Não só a Copa, as Olimpíadas e a Exposição Internacional vêm aí… O que vem aí são as funções novas que a Cidade vem assumindo, diante da expansão da fronteira agrícola e, agora, da fronteira petrolífera mundial.
Novamente se está revisando o Plano Diretor Estratégico da Cidade de SP. Embora os aeroportos que servem a Cidade sejam de âmbito federal, há evidente interesse em que a Municipalidade registre a sua preocupação a respeito não somente dos aeroportos e aerovias, como também do espaço aéreo do município. Esse assunto não é usual em planos diretores, embora o de SP trate ao menos do Campo de Marte. Mas, dada a importância fundamental para o desenvolvimento regional e da Cidade que têm as aerovias e aeroportos, é preciso considerá-lo na próxima revisão do PDE.
Todos os três aeroportos instalados dentro da cidade estariam a caminho célere de se apresentar esgotados (se já não o estiverem…). A realização de eventos que implicam muitas viagens aéreas (Copa 2014, Olimpíadas 2016 e Exposição Internacional 2020), todos eles no horizonte da tomada de decisão a respeito, torna ainda mais premente ter-se uma posição a respeito. Embora haja aeroportos menores (mesmo que passíveis de receber vôos internacionais) e aeródromos (de aviação regional e local) instalados em cidades vizinhas (Jundiaí, Campinas, Sorocaba, S. J. dos Campos etc.), eles estão situados entre 50 km e 100 km de São Paulo. Diante das distâncias bem maiores que são cumpridas pelas aerovias, esse afastamento não deveria ser preocupante quanto a manter acessível a Capital às aerovias e aeroportos, em caso de avançar a idéia de descentralizar gradativamente esse tipo de serviços.
Na Cidade (e na RMSP, por enquanto) há um problema que nos parece mais grave, quanto às aerovias e aeroportos: o espaço aéreo de São Paulo e da RMSP estaria se tornando congestionado, afetando a segurança dos vôos e comprometendo não só o acesso aéreo à Cidade, como a todo o País, dada a enorme concentração de vôos que chega a SP (que seria mais de 10 vezes o total de vôos feitos no Brasil). Isto quer dizer que não basta aumentar a capacidade dos aeroportos individualmente sem que se venha a aumentar a capacidade de receber vôos de forma segura no espaço aéreo regional e sem prover de acessos terrestres confiáveis e rápidos, os principais aeroportos, interligando-os para potencializá-los.
Entre outras medidas atinentes ao planejamento de aerovias e de aeroportos, essas deficiências implicam a necessidade de construir a interligação por transporte ferroviário rápido e confiável dos principais aeroportos situados em SP e no RJ. Essas medidas permitiriam aumentar a capacidade total dos aeroportos, racionalizar e potencializar o seu uso conjunto e individual, melhorar o controle e a segurança do espaço aéreo, diminuindo o risco de acidentes sobre a Cidade, e fazer crescer a confiabilidade das aerovias no Brasil.
O aeroporto de Viracopos estará assumindo, no próximo lustro, grande parte dos vôos internacionais do Brasil, não tanto vindo isso a aliviar Congonhas e Guarulhos e também o espaço aéreo de São Paulo e da RMSP, como ao menos ajudando a absorver parte do crescimento previsto da demanda. Apesar de parecer altamente desejável para a RMSP, isso concentrará fluxos aeroviários e aeroportuários na RMC – região metropolitana de Campinas, estendendo para a macrometrópole de SP os problemas que hoje sediam-se apenas no entorno da Capital. Ao cabo, a própria Capital de SP sofrerá com isso. SP já concentra parte substancial dos vôos do Brasil e toda e qualquer melhoria que venha a ser localizada apenas neste Estado, acentuará o problema no longo prazo. Isso é passível de ser resolvido nos mesmos moldes do que ocorre em grandes aeroportos norte-americanos, mas exigirá grandes investimentos federais (e, agora, privados…) em modernização de aeroportos e em acessibilidade a eles. De fato, temos grandes e vários aeroportos, embora todos eles não condizentes com o ritmo crescente de fluxos aeroviários que verdadeiramente assola o Brasil (e o Mundo). E a melhoria do seu desempenho depende de medidas não somente intrínsecas ao próprio setor aéreo, como também de medidas referentes ao acesso terrestre desses aeroportos entre si e com as cidades. Com efeito, a maior rapidez que os aviões proporcionam nas ligações mais distantes está sendo prejudicada pelos excessivos tempos de sobrevôo das cidades, de taxiamento na pista, de check-in e check-out e de viagem urbana desde as origens até os destinos finais. Uma viagem aérea de 4 horas pode tomar outras 4 horas com esses complementos terrestres, o que tende a provocar perda de competitividade mundial de São Paulo frente a outras cidades mundiais no quesito de acessibilidade.
