Introdução
Os assim denominados “esgotos não domésticos” ou “END’s” são todas as águas residuais lançadas direta ou indiretamente no sistema público de esgotos, exceto os esgotos sanitários, podendo incluir águas pluviais contaminadas, despejos industriais, gorduras, lodos de fossas sépticas e chorume de aterros sanitários ou “lixões”.
O lançamento no sistema público de esgotos pode ser feito diretamente na rede coletora conjuntamente ou em separado com os esgotos sanitários ou, na ausência desta, por meio de transporte rodoviário que neste caso conduz os dejetos até os locais previamente selecionados pela Sabesp, usualmente uma estação elevatória de rede ou das próprias ETEs.
A opção por transporte rodoviário é normalmente feita por geradores industriais que não dispõem de rede pública de esgotos próxima às suas instalações fabris direcionada à uma estação de tratamento de esgotos em ciclo completo ou ainda por outras fontes estacionárias que optaram por não terem sistema próprio de tratamento de efluentes decidindo-se, portanto, pela utilização de sistema público, desde que, naturalmente, atendendo aos padrões legais de lançamento (Art. 19 A do Decreto 8460/76).
Nessa linha, emerge também o chorume oriundo dos aterros de lixo localizados muito distantes dos equipamentos públicos de coleta de esgotos sanitários, os quais são transportados às ETEs da Sabesp, praticamente “in natura” e apenas parcialmente equalizados.
Nestas condições, o principal local de descarte dos END’s na RMSP é a elevatória do Piqueri para onde convergem diariamente cerca de 170 caminhões-tanques ou carretas-tanques só com chorume.
Localizada na Av. Marginal, à margem esquerda do rio Tietê, junto a alça de acesso ao viaduto do Piqueri, esta estação elevatória (EE Piqueri) recebe continuamente partidas destes esgotos não domésticos, incluindo o chorume, direcionando-os, por meio de recalque, ao interceptor que encaminha todos os esgotos da bacia até a Estação de Tratamento de Esgotos de Baruerí (ETE Baruerí).
O chorume como um dos principais END’s
A Região Metropolitana de São Paulo, Paulo formada por 39 municípios com seus 19,7 milhões de habitantes, dos quais 11 milhões moram na Capital, é responsável pela produção estimada de 16.233 toneladas por dia ou quase seis milhões de toneladas por ano de resíduos sólidos domiciliares, sendo o município de São Paulo responsável pela geração de mais de 62,5% desses resíduos (Besen, 2011).
Segundo a Abrelpe (2009), na RMSP operam oito aterros sanitários privados que recebem cerca de 13.500 toneladas por dia de lixo.
A totalidade dos resíduos urbanos do município de São Paulo é encaminhada para dois aterros privados, o Centro de Disposição de Resíduos – CDR Pedreira (Estre Ambiental), localizado no município de São Paulo, e a Central de Tratamento de Resíduos – CTR Caieiras (Essencis), situada
no município de Caieiras.Outros aterros recebem resíduos sólidos domiciliares dos demais municípios da RMSP.
Entretanto, a quase totalidade destes aterros sanitários não dispõe de estação de tratamento de chorume própria, razão pela qual são obrigados a usufruir dos serviços da Sabesp objetivando tratamento compartilhado com os esgotos sanitários.
Tal procedimento foi inclusive objeto de um “Termo de Cooperação Técnica entre a Prefeitura do Município de São Paulo – PMSP e a SABESP”, que estabelece as condições referentes ao recebimento do chorume gerado nos aterros municipais nas estações de tratamento da RMSP e a disposição final dos lodos destas ETEs integrantes do Sistema Principal da Sabesp (e eventualmente daqueles gerados nas ETEs dos Sistemas Isolados da RMSP).
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Com vistas a remuneração dos serviços prestados a Sabesp cobra uma tarifa mensal específica para os END’s, calculada pelo produto da vazão mensal multiplicada pela tarifa básica da Sabesp e por um fator de complexidade variável em função da natureza química do chorume. Valores típicos para chorume situam-se ao redor de R$ 23,00/ m3, fora o transporte. Há no entanto um encontro de contas com a Prefeitura de São Paulo decorrente da prestação de serviços representada pelo aterramento do lodo das ETEs.
Todas as estações de tratamento que integram o sistema principal de esgotos da RMSP recebem pois o chorume para tratamento conjunto. De janeiro à novembro de 2009 foram recebidos cerca de 2 milhões de m3 de chorume, sendo 80% destinados à ETE Baruerí.
Para lá afluem os lixiviados provenientes dos aterros operados e contratados pela PMSP, São João,
Essencis
Caieiras, CDR Pedreira, Bandeirantes, Santo Amaro, Vila Albertina além de outros 20 cadastrados. Destes, estão desativados os três últimos, localizados no município da Capital, mas que ainda geram chorume.
Levantamentos realizados na Estação Elevatória de Esgotos do Piqueri, posto preferencial de recebimento de chorume com destino à Barueri, indicam recebimento de um volume médio diário de 4700 m³ com base em pesquisa realizada ao longo do ano de 2009, mas com enorme variação de vazões em função da influência do ciclo hidrológico sobre a própria operação dos aterros sanitários variando em cerca de 50% médios, de um mínimo em setembro a um máximo em fevereiro.
O montante da carga orgânica carbonácea (DBO) e nitrogenada (N-NH3) lançada no sub sistema Barueri atinge, 7700 e 7000 kg /dia, respectivamente.(Bocchiglieri 2010). A carga orgânica carbonácea devida ao total de chorume lançado corresponde a uma população equivalente de
143 000 habitantes.
