A vida de um cadeirante não é fácil. Apesar dessa afirmação ser verdadeira, ela não passa de uma suposição quando vinda da boca de um não-cadeirante. Só dá pra imaginar as dificuldades de locomoção que alguém nessas condições enfrenta todo dia, se sentirmos na pele esse desafio. Entender e se sensibilizar com o problema implica em assumir a perspectiva de um cadeirante, e é exatamente isso que o Acessibility View propõe.
O objetivo é mapear São Paulo do ponto de vista da acessibilidade. Mostrar os pontos mais críticos, as rotas mais viáveis e tudo mais que possa facilitar a vida do portador de deficiência física. “O Accessibility View vai funcionar como um Google Street View das calçadas”, explica Eduardo Battiston o homem por trás da ideia. Para realizar esse mapeamento, Eduardo quer pegar um grupo de membros da Associação de Assistência à Criança Deficiente AACD, equipá-los com câmeras fotográficas e mandar essa turma pra rua, pra tirar fotos panorâmicas como as do próprio Street View.
A ideia é uma das finalistas do Creative Sandbox, o programa do Google que vai patrocinar uma grande ideia brasileira que utilize pelo menos um produto da empresa em prol de um mundo melhor. A iniciativa vencedora será anunciada dia 5 de dezembro e receberá R$ 35 mil para ser colocada em prática. O Acessibility View será um processo colaborativo e que, aos poucos, vai colocando a questão da acessibilidade no centro do debate público. Em tempos de eleição, essa necessidade fica ainda mais escancarada, “até porque a maior parte das pessoas com dificuldades de locomoção acabam não votando, pelo próprio problema de acessibilidade nas zonas eleitorais”, como bem lembrou Eduardo nessa conversa com a GALILEU.
Confira a entrevista abaixo e aproveite pra dar o play no vídeo de divulgação do Acessbility View.
O que te inspirou a criar o Acessbility View?
Eduardo Battiston: Sempre fui muito sensível em relação ao problema da acessibilidade, principalmente depois de conhecer a realidade das crianças da AACD. Em 2009 tive o prazer de fazer junto com eles um projeto muito bonito: o Unique Types, no qual convidamos designers do mundo inteiro para criar tipografias inspiradas nas crianças atendidas pela entidade.
Se você tivesse que explicar como o Acessibility View funciona na prática, para alguém que nunca ouviu falar dele: o que você diria?
Eduardo Battiston: A ideia é ajudar os cadeirantes a escolherem as melhores rotas para seus trajetos e, também, sensibilizar as autoridades para fazer a manutenção e as adaptações necessárias. Afinal, ajudar essas pessoas a se locomoverem pelas cidades ajuda na sua inserção na sociedade e, por que não, no mercado de trabalho.
O objetivo do Acessibility View é fazer as pessoas sentirem na pele como é difcíl para um cadeirante se locomover por conta própria?
Eduardo Battiston: Esse é apenas um dos objetivos. O objetivo principal é ajudar as pessoas com necessidades especiais a se locomoverem com maior facilidade, levando em conta os obstáculos – muitas vezes intransponíveis – que seus trajetos apresentam. Mas claro que, ao acessar o Accessibility View, uma pessoa sem necessidades especiais vai poder ver – em primeira pessoa – como cada pequeno obstáculo pode impactar a qualidade de vida de um cadeirante.
Existe algum tipo de obstáculo que a maioria das pessoas nem se dá conta de que atrapalha a movimentação de um cadeirante? Estamos condicionados a pensar que uma rampa basta. É só isso mesmo?
Eduardo Battiston: Amigos cadeirantes reclamam bastante da quantidade de buracos das calçadas e da falta de padronização das mesmas. Além disso, as rampas – quando existem – muitas vezes contam com uma inclinação exagerada, o que impossibilita o acesso dos cadeirantes sem a ajuda de terceiros.
Você mora em São Paulo, certo? Qual a pior região, o pior trecho para um cadeirante aqui?
Eduardo Battiston: Sou paulistano e atualmente moro em São Paulo. Se nos bairros mais centrais a manutenção das calçadas já deixa bastante a desejar, imagine nas periferias onde a própria topografia muitas vezes não favorece a mobilidade. Mesmo nos bairros mais urbanizados, temos problemas como faixas de pedestres esburacadas, calçadas inclinadas e rampas defeituosas. Acredito que a acessibilidade na nossa cidade melhorou muito nos últimos anos, mas ainda temos muito trabalho nessa área. Espero que essa ideia possa contribuir para que a cidade seja cada vez mais acessível, proporcionando lazer, educação, cultura e diversão para as milhares de pessoas com necessidades especiais.
E, certamente, vou precisar da ajuda de parceiros para que essa ideia saia do papel e vire realidade. Já tenho apoio do representante brasileiro das câmeras GoPro que vai fornecer todo equipamento de filmagem necessário para o mapeamento do Accessibility View. Agora espero que a ideia possa ganhar o concurso do Google (estamos entre os 10 finalistas do Google Sandbox Brasil) para que esse apoio de peso atraia outras empresas para ajudar a viabilizar o projeto.
Existe alguma cidade que seja modelo de acessibilidade?
Eduardo Battiston: No mundo temos Toronto e Berlim como alguns exemplos de acessibilidade. Mas, em geral, todas as capitais europeias dão um baile nesse quesito na maioria das nossas cidades. Não sou nenhum expert no assunto, mas sei que Curitiba e Uberlândia talvez sejam as cidades mais avançadas do Brasil na mobilidade das pessoas com necessidades especiais.
Em época de eleição, como você acha que o assunto da acessibilidade foi tratado? Quais foram os acertos e os equívocos durante a campanha e as expectativas que você nutre para o futuro?
Eduardo Battiston: Pelo menos aqui em São Paulo não vi o tema sendo abordado. Até porque a maior parte das pessoas com dificuldades de locomoção acabam não votando, pelo próprio problema de acessibilidade nas zonas eleitorais. Para o futuro, espero que não só as autoridades, mas também a iniciativa privada invistam para termos uma cidade melhor para pessoas com necessidades especiais. Projetos como o Accessibility View podem ajudar a colocar esse assunto na pauta nos próximos anos.
Autor: Galileu