Quanto à possibilidade de vir-se a privatizar alguns dos principais aeroportos de São Paulo (Congonhas, Guarulhos, Viracopos, Ribeirão, S.J. dos Campos,…) há várias considerações estratégicas (e de ordem política), as quais são fundamentais para o futuro da Metrópole e do País, a serem levadas em conta pela planificação da circulação da Cidade. São Paulo não deve isentar-se de participar dessa decisão, deixando-a nas mãos exclusivas de Brasília, sob pena de vir a se submeter a interesses não condizentes com os interesses locais e atinentes a razões de outra ordem que não aquela estritamente do interesse público. Ao mesmo tempo em que não há como SP vir a declinar do fato de que a concentração econômica brasileira continuará a se dar por várias décadas ainda, no Sudeste, em SP e na Capital, a excessiva concentração de fluxos (não só os aéreos) no território da Cidade causa perda crescente da qualidade de vida dos cidadãos, assim como perdas econômicas.
Como 70% da logística nacional de cargas está situada, hoje, no tetrângulo situado entre SP, RJ, BH e o Triângulo Mineiro, a superlotação dos aeroportos e dos espaços aéreos regionais é altamente indesejável para o desempenho econômico e social do País como um todo. É preciso desconcentrar a produção de riquezas (e de fluxos) no Brasil, mas isso não se dará rapidamente, por mais expedito que venha a ser o Governo Federal (?). Na verdade, há pouca ou nenhuma consciência nacional de que esse fato seja um óbice fundamental para que o País venha a obter uma melhor e mais consolidada inserção econômica no concerto global, bem como uma melhor qualidade de vida das suas principais cidades.
O crescimento da fronteira agrícola no Centro-Oeste pelas próximas décadas implicará a construção de meios mais potentes e mais ágeis de ligação dessa região com São Paulo e, dessa cidade, com o Mundo. O papel a ser desempenhado por SP, quanto a isso, está diretamente relacionado ao suprimento de expertises e de serviços ao agronegócio instalado nessa fronteira e aos países importadores do Brasil. Isso significará a busca de alternativas aeroviárias e aeroportuárias em outras regiões, como as de S. J.dos Campos, Jundiaí, Campinas, Sorocaba/Piracicaba e Santos. A aviação executiva, regional e do Cone Sul do Continente terá que migrar parcialmente para aeroportos de cidades vizinhas, deixando para S. Paulo e Campinas as conexões de mais longo curso e de maior porte. Também o aeroporto internacional de S. J. dos Campos terá que vir a ser potencializado em futuro próximo.
Quanto à controvérsia em se vir a transformar em aeroporto capaz de receber aeronaves de grande porte a antiga Base Aérea de Santos, situada na divisa dessa cidade com o Guarujá, há fatos novos e notáveis a considerar. As empresas de navegação cada vez mais praticam o revezamento de parte de suas tripulações de navios em Santos, visto que a mudança de turno de tripulantes não mais se dá a cada seis meses, como antigamente, e sim a cada 15 dias. Acabou-se a saga dos velhos lobos do mar que permaneciam por três ou seis meses longe de suas famílias, navegando mundo afora. Isso resulta em que os tripulantes dos navios chegam aos portos (no caso de Santos) provindos do aeroporto de Guarulhos, ou de Congonhas e Viracopos, o que dificulta a logística do transporte marítimo. No caso dos navios de passageiros (que ocupam muita mão de obra embarcada) a maior parte dos cruzeiros concentra-se hoje em dia em Santos e não mais no Rio. Cerca de 6 mil navios aportam anualmente nesse porto, em que mais de 100 milhões de toneladas de carga e quase três milhões de contêineres anuais são movimentados. Prevê-se que esses números serão dobrados até o final da década, já que o porto vem crescendo a taxas de 11% a/a há duas décadas (o triplo do PIB) e, no caso de instalações para contêineres e de dragagem do canal de acesso aos cais, há grandes investimentos sendo feitos neste momento. Como a associação navio/avião é cada vez mais presente na logística internacional, isso indica a necessidade de que venha a se estudar a viabilidade de um aeroporto regional santista com capacidade de receber vôos internacionais. Isso, entre outras vantagens, permitiria aliviar ao menos um pouco Guarulhos, Congonhas, Marte e Campinas (os seus aeroportos e espaços aéreos, bem como o seu viário e seus meios de transporte) da demanda aérea crescente e insustentável que as afeta.
