Muito tem se falando sobre as questões de energia no Brasil e não é de hoje. Nas décadas de 60/70 imaginou-se que o futuro estaria na utilização de energia nuclear, independente de outros interesses atômicos mais complexos. Porém acidentes radioativos e questões ambientais fez surgir outras expectativas pela utilização de fontes limpas, em todo mundo. Coincidência ou não, o complexo nuclear brasileiro no litoral fluminense jamais decolou como se esperava. A usina de Angra 1 teve suas obras iniciadas em 1972 e Angra 2 em 1976, porém a inauguração da primeira ocorreu de forma parcial, somente em 1985 e a segunda já no novo século, em 2001. Para Angra 3 a coisa é mais complicada, pois as obras estavam paradas desde 1986 e foram retomadas em 2008, sabe-se lá com qual prejuízo nas edificações após 22 anos de paralização. Conforme declaração do ministro das Minas e Energia , 60-70% dos materiais para a construção desta estação de geração nuclear já haviam sido adquiridos juntamente com Angra 2, no século passado. Inauguração ? Talvez em 2016.
Como o Brasil historicamente, dada a abundância de rios, esteve atrelado corretamente ao modelo gerado de fontes hídricas , é saudável imaginar que houve um afastamento natural das ideias nucleares e renovadas investidas no setor hidrelétrico. As decisões mais recentes por este modelo pressupõe que houve uma escolha estratégica considerando prós e contras, quando comparado com novas alternativas e tecnologias hoje disponíveis o mercado. Há uma voz corrente que o retorno do investimento, de eólicas e especialmente solares, não é atrativo quando comparado com hidrelétricas.
Ocorre que não está claro na cabeça de muitos brasileiros, que criar lagos artificiais com interferência ambiental, e consideráveis custos de transmissão de energia ( hidrelétricas distantes), são desvantagens menores do que investir em fontes renováveis por conta do ROI. Até porque planejamento e avaliações de oportunidades não é o forte, especialmente deste governo.
Enquanto isso o mundo caminha buscando alternativas.
Para citar um exemplo, a China somente em 2013 triplicou a geração de energia solar. O índice por si só poderia não representar nada, caso estivessem triplicando sobre uma base pequena. Porem a China já ocupava no mundo, o segundo lugar em geração fotovoltaica, e agora assume a liderança. O acréscimo em 2013 foi de 12 GW, volume equivalente a fotovoltaica total dos EUA, hoje instalada.
Por sua vez a Alemanha, ex-campeã em investimentos fotovoltaicos, continua investindo em fontes alternativas. Apesar das termoelétricas e usinas nucleares responderem pela maioria da produção de energia, hoje a Alemanha gera 20% em energia renovável ( vide diagrama)
O que estes países têm em comum? O país europeu possui pouco mais de 80 milhões de habitantes, dos quais a maioria idosos sendo que metade da população vive nas grandes cidades. É um pais gerido essencialmente pelo modelo capitalista, com uma renda per capita substancial de US$ 36 mil. Porém os serviços sociais à disposição da população são imensos e organizados, a ponto de assimilar o ônus da desordem socioeconômica de décadas da metade oriental, sem transtornos, logo após a queda do Muro de Berlim.
A China por sua vez possui uma assustadora massa de 1,2 bilhão de habitantes, com acentuado índice de pobreza e com uma renda per capita abaixo de US$ 10 mil, inferior portanto ao Brasil. Estima-se que em 2020, 11,8 % da população tenha 65 anos ou mais. Apesar da forte migração recente para os centros urbanos, cerca de 60% ainda vive no campo. Com um sistema político fechado mas com uma economia aberta ao mundo, sua população está longe da proteção social do país europeu.
Culturas , modelos político, social e econômico tão distintos, porém com 3 aspectos em comum. Em primeiro lugar, planejamento. Nada é resolvido de um dia para outro. Há uma inequívoca rota traçada ao longo dos anos, com clareza e transparência fazendo com que as decisões, durante a implantação não sejam questionadas. Em segundo lugar, implantam o que foi planejado. Diz o ditado que o “combinado não é caro“. Ouvir, por exemplo, o ministro de Minas e Energia do Brasil defendendo a retomada de Angra 3 com a tese que os materiais já estavam adquiridos desde Angra 2, há mais de 20 anos portanto, é no mínimo assustador. Ou obsoleto, como o próprio nome do ministério sugere, pois não entendemos sequer quais “minas” estão gerenciando.
Em terceiro lugar, o olhar para as fontes alternativas e a sustentabilidade. É intrigante saber porque os alemães crescem progressivamente em todos os tipos de energia renovável, levando especialmente a uma geração significativa de energia fotovoltaica num pais pequeno geograficamente, onde o melhor ponto de insolação no verão alemão , é inferior ao inverno de São Joaquim(SC), onde costuma nevar.
Quanto a China, alguns poderão frisar que é uma grande exceção, pois os asiáticos produzem o PIB de uma Grécia em 12 semanas. De mais a mais, lá o “Partido” decide, faz e ponto final. Porém não nos parece que estejam queimando dólares a toa, pois os resultados aí estão para comprovar que o bom planejamento é aquele realizável . E realizando eles estão e muito bem, apesar de ser um país ainda pobre.
Olhando os números da China e Alemanha, cada país com suas complexidades, cabe portanto questionar qual a segurança que sentimos pela opção de construir uma nova hidrelétrica seja no Pará, Acre ou Jaboatão ? Qual o órgão público que compete analisar a importância da energia renovável ?
Qual é o planejamento e aonde queremos chegar com fontes renováveis em 2020 ou 2030 ? Não sabemos ao certo, porém temos notícias de verdade, através de organizações não governamentais e muito sérias, que tentam provar que o modelo energético brasileiro pode estar equivocado ou ultrapassado. A comprovar esta seriedade, há uma “Agenda Elétrica Sustentável 2020″, desenvolvida por especialistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para a ONG WWF-Brasil. Ou seja uma ONG internacional, respeitada no mundo inteiro, pede “vistas no processo” , não a um representante de governo, mas a outrem.
Vale a torcida para que estas escolhas de hoje , daqui 20 ou 30 anos, não sejam novamente obras que estiveram paralisadas, e que foram retomadas, com explicações pouco convincentes.
(*) Extraído do Livro “ Os Recursos e a Cidade” de Ricardo Rose, Colunista do Portal SustentaHabilidade.com