Uma certa (?) Tabela de Traços de Concreto

Inicial

Um simpático colega nosso, com as melhores das intenções, anexou ao seu email uma tabela de traços de concreto e declarou que copiou de um site e não sabe a origem dessa tabela.

Vamos então contar a historia dessa ” Tabela “.  Aproveitemos para fazer uma viagem sobre a história da tecnologia do concreto no Brasil.

Estamos nos anos 40 e vigora a NB-1 para projetos e obras de concreto armado. Nessa norma recomenda-se para dosar concreto o uso da dosagem racional, tolerando o uso da dosagem empírica só para obras de pequena importância (sic) item 63. Só que nesses anos em S.Paulo só o IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas fazia essa dosagem racional ou seja a partir da areia a usar, agregado graúdo a usar e marca do cimento, dosar o concreto para obter a resistência desejada. Quanto ao slump (abatimento) a norma nada diz.

Quem podia economicamente nessa época fazer a dosagem racional? Só as grandes obras como barragens e pontes faziam essa dosagem . O resto ou seja 99% das obras não faziam dosagem racional nenhuma. Se não faziam dosagem em laboratórios como saber como dosar as proporções de areia, pedra, cimento e água?

Usava -se o método boca a boca, a repetição de experiências (louvável mas pouco crítica), a experiência do engenheiro de obra (?), a opinião do mestre de obra (?) ou o chute. É a época da opinião pessoal. Também como raramente se extraiam corpos de prova para verificar a resistência obtida, tudo ficava como estava. Só nos anos 50/60 surge na cidade de S.Paulo na Escola de Engenharia Mackenzie um outro laboratório de controle de qualidade de concreto. Também nos anos 60 um apaixonado de nome Falcão Bauer abre uma firma de controle de qualidade que se torna famosa. Nos anos 60 este autor fez estagio no IPT no departamento de tecnologia de concreto e somente as obras de barragem do governo e a obra do Museu de Arte de S.Paulo (Av Paulista) tinham acompanhamento do IPT da qualidade do concreto. E as obras pequenas e médias? Nada ou quase nada.

Em algumas obras faziam-se a retirada esparsa de corpos de prova mas se usava muito a esclerometria , técnica que este autor muito acredita e que merece uma crônica pela sua importância filosófica básica.

Mas quem é bom engenheiro e deseja fazer boas obras de porte pequeno ou médio (prédios de apartamentos) como fazer??????

Eis que corre um boato . Um engenheiro do Rio de Janeiro depois de trabalhar em tecnologia do concreto em várias obras (Hotel Nacional Rio – Praia de São Conrado , obras de Oscar Niemeyer e outras) consolidou sua experiências em uma tabela de traços para o material usado na época no Rio de Janeiro (anos 30 a 50) e publicou essa tabela junto com várias recomendações como: antes de começar a dosagem lave à larga o agregado graúdo, mas lave mesmo, pois assim sai o pó que atrapalha a mistura. Outra recomendação: na dosagem nunca use parte de saco de cimento.

Se rasgou o saco use esse cimento de saco rasgado para fazer cimentados e nunca para fazer concreto estrutural. Esse engenheiro carioca padroniza as famosas padiolas (caixas de madeira) para que haja o máximo de produção diária mas compatível com o esforço humano de carregá-las pela obra.

Cada material deve ter sua própria padiola e deve-se escrever com números enormes se é padiola para areia, ou para a brita 1 ou se é para brita 2. Ao encher a padiola de areia nada de montinho. Use uma régua para cortar excessos.

A tabela desse colega carioca é cheia de dicas e desenhos alegres dando informações de cuidados. Os trabalhadores que fazem e transportam o concreto sempre tem chapéus de segurança, coisas pouco comuns nas obras civis da época no Brasil. As tabelas são um sucesso e o autor as lança sempre igual mas com várias apresentações. O sucesso é tanto que o autor as lança também como uma régua de calculo cilíndrica, fabricada em papelão , mas sempre com a mesma informação de traços, consumos e estimativas de resistência média do concreto a 28 dias ou seja o atual fc28.

Se para alguns essas tabelas eram um bálsamo, um maná que caia dos céus e começaram a usar tão logo as tinham em mãos outros a criticavam cruelmente. Nos anos 60 (formei-me no ano de 65) as críticas eram :

– tabelas superadas,
– tabelas regionais, quase locais levando em conta a areia e a pedra da cidade,
– o cimento considerado não é mais fabricado,
– outras críticas, muitas críticas.

Esses críticos implacáveis, o que sugeriam então para as obras pequenas e médias?