As cargas orgânicas em DBO e N-NH3, principais parâmetros indicadores do potencial poluidor de chorume de aterros, foram assumidas considerando-se as concentrações médias de 1700 mg/L e 1500 mg/L, respectivamente, embora estes valores variem muito em função da idade do aterro, seu regime hidrológico e época do ano.
Embora as cargas orgânicas geradas sejam tipicamente similares ao longo do ano é esperado que a concentração de DBO e N-NH3 seja menor no chorume gerado nos meses mais úmidos (dezembro a maio) e maior nos meses de inverno (junho a novembro),
Métodos de tratamento do chorume
Características do chorume
A produção de chorume, juntamente com os gases, principalmente metano, é decorrente do efeito da degradação biológica do lixo depositado no aterro a partir de reações que ocorrem em meios aeróbios e principalmente anaeróbios.
A quantidade e as características físico- químicas e biológicas destes lixiviados variam de aterro para aterro e é dependente de uma série de fatores destacando-se a precipitação pluviométrica, a composição do lixo, condições topográficas, características do solo, infiltração, evapotranspiração, impermeabilização, recirculação dos lixiviados, bem como a idade do aterro.
Se notabilizam principalmente por conterem elevadas cargas orgânicas carbonácea e nitrogenada, (principalmente nos oriundos de aterros com disposição mais recente de lixo), alta salinidade e metais pesados com graus de solubilidade variáveis em função do pH.
Processos de tratamento
O tratamento de chorume é normalmente feito por meios biológicos, antecedidos ou não por tratamentos físico-químicos.
Para propiciar a depuração via biológica é necessária a remoção prévia de nitrogênio amoniacal, que na concentração em que ocorre no chorume é muito tóxico para a biota. Esta remoção pode ser realizada por via química ou via biológica anóxica. Neste último caso pode ser imprescindivel uma fonte adicional externa de carbono, desnecessária, contudo, se o tratamento do chorume for feito em conjunto com esgotos sanitários.
O tratamento do chorume misturado aos esgotos sanitários é pois vantajoso sob dois aspectos, ambos relacionados ao nitrogênio amoniacal: primeiro porque com a diluição e mistura resultantes reduz-se o efeito tóxico causado por esta forma de nitrogênio que impede inclusive a degradação via biológica da matéria carbonácea e, em segundo, tal procedimento fornece a necessária fonte de carbono para a depuração biológica da amônia.Adicionalmente, reduzem-se também os custos unitários operacionais.
Outros métodos de tratamento, porém menos utilizados são a filtração em membranas de osmose reversa, com o concentrado evaporado ou revertido de volta ao aterro, ou a evaporação total do chorume.
Os aterros da RMSP, à exceção do aterro Lara, não dispõem de sistemas próprios de tratamento de chorume. A razão disto decorre da complexidade do processo de tratamento, grau de depuração requerido para lançamento em corpo receptor, dificuldades operacionais e custos envolvidos (CAPEX e OPEX).
Considerações técnicas sobre a capacidade da ETE Barueri em continuar recebendo o chorume dos aterros
A ETE Barueri, a maior estação de tratamento de esgotos da América Latina, capacitada a tratar em ciclo completo uma vazão média de 9,5 m3/s (820 800 m3/dia) e uma carga orgânica média de 250 000 Kg DBO/dia reúne teoricamente as condições de propiciar o tratamento de chorume e outros ENDs conjuntamente com os esgotos sanitários coletados.
Considerando-se uma vazão diária média de chorume de 4700 m3 e uma carga orgânica diária média de 7700 Kg DBO/dia a relação de diluição volumétrica que se obtém é superior a 99% naquela ETE. No que tange à carga orgânica, todavia, esta relação se reduz a 97%.
Entretanto, com relação a N-NH3, considerando-se um aporte diário de 7000 Kg N-NH3 devido apenas ao chorume lançado no Piqueri, a relação obtida é de preocupantes 26% em relação à carga total diária de N-NH3 afluente à ETE Barueri (27 000kg/dia ou o equivalente a 33mg/L). Aliás a concentração de nitrogênio amoniacal nos esgotos afluentes à ETE Barueri é aproximadamente o dobro das outras ETEs do sistema principal da RMSP.
Embora não haja obrigatoriedade legal na remoção do N-NH3 do efluente de ETEs que tratam esgotos sanitários por força da Resolução Conama Nº397/2008 que postergou a fixação deste parâmetro estabelecido originariamente em 20 mg/L pelo Conama 357/2005 no efluente tratado o nitrogênio amoniacal pode interferir no funcionamento das ETEs, pois requer maior disponibilidade de oxigênio, aumenta a produção de lodo e pode afetar a qualidade do efluente final por excesso de turbidez ocasionada por denitrificação no decantador secundário.
A ETE Barueri , implantada na década de 80, não previu denitrificação em seu processo de tratamento estando pois sujeita a estes fenômenos, principalmente com o incremento de grandes quantidades de chorume. Ademais, encontra-se atualmente sobrecarregada pelo aumento das vazões afluentes, próximas a 11 m3/s atualmente, onerando hidraulicamente e sobrecarregando tanto a sua fase líquida como a sólida necessitando de urgente ampliação, pois o excedente da sua vazão afluente já está sofrendo “by pass”,consequentemente, não recebendo nenhum tratamento.
Enquanto perdurar esta situação, e para que seja restaurada a conformidade ambiental, pelo menos parte dos END’s, especialmente chorume, encaminhada atualmente por transporte rodoviário à ETE Barueri, via Piqueri, deveria ser desviada a outras ETEs mesmo as situadas fora da RMSP.
Em qualquer dos casos, deve-se verificar previamente a capacidade de suporte das estações de tratamento no recebimento do chorume, cuidando-se da proteção dos sistemas biológicos,(aeróbios e anaeróbios) e o atendimento à legislação.