Prezado Camil Eid, presidente do Instituto de Engenharia, em nome de quem agradeço esta importante entidade por essa honrosa homenagem.
Caro amigo José Roberto Bernasconi, a quem agradeço, com muita emoção, as delicadas palavras.
Companheiros da Engenharia, senhoras e senhores, boa noite.
À certa altura da vida, achamos que não temos lá grandes expectativas em relação a surpresas.
Ledo engano! Receber o título de Eminente Engenheiro do Ano era algo até então inimaginável.
Fui surpreendido e invadido por uma imensa felicidade, pois esta é uma das designações mais importantes em nosso meio.
Tal fato me convidou a fazer uma reflexão sobre esses 55 anos em que atuo no setor imobiliário. Uma retrospectiva de realizações, erros e acertos e, principalmente, de muito aprendizado.
Às vezes me perguntam: se você pudesse começar outra vez, o que faria diferente? Há coisas das quais se arrepende?
Num rápido balanço, respondo: me arrependo de não ter feito mais do que sempre fiz: lutar ainda mais pela causa da habitação, pela redução de nosso elevado déficit habitacional, principalmente na baixa renda.
Em 1º de março de 2004, quando fui reeleito para mais uma gestão na presidência do Secovi-SP, a solenidade de posse – realizada no Clube Atlético Monte Líbano -, reuniu mais de mil participantes, incluindo importantes personalidades públicas.
Naquela oportunidade, relatei uma história que sensibilizou a todos.
À época, o crédito imobiliário ainda era escasso e a dinâmica imobiliária ensaiava uma recuperação.
Dias antes da cerimônia de posse, encontrei por acaso na rua o pedreiro Severino, um competente operário que, anos antes, havia trabalhado em várias de minhas obras.
Não o reconheceria se ele não tivesse se dirigido a mim. Estava maltrapilho, barba por fazer, um típico morador de rua.
Com os olhos mareados ele perguntou:
– Seu Romeu, quando é que o senhor vai fazer outro prédio? Pelo amor de Deus, eu preciso trabalhar.
Quase não consegui explicar que, infelizmente, as condições do País naquela época não ofereciam ao mercado imobiliário meios de produzir empreendimentos em volume condizente com a demanda da população por teto e emprego.
Para o Severino, pouco adiantaria informar que os juros eram altos, que os financiamentos eram escassos, que a demanda estava reprimida em razão da perda de poder aquisitivo – quando não do emprego.
Então, só pude dizer a ele que, assim que se fosse realizar um novo empreendimento, certamente iria procurá-lo e perguntei onde poderia encontrá-lo.
Com olhar mareado, ele respondeu:
– Por aí, Seu Romeu. Por aí…
Pois foi exatamente em 2004 que as coisas começaram a mudar para melhor no setor imobiliário.
Aliás, a mudança começou um pouco antes, em 2002, quando o Secovi-SP, ao lado de outras entidades de classe, conseguiu fazer com que o Banco Central do Brasil, então presidido por Armínio Fraga, induzisse os bancos privados – que possuíam abundantes recursos captados em caderneta de poupança – a retomar os financiamentos, há muito paralisados. Uma história cheia de detalhes técnicos que não cabe aqui recordar.
No ano de 2003, assumia o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que criou o Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social, no qual eu participava.
Numa reunião desse Conselho, apresentei uma proposta que foi aprovada por unanimidade:
– Que o governo prestasse atenção à gravíssima crise que há mais de uma década atingia o mercado imobiliário, e que colocasse a habitação como uma prioridade da gestão que se iniciava.
Cada empreendimento imobiliário gera empregos diretos e indiretos, movimentando o setor produtivo industrial e o de serviços.
Portanto, faz girar a roda da economia, reafirmando o que sentenciou o ex-presidente francês, falecido em 1970, Charles de Gaulle: quando a construção vai bem num país, todo o resto vai bem, o setor industrial e o de serviços.
O governo soube nos ouvir. Tanto que, em 2004, fez aprovar no Congresso Nacional o novo marco regulatório para a construção e o crédito imobiliário, conferindo mais garantias aos agentes financeiros, aos compradores de imóveis na planta, e às construtoras e incorporadoras.
Foi uma revolução. O volume de operações de crédito pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, que em 2003 somava pouco mais de três bilhões de reais em âmbito nacional, cresceu substancialmente, superando a marca dos 100 bilhões de reais em 2013. O mercado de imóveis renasceu.
Em 2008, quando veio a crise internacional provocada pela quebra do Lehman Brothers, banco de investimentos norte-americano, foi justamente na indústria imobiliária que o governo se apoiou para manter o nível de emprego e movimentar a economia: nasceu o Programa Minha Casa, Minha Vida, voltado à produção de habitações de interesse social.
