ENTREVISTA – Excesso de carga nas rodovias é a principal preocupação das concessionárias

No dia 6 de novembro, o Instituto de Engenharia promoverá o seminário “Infraestrutura: a Adequada utilização das Rodovias no Transporte de Cargas”. Além do excesso de carga, estarão em pauta temas como segurança, fluidez e conforto ao usuário; quadro regulatório que disciplina os limites de peso e de tolerância; fiscalização e aspetos técnicos da pesagem em movimento. Para informações de horário e palestrantes, clique aqui

Com o propósito de fazer uma introdução ao assunto abordado no seminário, entrevistamos Moacyr Duarte, presidente da ABCR – Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias –, uma das apoiadoras do encontro. Ele falou sobre o modelo de concessão no Brasil e a tarifa do pedágio no Brasil e no exterior. Apesar de o escoamento da produção no Brasil seja feita, em sua maioria, por rodovias, Duarte comentou que a malha brasileira pavimentada é muito pequena em comparação aos Estados Unidos. Leia abaixo a entrevista na íntegra. 

Instituto de Engenharia – Quais assuntos não podem faltar nessa discussão do seminário? 

Moacyr Duarte – Do ponto de vista dos operadores de rodovias, o excesso de carga desponta como um dos mais importantes problemas, em função de provocar a deterioração acelerada dos pavimentos e o desgaste prematuro dos veículos. Desse fato, decorrem suas consequências mais impactantes, que são os aumentos na quantidade e na gravidade dos acidentes. 

Instituto de Engenharia – Quais são os principais erros cometidos no transporte de carga que comprometem a segurança do cidadão e do condutor? 

Moacyr Duarte – O excesso de carga, especialmente o por eixo, é extremamente danoso para os pavimentos e para os transportadores, que não têm condições, por questões de mercado, de se contrapor aos seus clientes embarcadores. A tolerância legal de sobrecarga, de 5%, já é enorme, considerando que a precisão das balanças rodoviárias, atualmente, apresenta variação além de 1%. 

Não obstante, essa tolerância já subiu para 7,5% no eixo e há uma forte pressão para aumentá-la para 10%, o que é claramente um despropósito. 

Instituto de Engenharia – Como é a regulamentação em relação ao transporte de cargas nas rodovias brasileiras? 

Moacyr Duarte – As concessionárias de rodovias colaboram de forma efetiva e direta, com equipamento, tanto no controle de velocidade quanto no controle do excesso de peso. As concessionárias, no entanto, não têm poder de polícia, ou seja, não podem fiscalizar e aplicar multas, atribuição que legalmente cabe à autoridade de trânsito ou seus agentes. Em função de limitação de efetivo por parte dos órgãos oficiais, muitas infrações deixam de ser verificadas e punidas. 

Instituto de Engenharia – A maior parte do escoamento da produção brasileira é realizada por meio do sistema rodoviário, quais são os cuidados em relação à execução de obras e à manutenção? Se fossem apenas para veículos de passeio, haveria diferença, por exemplo, de pavimento? 

Moacyr Duarte – A conservação e manutenção dos pavimentos ocupa grande parte das equipes de trabalho das concessionárias, além de uma porção substancial dos investimentos. Com relação ao projeto, os pavimentos são concebidos com base em um eixo padrão carregado com 80 KN, aproximadamente 8,2 ton. Isso significa que o desgaste causado pelo tráfego de veículos de passeio, para todos os efeitos práticos, não é levado em consideração. 

Instituto de Engenharia – Por que se abandonou o transporte de carga por ferrovias e intensificou-se por rodovias? 

Moacyr Duarte
– A partir da década de 1940 investiu-se mais em rodovias, fato que ocorreu em outros países, como nos Estados Unidos, por exemplo. A verdade é que, apesar disso, a malha rodoviária brasileira pavimentada é muito pequena, ou seja, cerca de 200 mil quilômetros. Nos Estados Unidos, a malha rodoviária pavimentada tem mais de 4 milhões de quilômetros. 

Instituto de Engenharia – Quais são os critérios para o cálculo de limite de peso nas rodovias? E do valor do pedágio? 

Moacyr Duarte – Como acima mencionado, o projeto dos pavimentos segue conceitos técnicos implantados desde longa data, o que não significa que estejam congelados no tempo. Pelo contrário, estão sempre sendo atualizados, em decorrência do surgimento de novos materiais e processos construtivos. Com relação ao valor do pedágio, este é definido no contrato de concessão que resulta de um processo licitatório. São realizados estudos que levam em consideração os aspectos financeiros, operacionais e sociais buscando sempre a modicidade da tarifa. Outro fator importante é a redução da evasão e o aumento da base de pagantes, pois, quando todos pagam, todos pagam menos. 

Instituto de Engenharia – As estradas do estado de São Paulo são muito bem avaliadas. Por que esse modelo de concessão não foi seguido por outros estados brasileiros? 

Moacyr Duarte – O modelo do Programa de Concessão de Rodovias de São Paulo tem por característica principal os investimentos de grande porte, devido ao fato dessas rodovias serem alguns dos principais eixos rodoviários do País, com um grande fluxo de veículos. Os vários modelos de concessão de rodovias implantados no País, sejam eles estaduais, federal e até uma municipal, são diferentes porque os contratos podem apresentar obrigações, deveres e direitos também diferenciados. Alguns modelos, por exemplo, preveem um grande volume de obras, como duplicações, ampliações, acessos e vias marginais etc. Outros se limitam a exigir do concessionário a manutenção da rodovia e algumas poucas obras. Não se pode deixar de lado o fato de que no estado de São Paulo existia a cobrança de pedágio antes do Programa de Concessões. 

Instituto de Engenharia – Quanto aos modelos de concessão rodoviárias no Brasil. Precisam ser melhorados? Em quais pontos? 

Moacyr Duarte – O Programa de Concessões de Rodovias atingiu um novo patamar com a decisão do governo de licitar nove lotes de rodovias federais no âmbito do Programa de Investimentos em Logística (PIL). Os principais eixos rodoviários já foram concedidos e são administrados hoje pela iniciativa privada. As atuais concessões, em sua maioria, funcionam por meio de concessões comuns, nas quais os custos de manutenção, investimentos e operação das rodovias são sustentados exclusivamente pela receita do pedágio. Por esse motivo, o governo estuda agora duas novas modalidades de concessão – as concessões patrocinadas e as concessões administrativas, mais conhecidas como PPPs. 

No caso das concessões patrocinadas, o governo subsidia o usuário, arcando com parte da tarifa de pedágio, reduzindo seu valor e, assim, viabilizando a concessão de determinados trechos que não podem ter na tarifa de pedágio sua única fonte de receita por conta do baixo fluxo de veículos. Exemplos de rodovias que já operam nesse modelo são a MG-050, administrada pela concessionária Nascentes das Gerais, em Minas Gerais, e a Rota dos Coqueiros, no Estado de Pernambuco. 

A outra modalidade que está em estudo são as concessões administrativas, conhecidas fora do Brasil como shadow toll. Nesse caso, o governo paga para as concessionárias uma quantia fixa a partir do volume de tráfego do trecho. Nesse modelo não há cobrança de pedágio. 

Instituto de Engenharia – Como é no exterior? E quais exemplos podem ser aplicados no Brasil? 

Moacyr Duarte – As concessões de rodovias no exterior são, na sua grande maioria, concessões patrocinadas, uma forma de PPP. Em outros países, especialmente nos Estados Unidos, está se evoluindo para o chamado free flow, que extingue as praças de pedágios, com a implantação do sistema denominado All Eletronic Toll – AET. Isso viabiliza a cobrança pelo trecho percorrido, ampliando assim a base de pagantes, reduzindo a tarifa de pedágio. 

Instituto de Engenharia – Quais rodovias, estadual e federal, têm potencial para a concessão? 

Moacyr Duarte – Como explicado anteriormente, a maior parte dos principais eixos rodoviários do país já foram concedidos e são administrados pela iniciativa privada, existindo poucos trechos que ainda podem ser transferidos à iniciativa privada unicamente por meio de uma concessão comum. A experiência internacional prova que o emprego das PPPs é a melhor forma de levar adiante projetos importantes para o setor rodoviário, com a participação da iniciativa privada, que aportará recursos 
financeiros e capacidade gerencial. 

Os novos leilões anunciados pelo governo federal no ano passado são um grande avanço para o setor e a infraestrutura do País. Deveria, no entanto, ter sido feita uma avaliação criteriosa das características de cada rodovia, o que possibilitaria definir o modelo mais correto para a sua concessão, ou seja, cada estrada tem de ser vista isoladamente. Muitas delas demandam investimentos de porte e estão em regiões de menor poder aquisitivo e menor tráfego, o que dificulta o financiamento das obras com pedágio compatível com o benefício recebido pelo usuário pagante.

Autor: Fernanda Nagatomi