Mas vão além as necessidades de Santos quanto ao transporte de passageiros. O terminal principal de embarque de turistas de navios na América do Sul passou a ser Santos. Os turistas contam com grande oferta de navios disponíveis para cruzeiros de cabotagem na costa brasileira, visto que a alta temporada europeia é contraposta à nossa. O custo das viagens marítimas (que incluem hospedagem e hotelaria, além de transporte) resulta ser barato frente ao custo de outras formas de turismo, o que está a atrair muitos viajantes. Essa centenas de milhares de turistas vêm de muitas cidades e países e representam uma atividade econômica importante. O congestionamento crescente (e o esgotamento próximo) de todos os acessos rodoviários de Santos e do porto dessa cidade (Pré-Sal), indica que, caso houvesse transporte ferroviário regional rápido e transporte aeroviário local, disponível para trazer e levar turistas de viagens de navio e tripulantes em geral até os centros econômicos de maior renda, situados no interior paulista, mato-grossense, goiano e mineiro, as atividades portuárias de passageiros e de carga, para serem incrementadas a contento, teriam que contar com novas formas de acesso e de acomodação e logística.
A descoberta de significativas reservas de gás e de petróleo na Bacia de Santos, bem como a instalação de uma sede regional da Petrobrás nessa cidade, dedicada à exploração dos campos de Merluza (gás, na Praia Grande) e do restante da Bacia de Santos (petróleo e gás), reforça sobremaneira a necessidade de se repensar a logística urbana da RMBS. A quantidade de vôos de helicópteros para suprir as plataformas marítimas da Petrobras será muito grande, passando a exigir instalações logísticas dedicadas em Santos. Esse assunto diz respeito à planificação da logística da RMSP e também da Capital (além da logística da RMC, da nova RM do Vale do Paraíba e dos AU de Sorocaba e de Jundiaí). Embora esses assuntos estejam fora do âmbito do PDE de SP, eles têm tudo a ver com o desenvolvimento da Cidade.
O Campo de Marte deverá ter a sua função atual (navegação regional e executiva) redirecionada para funções urbanas mais condizentes com a falta de espaço, na Cidade, para lazer, recreação e áreas verdes. A ocupação dos imensos terrenos do Campo de Marte, localizados a apenas 4 km do Centro da Cidade e hoje utilizados por aviões civis e militares de pequeno porte e por helicópteros e atividades afins, embora essenciais para SP, teria que ser revista, como recomendado hoje pelo PDE. Isso exigiria a realocação para outras cidades vizinhas dos vôos de pequenas aeronaves, que são fundamentais para as atividades do agronegócio, mas também para as demais atividades empresariais paulistanas e paulistas, que vêm sendo descentralizadas para o Interior. Isso, porém, exige conexões viárias (rodovias e ferrovias) potencializadas e renovadas. Mas as rodovias que interligam São Paulo às demais grandes cidades vizinhas, estão próximas da saturação. Resta, então, construir ferrovias rápidas de passageiros e anéis e linhas ferroviárias, não só na RMSP, como também nas outras regiões metropolitanas. De fato, os estudos que vêm sendo feitos pelo GESP quanto às ligações por trens rápidos entre São Paulo e Sorocaba, Campinas, S. J. dos Campos e Santos, vêm no sentido de atender essa necessidade e de cobrir o vazio de iniciativa representado pelo atraso do projeto do TAV – Trem de Alta Velocidade, que vem sendo procrastinado há uma década, possivelmente pelo equivocado partido técnico adotado (a velocidade de 350 km/h encareceu muito o trem e afastou investidores privados; agora, se prevê para 2020 o início de sua operação, já em sua quarta tentativa…). SP não poderia nem deveria esperar por mais um insucesso dessa falta de iniciativa. Nessas cidades (e nas regiões que elas centralizam) deverão estar os aeroportos complementares e suplementares aos aeroportos principais e estratégicos situados à volta da Capital, os quais necessitam de conexões terrestres rápidas para ter sua eficácia e eficiência potencializadas.
A transformação de SP em uma cidade de serviços, especializada cada vez mais não só no setor terciário, mas também no chamado setor quaternário, que irá consagrá-la de fato como inclusa no estreito rol das 12 ditas Cidades Mundiais, exigirá dos seus aeroportos e aerovias, bem como do seu espaço aéreo e terrestre, novas visões de planificação territorial que extrapolam o mero limite geográfico do município. Afinal, é o IBGE quem diz que 1026 cidades brasileiras situam-se na área de influência da Cidade.
Laurindo Junqueira é coordenador da Divisão Técnica de Transportes Inteligentes do Instituto de Engenharia