Até recentemente, antes de chegar à desaceleração econômica que hoje experimentamos, o setor se desenvolveu enormemente. A ponto de até mesmo ser aventada, porém sem fundamento, o risco de uma bolha imobiliária, nos moldes do que ocorreu nos Estados Unidos.
Houvesse um Severino disponível, ele seria disputado por várias empresas.
O crescimento foi tanto que todas as empresas sofreram com a falta de mão de obra, de materiais e equipamentos.
Desde que comecei a atuar no Secovi, e isso foi na década de 70, entendi que não há alternativa para a moradia.
Um cidadão consegue se virar para não passar fome; consegue ser atendido pelo SUS (ainda que demore) e, mesmo sendo analfabeto, consegue um emprego.
Mas sem um teto, só resta a esse cidadão a favela, os vãos de viadutos, as invasões de áreas públicas e privadas, a ocupação de áreas de mananciais.
Foi por isso que bati e continuo batendo incansavelmente nessa tecla.
Assim me posicionei perante vários presidentes da República:
• João Figueiredo, que fez um importante programa habitacional;
• Fernando Collor, que fez o PAIH – Plano de Ação Imediata para Habitação;
• José Sarney – que criou o malfadado Plano Cruzado, fechou o Banco Nacional da Habitação, o BNH, e deixou acéfala a política habitacional;
• Fernando Henrique Cardoso, que arrumou a casa com a estabilização da moeda e fez o que pode mediante as sucessivas convulsões internacionais que enfrentou – as crises asiática, russa, argentina etc.;
• E Lula, que encontrou a casa arrumada, incentivou a política habitacional e contribuiu com medidas adequadas para o desenvolvimento econômico e social do País.
Poucos sabem que tudo nessa vida tem um preço. Na luta pela causa da habitação, tive enfrentamentos que quase me renderam enquadramento pelo SNI – vivíamos a ditatura e seu AI-5.
Além disso, problemas com a Receita Federal em nítida ação de represália por entrevistas à imprensa que foram mal compreendidas.
Enfim, tive lá meus dissabores. Porém, o positivo resultado para a indústria imobiliária, para os sem teto e para o País compensou o que passei.
Hoje, me considero uma pessoa que conseguiu cumprir sua missão como cidadão.
Incorporei e construí a edifícios comerciais e residenciais, shoppings e outros tipos de empreendimentos.
Consegui colocar em prática a máxima do antigo apresentador de televisão, Chacrinha, que dizia:
“Quem não se comunica se trumbica”, e apostei no diálogo para valorizar o setor perante o poder público, a imprensa e a opinião pública.
Vi sonhos virarem realidade. Vi sonhos desmoronarem. Vi renascimentos, que vêm da humildade e da coragem de saber cair e se levantar. Vi tantos acontecimentos que dificilmente caberiam numa só vida.
Durante mais de cinco décadas, tive a oportunidade de participar da história de nossa indústria. Ora como protagonista; ora como coadjuvante; ora como a plateia que aplaude ou vaia, conforme a qualidade do espetáculo imobiliário.
O mais importante, porém, é que não houve dia em que não aprendesse alguma coisa. Tanto com o rei, quanto com o mais simples plebeu, cada um deles me permitiu aprender. E a cada um deles eu só posso agradecer.
Assim como agradeço a cada um daqueles que me acompanharam na trajetória dessa minha existência.
Agradeço aos parceiros, funcionários e clientes de minha na empresa.
Aos companheiros nas várias entidades de classe com as quais tive a oportunidade de colaborar, no Brasil e no Exterior, em especial o Secovi-SP.
Minha gratidão especial aos de meus familiares e amigos, cujo apoio foi e continua sendo imprescindível.
Também registro meu reconhecimento aos representantes do Executivo, Legislativo ou Judiciário das três esferas de governo com os quais dialoguei, bem como aos jornalistas, que me deram a chance de mostrar a face positiva do mercado imobiliário e divulgar nossas propostas para o bem do País.
Enfim, agradeço a todos que fazem parte desse formidável universo chamado relacionamento.
Agradeço porque se existe algo que realmente não tem preço, este algo é a amizade.
Portanto, só tenho a agradecer a Deus, pois sou privilegiado pela presença de tantos amigos queridos, incluindo vocês que aqui estão nesta bela cerimônia, a qual guardarei para sempre comigo.
Ao olhar para trás, tenho a alegria de dizer: valeu a pena!
E ao olhar adiante, tenho a certeza de dizer: sempre vai valer a pena, pois superaremos o momento delicado que nosso país está atravessando. Assim foi em diversas outras ocasiões no passado.
Tenho certeza. Tenhamos certeza que superaremos.
A todos, por tudo e para sempre, muito obrigado! E que Deus nos abençoe.
Autor: Romeu Chap Chap – Eminente Engenheiro do Ano 2014