Você pediu para eu contar alguma experiência de vida.
Pois vá lá.
A minha segunda experiência, pois a primeira foi, durante a faculdade, um estágio remunerado no antigo DAEE, trabalhando na Constran e na Heleno e Fonseca, na fiscalização de assentamento de rêde de esgoto.
Creio que o que tem de educativo na minha segunda experiência foram 5 conceitos:
1) Vislumbrar a oportunidade.
2) Crer no impossível.
3) Perseverar, ousar, tentando transformar o aparentemente impossível em possível.
4) Ter sorte, só que sorte não é APENAS loteria; é procurar estar no lugar certo na hora certa.
5) Se envolver com gente séria.
Vamos à estória:
Estando eu no 5º ano da POLI, em 1965, assisti a um Programa chamado PINGA FOGO, com formato semelhante ao RODA VIVA de hoje, onde o entrevistado era o poderoso Ministro de Planejamento Roberto Campos.
Roberto Campos num determinado momento afirmou que engenheiros tinham uma formação técnica muito forte, mas que lhes faltava uma visão global, que seria útil fazer estágio numa empresa de planejamento.
O cavalo passou, vislumbreio-o e tentei montar: enviei-lhe uma carta, como quem manda para Papai Noel, pois não o conhecia e muito menos ele a mim.
Surpresa: demorou um pouco, mas ele respondeu, já no inicio de 1966, eu já formado Engenheiro Civil.
Informou-me que lhe seria difícil atender, pois sua área de atuação era o Rio de Janeiro (ainda capital real do Brasil), mas que eu procurasse aqui em São Paulo, 2 professores da Faculdade de Economia da USP: Antonio Delfim Neto e Ruy Aguiar da Silva Leme.
Novo cavalo passou, também o vislumbrei: fui procurar Ruy Leme que fora meu professor, em uma única aula, no 5º ano, na Cadeira “Economia, Estatística e Sistemas de Produção”, onde cada Professor da Mecanica de Produção dava uma aula com uma pequena pincelada de sua especialidade.
Uma pitada de ousadia: “Dr. Ruy, o senhor se lembra de mim? Estou com uma carta de recomendação do Ministro Roberto Campos”.
A justa resposta: “ Que abacaxi que o Campos me passou, mas vamos lá”.
O desafio do sábio: “A carta diz que você deve procurar a mim e ao Delfim; você tem que fazer o pedido encontrando-nos juntos”. “Uma vez a cada 15 dias temos uma reunião na ANPES na parte da tarde”. “Tchau e benção”.
O que era ANPES? Onde funcionava (não havia internet)? Parte da tarde seria 14 ou 18 horas? O Delfim eu nunca tinha visto!
Perseverança: fui umas dez vezes na Associação Nacional de Pesquisas Economicas e Sociais na Rua Libero Badaró. A reunião já terminou; a reunião foi adiada; o Ruy não pode vir; o Delfim chegou e saiu; hoje a reunião é a portas fechadas e ninguém pode ser incomodado; a reunião não terminou, mas você tem que descer porque o prédio vai fechar……….até que um dia, ….. vejo Delfim e Ruy saindo juntos do elevador. Passei pelo primeiro teste. Ruy pediu para procurar-lhe em seu escritório daí a 15 dias.
Algumas reuniões, com conversas, conjecturas, mas sem resultado.
O
primeiro grande encontro: existiram outros detalhes intermediários de menor importância, mas num certo dia, por volta de 18 horas, Ruy falou que na área de planejamento não pintara nada ainda, mas que se eu me interessasse, poderia ir a uma reunião, no dia seguinte, na Prima Eletro Domésticos, porque ele fora convidado para fazer uma analise econômico financeira da empresa e não tinha tempo e que eu poderia ser seu assessor.
Indaguei: não entendo nada de Economia.
Resposta: leia este livro do Campiglia sobre Teoria da Contabilidade (300 paginas).
Indaguei: Quando?
Resposta: são 18 horas, a reunião é amanhã às 8 horas. Você tem 14 horas.
Comportamento: não dormi e li o livro.
Pergunta às 7 da manhã do dia seguinte: Leu?
Resposta: li, entendi, mas acho que não deu para fixar.
Ruy, já de saída: Então pelo menos não me faça cara de imbecil na reunião. MINHA PRIMEIRA GRANDE LIÇÃO DE VIDA PROFISSIONAL.
Ruy era um cavalo? NÃO, fazia isso com carinho, respeito e consideração, era seu jeitão, facilmente assimilável, mas, pensando bem, era sim um cavalo, daqueles que estão na frente e correm mais.
Entendia de tudo, trabalhava 18 horas por dia, 4 horas de sono eram suficientes, tinha o maior poder de concentração que jamais vi. Infelizmente pagou um preço caro. Faleceu na faixa dos 50 anos.
Fiz o trabalho e outro mais.
Aí, um dia, meu colega de turma e grande amigo João Leão, traz um convite irresistível de seu pai Mário Leão, outro ser superior: trabalhar na área de Planejamento da Brasconsult. Conversei com Ruy e fui para onde sonhara e projetara ir.
Passam-se poucos meses: estou eu na Rua 3 de Dezembro indo da XV de Novembro para a Boa Vista e quem encontro? Ruy Leme.
Cumprimentos e de repente Ruy saca: fui convidado para ser Presidente do Banco Central. Posso levar 4 assessores. Já escolhi três: o Fitipaldi que entende de Banco, o Zaccarelli que entende de Administração, o Samsão que entende de Sistemas e tenho uma quarta vaga, para assuntos gerais. Você topa ir? Claro que fui. Com 24 anos, não poderia deixar de passar essa oportunidade.
Por injunções políticas a estada de Ruy (e lógico a minha) foi curta, mas aprendi muito e 1 ano depois eu já voltava para a Brasconsult. Todavia o vírus já fora transmitido e 4 anos depois eu ingressei no INVESTBANCO, presidido na época pelo mesmo Roberto Campos das origens, na área financeira, onde fiz carreira por 21 anos (não apenas no Investbanco).
E cá estou eu, atualmente como consultor financeiro de empresas de engenharia, dando, com o maior prazer, parte de meu tempo ao glorioso e insuperável Instituto de Engenharia.
________________________________________________________________
* Engenheiro civil POLI/1965; pós-graduação (área de produção) na POLI/1970; ex-assessor do Presidente Ruy Leme no Banco Central/1968; na engenharia atuou na área de planejamento até 1971; dirigiu instituições financeiras até 1989; foi professor de Mercado de Capitais em cursos de especialização do Instituto Mauá de Tecnologia/80; escreveu livros; desde 1990 atua na área de consultoria financeira de empresas de Engenharia. Foi presidente do Conselho Consultivo do Instituto de Engenharia.
*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo