Introdução
“Tenho a honra de ser engenheiro e o privilégio de escrever. Muito timidamente experimentei a aventura de elaborar contos, alguns de caráter intimista, e crônicas mais ou menos ácidas sobre a tragédia humana. Fui guardando os textos no fundo de uma gaveta. Um pouco além, já no último decênio, por força da militância em entidades de classe, tendo chegado à glória de presidir o quase centenário Instituto de Engenharia, as contigências do cargo levaram-me a redigir e publicar mais de uma centena de editoriais e artigos versando sobre o contexto da Engenharia, conquanto técnica, ciência e arte, no desenvolvimento social e econômico de nosso País. Assim, sou também um articulista”
Boa leitura!
Aluizio de Barros Fagundes
CAPÍTULO 1
Francisquinha entra em ação.
Naqueles tempos sombrios da Guerra Mundial, os anjos da guarda andavam assoberbados, cuidando dos que partiam para outros níveis nos campos de batalha. Tinham até que compartilhar novos nascituros em todas as partes da face da Terra.
Ali pelo mês de novembro de 1944, Francisquinha, uma anjinha muito meiga, estava passeando pelo bairro do Refúgio, em uma ainda bucólica cidade do hemisfério sul, quando o Arcanjo Manuel a pegou de surpresa e disse: “Vai cuidar desse molequinho que acabou de ser concebido”! Ela, anjinha nova, ficou toda orgulhosa por ganhar o primeiro protegido e saiu a perambular, tentando fazer outra conquista. Mal sabia a trabalheira que o destino lhe reservara com o molequinho posto a seus cuidados!
Eis que estando meio desavisada, pois as coisas andavam calmas por aquelas bandas, em março de 1945, chegou-lhe nova ordem do Arcanjo: “Voe rápido para o bairro do Cinamomo, que há uma nova incumbência para a sua guarda”! Era uma garotinha que se pusera a caminho. Pronto! Francisquinha, ficou felicíssima com o novo compromisso, passou a voar em grandes piruetas e depois se escondeu do Arcanjo. Começou a planejar suas tarefas futuras e quis se dedicar apenas aos seus dois primeiros protegidos, cheia de pragmatismo. Foi assim que ficou delineada a história daqueles dois. Vou contar com toda a franqueza como tudo se desenrolou.
CAPÍTULO 2
A chegada de Nê.
Em fins de julho de 1945 nasceu o molequinho, que um dia veio a ter o apelido carinhoso de Nê, o qual vou adotar nesta historiazinha fantástica, para evitar sua identificação, pois qualquer semelhança com pessoas, fatos ou lugares, não será mera coincidência, inclusive quanto às intervenções do Arcanjo Manuel e da Anja Francisquinha.
A anja teve muito trabalho assistencial durante o parto. A evolução do nascimento estava muito lenta, sem que se dilatasse o colo do útero da mãe. Cesariana era uma intervenção cirúrgica de risco naquela época, além do que já havia se passado tempo demais para uma decisão desse tipo. O obstetra ouvia o coraçãozinho do bebê a todo instante, até que declarou: “A criança entrou em sofrimento. Vou tirá-la a fórceps”. E assim foi feito, com imensa dificuldade. Não fosse a ajuda espiritual de Francisquinha, os danos teriam sido bem maiores que aquele de uma clavícula quebrada.
Francisquinha, ao ver Nê recém-nascido, um menino forte e bem estruturado, tomou-se por ele de um amor impetuosamente apaixonado. Esse foi o primeiro grande erro da celeste criatura. Sendo uma anja da guarda, ela jamais poderia permitir-se a sentimentos humanos que, inevitavelmente, minam a integridade da alma tornando-a frágil e submissa. Pior que isso, Francisquinha, não procurou o Arcanjo Manuel para se declarar impedida de prosseguir na tarefa e tentou esconder de si mesma a circunstância. Ossos da inexperiência. Ela haveria de superar o próprio problema com denodo, tirocínio e dedicação. Ah esperança que nunca morre! Quanto a Nê, um enfaixamento bem executado prenunciou sua pronta recuperação.
Eis que assim, já no primeiro dia à luz, se iniciaram as peripécias na vida de Nê. Foram tantas aventuras, desventuras e estripulias, que Francisquinha quase endoidou.
(Continua)