O leilão faz parte do chamado Programa de Investimentos em Logística, um imenso portfólio de projetos que promete atrair R$ 240 bilhões para a construção de estradas, ferrovias, portos e aeroportos e é, junto com as concessões do pré-sal, a grande aposta do governo para dar novo fôlego à economia brasileira.
Recentemente, por exemplo, roadshows foram organizados em Nova York e Londres para atrair investimentos estrangeiros para o programa.
“Esperamos que nos próximos trimestres o nível de investimentos cresça e isso será estimulado principalmente pelos leilões das concessões”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao apresentar os últimos resultados do PIB.
Segundo o ministro, a economia brasileira estaria entrando em uma “nova fase”, em que o crescimento baseado em consumo seria substituído por um crescimento puxado por investimentos – e os projetos na área de infraestrutura seriam cruciais para garantir essa guinada.
“E não é só isso: acabar com os gargalos logísticos do país também é visto como um pré-requisito para que as empresas brasileiras ganhem competitividade”, ressalta Carlos Cinquetti, professor de economia da Unesp.
Dentro desses planos, esse primeiro leilão de rodovias deveria funcionar como uma espécie de chamariz para os investidores.
Os dois trechos de estradas em oferta — a BR 262, que vai de Viana, no Espírito Santo, a João Monlevade, em Minas Gerais, e a BR 050, ligando a cidade mineira de Uberaba à goiana Cristalina — eram considerados o “filé” das propostas. Além disso, o Brasil já tem experiência em concessões no setor e o governo parecia particularmente empenhado em garantir boas condições de financiamento e rentabilidade.
Resultados
Nesta quarta-feira, foi anunciado o vencedor do leilão do segundo trecho: o Consórcio Planalto, que ofereceu um deságio de 42,38% em relação ao valor máximo de pedágio estipulado pelo governo. Os termos da proposta serão analisados antes que o consórcio receba oficialmente o direito de administrar a rodovia por 30 anos.
Mas a estimativa é que a empresa invista no trecho um total de R$ 3 bilhões e o desconto no pedágio, considerado alto, permitiu ao governo ao menos anunciar uma vitória parcial no processo.
O problema é que, já na última sexta-feira, quando as empresas deveriam entregar suas propostas, ficou claro que nem tudo sairia como planejado. Primeiro, nenhuma empresa se interessou pela BR 262. Segundo, entre as oito interessadas na BR 050, não havia nenhuma estrangeira. O próprio Mantega não negou a “surpresa” com a falta de interesse pelo primeiro trecho.
A grande dúvida, agora, é até que ponto a experiência seria um indicativo de que podem surgir dificuldades nos próximos leilões.
“Não acho que podemos falar em fracasso, mas daqui para frente o governo terá de ser mais cuidadoso ao avaliar o nível de interesse do setor privado nas concessões para evitar situações como essa”, diz Claudia Oshiro, economista da consultoria Tendências.
“Provavelmente teremos mais atrasos nos leilões de rodovias, que o governo queria finalizar até o final do ano, e um grau maior de incertezas sobre concessões em outros setores – principalmente aqueles em que o Brasil não tem experiência, como o ferroviário.”
Fernando Sarti, diretor do Instituto de Economia da Unicamp é mais otimista.
“Atrasos podem ocorrer mesmo, mas não vejo as dificuldades desse leilão contaminando outros projetos”, diz Sarti.
“Na realidade, elas contribuem para um processo positivo de aprendizado em um momento em que há um trabalho de construção de novas parcerias entre o Estado e o setor privado.”
Problemas
No caso da rodovia BR 262, o governo atribuiu a falta de interesse das empresas a uma suposta campanha de políticos do Espírito Santo contra o projeto e a falta de tempo e recursos das companhias para avaliarem as condições da concessão.
Por isso, após reuniões de emergência, decidiu-se por não mais oferecer dois lotes de rodovias em cada rodada de leilão, como estava previsto – o que dará às empresas mais tempo para avaliar individualmente os projetos. Também foi anunciado uma revisão do cronograma de concessões e o Ministério dos Transportes informou que serão priorizados os trechos de maior interesse do setor
privado.
Em entrevista a rádios gaúchas, a presidente Dilma Rousseff chegou até a cogitar que o governo reassuma estradas que não gerem interesse entre os empresários.
Para Eduardo Padilha, especialista em projetos de infraestrutura e professor do Insper, as companhias não se interessaram pela BR 262 porque os custos de execução da estrada, localizada em uma região montanhosa, seriam relativamente altos – e o governo não foi capaz de assegurar um retorno adequado aos empresários.
Outro problema apontado por analistas e consultores é que o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT) ficaria encarregado de parte das obras de duplicação da BR 262 e havia dúvidas sobre se tais obras seriam concluídas em um prazo razoável.
“A visão do mercado é que há um intervencionismo excessivo do governo na modelagem dos leilões, regras pouco claras e que nem sempre atendem as necessidades do setor privado”, acredita Padilha.
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, concorda.
“A boa notícia desse programa de investimentos e concessões é que o governo reconheceu que precisa de recursos e da expertise do setor privado para garantir o desenvolvimento da infraestrutura do país”, diz.
“Mas a presença do Estado, agências e bancos estatais nos modelos de concessões que estão sendo adotados ainda é maior do que os empresários gostariam. Não há certeza de que está sendo feita uma opção genuína pela ampliação da participação do setor privado, nem segurança sobre a estabilidade das regras do jogo.”
Para Sarti, o grau de intervenção do Estado nos modelos de concessões não chega a ser um problema.
“Na China, por exemplo, o Estado tem sido chave em um processo bem-sucedido de expansão da infraestrutura do país”, exemplifica.
“É papel do Estado zelar pelo interesse da sociedade e impor às empresas um padrão de retorno condizente com tais interesses. Mas ele também deve garantir níveis adequados de segurança jurídica e marcos regulatórios razoáveis para que tais investimentos possam ser realizados.”
Autor: BBC