Como foi que um arranha-céus “derreteu” um carro?

Como isso aconteceu?

É como atear fogo com um refletor parabólico. 

“É uma questão de reflexo. Se um prédio é curvilíneo e tem várias janelas planas, que funcionam como espelhos, os reflexos se convergem em um ponto, focando e concentrando a luz,” diz Chris Shepherd, do Instituto de Física de Londres. 

O edifício de 37 andares, ainda em construção, é de fato um prédio curvilíneo. Seu design, que já foi comparado à um copo de cerveja cheio, já provocou controvérsias antes. 

O carro, um Jaguar, estava estacionado em uma rua próxima ao prédio, exatamente no ponto atingido por um foco de luzes refletidas. 

O carro não foi o único que sofreu estrago. Houve também relatos de um banco de bicicleta derretido, de tecido queimado e de uma pintura empolada. 

A empresa Land Securities, responsável pela construção do arranha-céus em parceria com o Canary Wharf Group, diz que está procurando uma solução para o problema, e que tomou a medida de emergência de fechar os estacionamentos localizados onde a luz é refletida. 

Eles disseram que o problema é um fenômeno causado pela posição atual do sol. Acredita-se que o sol permaneça nessa posição por duas horas por dia e que possa causar problemas pelas próximas duas ou três semanas. 

Precedentes 

Mas quão comum é um arranha-céus causar danos dessa forma? 

O crítico de arquitetura Jonathan Glancey diz que o caso tem precedentes.
Em 2003, a abertura do Walt Disney Concert Hall em Los Angeles, projeto assinado pelo famoso arquiteto Frank Gehry, causou um problema parecido. 

“O edifício estava coberto por painéis de aço inoxidável da cabeça aos pés, que refletiam os raios do sol nas calçadas onde as pessoas estavam. A temperatura chegou a 60ºC.”

“Pessoas que moravam próxima ao local, reclamaram que precisavam colocar o ar condicionado no máximo para diminuir o calor”, disse Glancey. 

O brilho ofuscante também afetou motoristas que passavam pelo edifício. 

Depois que sensores identificaram os painéis como causa do problema, eles foram cobertos por areia para acabar com o reflexo dos raios do sol. 

De acordo com Shepherd, há muitas outras, pouco conhecidas, armadilhas causadas por projetos arquitetônicos. 

“O shopping center Eden, em High Wycombe, na Inglaterra, tem uma série de janelas curvilíneas que concentram o reflexo da luz em um ponto. Se você passar por esse ponto, consegue sentir o calor,” disse ele. 

Gerador de energia 

Em outros casos, o design da construção tem como objetivo usar o reflexo do sol para o aquecimento.
Fornos solares usam espelhos para absorver a luz do sol e criar altas temperaturas, normalmente com fim industrial. O maior desses fornos está em Odeillo, na França. 

A temperatura gerada por esses fornos pode chegar a 3.500ºC, e o calor é usado para testar vários materiais, gerar eletricidade e energia solar. 

Shepherd diz que o mesmo princípio também é usado em telescópios refletores. Um espelho curvo coleta a luz e a reflete em um ponto específico. 

A física é a mesma para som e luz, diz ele. “O efeito do espelho curvo pode ser usado para focar sons, ou o inverso, como por exemplo quando uma caixa de som em um anfiteatro projeta o som para uma plateia. 

Walkie Talkie
Em relação ao arranha-céus e o carro, Shepherd diz que o fato do carro ser preto – uma cor que absorve bem a luz – ajudou no estrago causado pela concentração de luz. 

Ele diz que as únicas partes que parecem ter sofrido danos foram as plásticas, o que é significativo, já que o plástico tem um ponto de fusão mais baixo que o metal do corpo do carro. 

Alguns plásticos, como o PVC, podem derreter a uma temperatura de 100º C, mas podem amolecer antes disso. Um termômetro mostrou que temperatura no “ponto quente”, onde o carro estava estacionado, era de 91,3ºC. 

Sobre o “Walkie-Talkie”, Shepherd acredita que a construtora pode aplicar algumas soluções. 

“Eles podem pintar as janelas para reduzir o reflexo, o que pode ser uma solução barata. A desvantagem é que pode diminuir a quantidade de luz que entra no prédio.” 

“Outra solução seria desalinhar a armação das janelas em cerca de um milímetro, mas isso seria muito caro,” diz Shepherd.

Autor: BBC