o triplo da população, atingindo seis bilhões de indivíduos no ano 2000. Este é, sem dúvida, o “baby-boom”, clamorosa explosão demográfica, nos primórdios da qual nasceram Nê e Tôco, partícipes efetivos das vertiginosas mudanças recentes na vida e nos costumes da humanidade. Pertencem a uma geração atônita que se surpreende a cada dia, a cada dia mesmo, com novidades nas tecnologias da medicina e da engenharia, capazes de virar as expectativas de cabeça para baixo. 

Um pouquinho antes do fim do século 19, quase de repente, surgiu um mundo novo: expandiu-se o sistema elétrico, desenvolveu-se a telefonia, industrializou-se o automóvel, inventaram o avião. 

Em meados do século 20, chegou a terceira onda desenvolvimentista. Implantaram-se enormes computadores nas grandes universidades. Vieram a fotocópia, a televisão, o telégrafo com fio, e depois, o sem fio. Surgiu o avião a jato. Lançaram o satélite artificial Sputnik no espaço sideral. Houve o vôo astronáutico de Yúri Gagárin. Em 1969, Armstrong pisou o solo da lua. 

Ninguém, ninguém mesmo, imaginava o que ainda estava por vir, quando Nê e Tôco passaram da adolescência para o inicio da vida adulta. Os fantásticos inventos e descobertas, apenas testemunhos materiais, fizeram parte da mutação no modo de vida, na reformulação das tábuas de valores da sociedade, na reconceituação da ética social. 

O Arcanjo Manuel convocou a legião dos anjos da guarda sob seu comando, nisto inclusa a Anja Francisquinha, para debater o novo problema e estabelecer reformas dos critérios de proteção. Na angélica dimensão, a reunião durou apenas um relance, e Francisquinha rapidamente voltou às suas tarefas de acompanhar Nê e Tôco. 

Estes ilustres personagens já estavam cada um em sua faculdade, Nê buscando uma profissão baseada em ciências exatas e Tôco, nas artes da comunicação. Francisquinha coçava a cabeça, pois Nê estava em uma cidade do interior e Tôco continuava na Capital. Era vôo para cá e vôo para lá. Por isso, muita coisa escapou do controle da anja… 

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