Cristóvão Colombo bem que tentou, mas não conseguiu descobrir o caminho para as Índias navegando da Europa em direção ao Oeste, mas, pouco mais de dez anos após, segundo alguns historiadores, o navegador espanhol Vasco Nuñes de Balboa reproduzindo a rota de Colombo soube pelos índios que logo mais adiante, em direção ao mesmo Oeste, havia outro mar imenso, comparável a este que trouxe os europeus para as Américas.
Balboa não titubeou e partiu com muitos homens, dizem quase duzentos, na direção dada pelos índios e, três semanas após, durante as quais superou chuvas torrenciais, feras, pântanos, índios não muito amistosos, florestas tropicais muito densas, chegou à costa do Oceano Pacífico, onde hoje é o próspero Panamá. E assim foi descoberta a possibilidade de se obter o tão desejado caminho marítimo para as Índias.
Tal como Pero Vaz de Caminha que descreveu ao seu Rei D. Manuel: “… em se plantando tudo dá…” referindo-se às terras descobertas por Pedro Álvares Cabral, o Engenheiro (sim havia um, pena que a fonte consultada não citou seu nome) que acompanhou a expedição, encaminhou uma carta ao rei Fernando de Castela da Espanha: “Se não for encontrado um canal entre os dois oceanos, não será impossível construir um”. Eis a visão de um Engenheiro em 1513!
Desde que foi descoberto o istmo, houve o desejo de rasgá-lo de modo a permitir a tão desejada e necessária passagem de embarcações materializando-se a ligação marítima leste-oeste do globo até então inexistente num paralelo próximo ao Equador por onde circulam uma grande quantidade de embarcações.
Foi assim que o historiador inglês Matthew Parker descreveu como surgiu a ideia da construção do Canal do Panamá no seu livro “Febre do Panamá”, recentemente traduzido para o português.
Hoje em dia o trajeto, muito semelhante ao que Balboa completou em 21 dias, é corriqueiramente feito em pouco mais de 50 minutos de automóvel através de um traçado moderno de uma confortável estrada pavimentada em concreto, inteiramente construída por uma empresa 100% brasileira.
Balboa é hoje cultuado como um dos maiores heróis panamenhos e, entre as inúmeras homenagens por ele recebidas, a moeda local chama-se Balboa em sua honra.
Foram necessários 368 anos a partir da descoberta do istmo e a decorrente vontade (necessidade) da construção do canal para que se desse o começo das suas obras em 1881. Inicialmente seguiram o projeto do mesmo francês que projetou e construiu o canal de Suez, no norte do Egito, numa região onde não existiam as imensas dificuldades impostas por um clima tropical, com suas chuvas torrenciais e florestas embrenhadas. Além dessas dificuldades, o terreno centro americano contém desníveis muito superiores aos verificados no leste do mediterrâneo. E para complicar bem mais as condições de trabalho, a alta temperatura e o grande teor de umidade facilitaram a proliferação da malária e da febre amarela, além das fortes intempéries que destruíam parte das obras e provocavam grandes avalanches o que dizimou, dizem, metade do contingente de 50 mil pessoas.
Naquela época o istmo do Panamá era território colombiano. Após aquele malogro, uma segunda tentativa de outro francês, também fracassou. Quem encabeçava o novo projeto era nada mais, nada menos que o engenheiro Gustav Eiffel, o mesmo que construiu um “monstrengo” para época e que com o passar dos anos tornou-se o orgulho de Paris, da mesma forma que os paulistanos se orgulham do Monumento às Bandeiras de Victor Brecheret, que é a obra de arte identificadora da pujante São Paulo. Sua tentativa não prosperou por vários motivos, sendo que o principal era a enorme dívida contraída durante a tentativa anterior.
Após 10 anos dessas malogradas intenções, chegou a vez dos americanos que ganharam a concessão em troca de apoio político e militar à independência do Panamá. Esse acordo feito com líderes separatistas panamenhos concedia aos Estados Unidos o direito perpétuo de construir e operar o canal e garantia a soberania sobre a região por onde seria construído o Canal. Mas essa é outra história.
Reformularam todo o projeto com a inclusão de um sistema de eclusas que em três estágios elevam as embarcações até o nível do Lago Gatun que existe no istmo à cota de 26 metros acima do nível do mar, cuja navegação faz parte da travessia do Canal e outros três níveis de comportas recolocam essas embarcações novamente ao nível do mar, do outro lado do istmo. Cada eclusa vence um desnível de pouco mais de oito metros em média.
O impressionante é que passados 98 anos desde o início de operação, tudo funciona até melhor que no início do século passado devido às melhorias operacionais feitas, mantendo-se, entretanto, toda a estrutura concebida no século XIX.
É claro que a presença americana durante todos esses anos, deixou marcas indeléveis nos costumes e na cultura panamenhos. Embora exista a , moeda oficial panamenha, o que circula por lá com grande desenvoltura é o dólar americano restando para o balboa protagonizar o troco miúdo representado por moedas fracionárias.