Fazer a Dosagem Racional, de custo alto e só possível perto dos grandes centros.

Alguns projetistas de estruturas só tinham aceitos seus projetos se colocassem no desenho de forma o traço a usar. Mas como propor um traço para uma obra que não se conhecia o cimento, a areia e as pedras a usar? Por cautela mandava-se na obra analisar (?) esse traço. Uma maneira talvez de fugir do problema.

Na firma em que eu trabalhava (final dos anos 60), uma firma de engenharia de saneamento, apareceu um exemplar da tabela e na época o fenômeno xerox ainda não tinha surgido. Como não havia como reproduzir por xerox a tabela, foi chamado o chefe dos desenhistas e a tabela , sem citar o autor como é regra, foi copiada a nanquim num papel vegetal e tiraram se cópias no papel químico (heliográfico) que viraram para cada recebedor dessa tabela, objeto de sacrário.

Eis que surge a NB-1 /78 e que dá a mesma orientação anterior. Para obras de maior vulto a chamada dosagem experimental (o mesmo de dosagem racional) e para as outras exige-se um mínimo de teor de cimento e o mínimo de água de mistura. As tabelas do engenheiro carioca continuavam ser usadas agora multiplicadas legal ou ilegalmente pelo fenômeno xerox que com o tempo se barateou tanto que até pobre tira xerox …

O diabo é que as xerox foram às vezes tiradas de velhas cópias heliográficas sem o nome do autor e viraram tabelas de traço sem autor definido ou pior, de autor desconhecido.

É hora de corrigir isso. As Tabelas de Traço de Concreto tem autoria e de autor muito conhecido tanto que seu nome nos anos 80/90 foi justamente homenageado pelo Ibracon pela sua enorme contribuição para o ensino e popularização da tecnologia do concreto.

Depois desse autor o Eng Gildasio da Silva também publicou sua tabela com base em suas experiências, somando portanto informações ao divulgado pelo engenheiro carioca. O Eng Marcelo Morais de Brasília em seu livro seguiu os passos do engenheiro carioca e publicou as suas próprias tabelas com as características da areia e dos agregados de Brasília.

Um colega de nome Nicolau declarou-me , anos sessenta, as duas coisas que um engenheiro civil devia fazer ao terminar seu curso. Registrar-se no CREA e ir comprar a tabela de traços do engenheiro carioca pois no curso da nossa escola de engenharia era proibido falar nessas tabelinhas de concreto . A forma de falar era:
” aqui na escola nos ensinamos a verdade, nas obras vocês usam essa tabelinha que o pessoa de obra acredita …… ”

Estamos chegando ao fim desta historia sobre a Tabela de Traços de Concreto.
Vamos ao nome do autor : Eng. Abílio de Azevedo Caldas Branco.

No meu tempo de engenheiro jovem a tabela chamava-se
Tabela do Caldas Branco.

A ele que procurou, desde os anos 30, difundir conhecimentos, a minha homenagem.

Teste de verificação . Se a tabela sem origem que você tem em mãos começa com o traço volumétrico 1: 1 : 2 e termina com o traço volumétrico 1 : 4 : 8 há enormes possibilidades de ser ela a Tabela do Caldas Branco.

Nota – Recebi do colega M. um email ( dezembro de 2009 ) dizendo que a Tabela do Caldas Branco não está atualizada e foi feita para cimentos existentes nos anos 40. Respondi com uma crônica:

Caro M.
O pico do Everest foi conquistado pelo homem nos anos cinqüenta via um inglês e um acompanhante nepalense. Até hoje nem helicóptero consegue chegar ao seu cume face à extrema altitude, falta de ar, ventos e frio. O inglês que o conquistou ao retornar à capital do Nepal deu uma entrevista à imprensa mundial (a conquista teve enorme repercussão) contando das dificuldades homéricas enfrentadas mas que culminou com a conquista e o inglês como símbolo da conquista colocou no cucuruto do cucuruto do pico uma bandeira inglesa, símbolo da conquista. Ai um jornalista perguntou:
– por que uma bandeira inglesa se o Everest é no Nepal e você estava acompanhado de um guia nepalês ?
O inglês com a fleugma britânica de sempre respondeu:
– foi uma falha minha. Convido então alguém para ir lá em cima e trocar a bandeira…..

A tabela do Caldas Branco foi feita nos anos quarenta para cimentos diferentes dos atuais. Como disse o inglês, eu faço uma paráfrase:

– essa é uma deficiência da Tabela do Caldas Branco para os dias atuais. Convido alguém para produzir uma tabela de traços atualizados e para os cimentos atuais.