CAPÍTULO 5
A pacífica Tôco.
A infância, ou melhor, a vida toda de Tôco foi marcada pela paz. Era uma menininha que chorava pouco e vivia a lidar solitária com seus brinquedos. Todos diziam ser uma verdadeira santinha, porém digna de toda admiração por sua aguda inteligência e perspicácia.
Morava bem perto de sua avó paterna, aliás no mesmo quarteirão, no bairro do Cinamomo. Bastava dobrar a esquina, na mesma calçada, estava dentro da casa dos avós. A vida na cidade era muito amena e, por isso, era-lhe permitido ir sozinha para ver a vovó. Vários tios e uma tia ainda eram solteiros, moravam com os pais, e assim, à tardezinha, quando Tôco ali chegava, cumulavam-na de mimos e carinhos. Não era para menos. Que coisa gostosa a presença sorridente da garotinha, com seus vestidinhos rodados e laço nos espessos cabelos negros! Aqueles olhinhos escuros brilhavam de vida e atenção.
Deste modo, a Anja Francisquinha só tinha a tarefa rotineira de acompanhar a caminhadazinha de 50 metros de Tôco pela calçada segura. Aliás, um pouco mais tarde, Tôco em sua bicicleta foi abalroada de leve por um automóvel que rodava muito próximo do passeio. Francisquinha teve um susto tremendo, mas percebeu a tempo e tudo se resumiu em um joelho ralado no cimentado. Foram tão poucas as situações de perigo que rondaram Tôco, que ficou inesquecível um pequeno acidente em que, pulando na cama da mãe, bateu o braço no vidro da janela. Houve um corte profundo no bracinho, provocado pelo estilhaço, do qual resultou uma cicatriz quase imperceptível. Mas Francisquinha ficou mortificada por meses a fio.
Tôco era tão quietinha e pouco exigente, que somente aos nove anos, perceberam que ela era muito míope. Isso explicou a dificuldade de Tôco em aprender a ler a escrever. Uma prima mais velha, meio que por brincadeira, mostrou uma escrita para a menina e entendeu na hora que ela enxergava mal. Bastou pôr-lhe uns óculos de grossas lentes, que o seu mundo ficou lindo e aflorou o brilho total daquela singular criaturinha.
O convívio com os tios, logo fez de Tôco uma pequena adulta, sempre sensata e, principalmente, reverenciada pelo irmão e pelos primos. Era a xerifinha da turma, participando de todos os folguedos.
Francisquinha então, ficou feliz com o acerto de suas previsões. Conseguiria um dia, aproximá-la do agitado Nê, que recrudescia em suas estripulias.
CAPÍTULO 6
Nê descobre o mundo.
Por causa de transferência de trabalho de seu pai, quando Nê completou 13 anos, sua família havia se mudado para uma vila de apenas sete mil moradores.
Não havia muros nem cercas entre as casas da vila. Eram simpáticas construções implantadas sobre um imenso gramado, com uns canteiros de flores aqui e acolá e diversas árvores frutíferas e comuns.
Em uma pracinha, todas as noites se reunia um grupo de uns dez amigos, com idades variando entre 12 e 15 anos. Ali ficavam em animadas conversas fiadas, ouvindo músicas em um radiozinho portátil. Havia uns certos norte-americanos nas paradas de sucessos que cantavam um ritmo novo chamado Rock-and-Roll. Eram Bill Halley, Chuck Berry, Elvis Presley e Little Richard, além dos baladeiros Neil Sedaka e Paul Anka. Outro assunto diário era o futebol, pois havia pouco, naquele ano de 1958, nossa Seleção Canarinho, abiscoitou a Copa do Mundo pela primeira vez. Era um glorioso time até hoje inigualado. Viveriam para sempre no coração de Nê: Gilmar, Djalma Santos e Nilton Santos; Dida, Zito e Zózimo, Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagalo e mais alguns que alternavam na zaga, o Moacir e o Orlando; e na linha o Mazzola e o Pepe. Coisa fantástica, não? É de arrepiar!
Um dia, o avô de Nê chamou a atenção de sua mãe para as pernas cabeludas que ele já exibia. Com a concordância dela, comprou suas primeiras calças compridas. De fato Nê estava ficando homem.
Nos fins-de-semana, as grandes diversões da garotada eram caçar ou pescar. Nessas andanças exploratórias, os jovens descobriram alguns riachos da região, cristalinos por excelência. Nos riachos havia trechos mais alargados formando laguinhos, nos quais nadavam completamente nus. De vez em quando nesses laguinhos, chegavam as jovens garotas da vila, provocando correrias dos meninos para se vestirem. Caiam por terra as gargantices dos rapazes, então envergonhados, quanto aos sucessos junto ao sexo oposto.
No clube social, existia um amplo galpão, onde funcionava o Cinema, duas noites por semana, na quarta-feira e no sábado. Ninguém perdia essas sessões. Numa dessas vezes, na última fileira de cadeiras, Nê estava sentado ao lado de uma garota loira, um tanto mais velha, a qual todos os jovens do pedaço cobiçavam por causa do corpo bem feito, tipo “violão”. Quando a luz se apagou, Nê, muito audacioso, resolveu beijar a moça e ela topou. Foi um susto enorme, quando a língua dela invadiu a boca de Nê. Nunca ninguém lhe havia falado sobre isso. Daí o susto, que, sem mais delongas, se revelou em prazer e excitação. Francisquinha notou, mas, condescendente, deixou passar o pecadinho.
Ir ao clube esportivo local também era bom programa para jogos de basquete e natação. Certamente, a piscina era o maior atrativo, mesmo porque era ali que as moças se reuniam nas tardes calorentas da região. É aqui que começou de fato a perdição de Nê, que já apreciava muito o corpo feminino. Um dia, ao emergir de um mergulho, bem próximo à beirada da piscina, Nê se deparou com uma cena inesquecível. Ali estava deitada, com as pernas dobradas, joelhos para cima, uma mulher maravilhosa. Na frente de seus olhos, ao tirar a cabeça da água, ali estavam duas coxas espetaculares ladeando um fundilho que, embora coberto pelo maiô, sugeria algo esplendoroso que desde então Nê ficava a imaginar como seria ao vivo e a cores. Francisquinha ficou abaladíssima. Como cuidar do pilantra, agora tão distante de Tôco, voando centenas de quilômetros? Apesar de ciente de tudo que se passava, a anja não possuía o dom da ubiqüidade!
Pior ficou depois, para a guardiã. Não demorou muito a curiosidade de Nê. Depois de muito pedir, um amigo mais velho acabou por levá-lo num sábado à noite, a uma visita digamos “privativa” numa cidade próxima. Freqüentar um prostíbulo fazia parte integrante da vida dos jovens machos dessa época. Inexistia o sexo entre namorados. Isto era feio, um pecado inominável e vergonhoso. Mas fazê-lo com prostitutas era tão natural quanto ir ao cinema.
Mais que natural, era uma importante atividade para confirmar a masculinidade do jovem.
Nessa noite, Francisquinha estava muito ocupada com Tôco, bem distante, na Capital, e a movimentação de Nê passou-lhe despercebida. Assim, sem a interferência direta da anja, Nê pode usufruir sem peias, o ato delicioso que uma jovem, com muita delicadeza e educação, lhe mostrou. Desde então, Nê, incessantemente, passou a perseguir sua repetição.
Por causa dessa cochilada, a Anja Francisquinha não teve mais sossego.
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