Um novo acordo com os Estados Unidos, outra longa história política, fez com que cessasse a concessão americana em 31 de dezembro de 1999. Assim, com a virada do século, veio junto uma nova composição do PIB do Panamá – chega a quase 90% de todas as receitas do país aquela proveniente do pedágio da travessia do Canal do Panamá. Não é pouco dinheiro. Nesses 12 anos, o país está fazendo enormes investimentos em infraestrutura oferecendo ótimas oportunidades para empresas de algumas partes do mundo, incluindo nesse rol, as brasileiras.
Dentre algumas obras de infraestrutura feitas ou em vias de serem concluídas está uma moderníssima autoestrada paralela ao canal- pavimentada em concreto-, o Metrô, um sistema integrado de transporte urbano- incluindo vias segregadas e terminais e o fornecimento dos ônibus-, obras de saneamento sendo que os três últimos encontram-se em fase de construção e, ainda, vários edifícios comerciais e residenciais. Todas sob responsabilidade de empresas brasileiras.
Esse pedágio é pago em dinheiro vivo e adiantado. A travessia é liberada quando o depósito do valor do pedágio é creditado na conta do Panamá! Seu valor: a bagatela de USD$ 350.000,00 para cada navio de porte médio. Funciona 24 horas por dia.
Pode parecer um valor elevado, mas não o é se comparado com o custo de uma circunavegação através do Cabo Horn, no extremo sul da América do Sul cujo trajeto leva pelo menos 40 dias durante os quais seriam percorridos 13 mil quilômetros.
A carga de um navio é um “ativo financeiro” e enquanto estiver em trânsito sendo transportado é o mesmo que guardar o valor dessas mercadorias debaixo do colchão – não rende nada, pois só se transformará de novo em “ativo financeiro” quando ocorrer a sua entrega. Dá então para imaginarmos o resultado financeiro desses 40 dias economizados atravessando o canal. Deve se acrescentar a esse valor o custo operacional de um navio durante os tais 40 dias.
Por outro lado, o Chile, país longínquo ao canal, sentiu as consequências da abertura: caiu muito o movimento do porto de Valparaiso, parada estratégica dos navios que contornavam o Cabo Horn. Quem visita essa belíssima cidade, nota que há lindas construções erigidas no fim do século XIX e início do XX. O prédio principal do Ministério da Marinha daquele país foi construído em Valparaiso.
Hoje em dia esse porto ostenta novas construções, mas não tão significativas. Continua importante apenas para o Chile devido à exportação de produtos chilenos, além de ser a principal entrada de produtos importados, mas sua importância estratégica para a navegação mundial foi minimizada pela abertura do canal.
Alguns anos após a virada do século XX para o XXI, os Estados Unidos lançaram ao mar na costa leste um super porta aviões movido à energia nuclear. Carrega consigo um arsenal de guerra que pode ser superior aos de alguns pequenos países juntos. É claro que as dimensões do Canal do Panamá, projetado mais de um século antes, não levaram em conta as medidas de algumas embarcações atuais como as do vaso de guerra.
Esse enorme navio deveria aportar na Califórnia, costa oeste. Devido as suas dimensões, não pode passar pelo canal e teve que contornar o Cabo Horn. Por passar na costa de alguns países amigos e fazer política de boa vizinhança, tal belonave teve de aportar em vários locais, recebendo autoridades, abrindo para visitação pública, concedendo entrevistas e outras atividades. Conclusão: essa viagem durou quatro meses apesar da boa velocidade alcançada por esse moderno navio! Se passasse pelo canal, demoraria no máximo duas semanas…
Esse problema em breve não mais existirá, pois o governo do Panamá já está construindo uma ampliação do canal com dimensões que suportem travessias desses enormes navios de guerra, como também de outros cujas dimensões impedem a utilização do atual canal.
É claro que o pedágio para esses supernavios terá custo superior aos USD$ 350.000,00 já citados.
O novo canal terá vias paralelas ao atual e, portanto, sua capacidade será duplicada e sua inauguração está prevista para 2014, cem anos após a inauguração de sua primeira fase. Certamente o PIB panamenho será significativamente aumentado.
É claro que nos tempos atuais o projeto de ampliação abarcou amplos estudos de impacto ambiental, o que gerou cuidadosas ações para preservar a fauna e a flora locais, providências que duvidamos tivessem sido tomadas durante a construção da sua primeira fase.
Esse é um dos grandes exemplos de como a visão de um “engenheiro”, em pleno século XIV, e sua percepção da viabilidade de execução dessa obra repercutiu em vários aspectos para a humanidade. A abertura desse canal causou um enorme impacto na navegação pela brutal diminuição de rotas, na economia mundial pela diminuição do custo do frete e do tempo gasto para o transporte de commodities e outros insumos importantes, nas estratégias bélicas permitindo rápidas manobras dos vasos de guerra. Resta-nos orgulhar da profissão que abraçamos!
Rui de Arruda Camargo
É ex-vice-presidente de Atividades Técnicas do Instituto de Engenharia