A história de como uma companhia de táxi matou o carro elétrico em 1900

A cidade de Nova York está orgulhosa dos táxis Nissan Leaf que estão a caminho, mas o que poucos sabem é que há mais de cem anos uma frota de táxis elétricos serviu a cidade usando tecnologia que ainda hoje seria considerada de ponta. Essa é a história de como sua falência acabou matando os carros elétricos nos Estados Unidos e no mundo.

No começo do século XX, carros elétricos eram a norma. Em 1900 havia mais carros elétricos do que a gasolina nas ruas de Nova York. É verdade que foram vendidos apenas 4.192 automóveis naquele ano em todo o país, mas 1.575 deles eram elétricos. As vantagens eram óbvias – silenciosos, limpos e fáceis de usar. A eletricidade das baterias parecia a escolha ideal para o transporte urbano pessoal naquela época. Para falar a verdade, tanto os carros elétricos como os a gasolina venderam menos que os movidos a vapor – 1.681 deles, precisamente – mas quem é que ainda acha que um carro a vapor faz sentido hoje em dia?

O magnata da indústria automotiva, playboy e ex-Secretário da Marinha dos Estados Unidos William C. Whitney viu uma oportunidade de negócio utilizando-os como táxis, e comprou uma companhia à beira da falência, mantida por dois engenheiros, Morris & Salom. Com um patrimônio de 200 milhões de dólares, Whitney rebatizou a companhia de Electric Vehicle Company (Companhia de Veículos Elétricos, um nome bem criativo) e começou a sonhar em monopolizar os táxis em todas as grandes cidades dos EUA. Ele esperava que Nova York fosse seu primeiro grande sucesso.

Whitney acreditava ter encontrado a solução para o principal problema dos carros elétricos: a baixa autonomia. Em vez de parar a cada duas horas para carregar as enormes baterias, eles trocariam baterias descarregadas por unidades carregadas. Você já leu sobre isso nos últimos anos: é exatamente a mesma ideia por trás do conceito Better Place que está sendo implantado em Israel e na China. 

Ao final de cada turno, o taxista retornaria para o depósito central de baterias na Broadway e trocaria sua bateria vazia por uma recarregada, em um sistema parecido com o dos táxi puxados a cavalo, que retornavam para o estábulo. A companhia poderia manter os táxis rodando o dia todo, pois precisavam apenas recarregar as baterias, e não parar os carros.

O grande erro de Whitney foi um só: seus grandiosos planos de expansão.

Em seu livro Taking Charge, que conta a história do carro elétrico no início do século passado, Michael Schiffer afirma que Whitney ampliou sua frota de apenas 13 carros para 200 e então encomendou mais 1.600. Quanto mais veículos Whitney conseguia, menor ficava seu estoque de baterias sobressalentes. De repente o depósito de baterias estava lotado, a equipe não deu conta de sua manutenção e elas começaram a falhar. Em poucos anos, a Electric Vehicle Company operava com uma frota de táxis que não funcionavam direito, e não havia muito o que fazer para manter em serviço os carros que sobraram.

A companhia não tinha dinheiro para realizar sozinha as modificações necessárias nos carros, e como já estavam na metade da década, os veículos já estavam defasados. Sem capacidade para justificar o trabalho e os custos, a Electric Vehicle Company liquidou seu patrimônio e, sob nova direção – vinda de um de seus subsidiários, a Columbia Motor Carriage Company – renovou sua frota com táxis a gasolina.

Em dezembro de 1889, a companhia possuía 2.000 táxis, caminhões e ônibus e, com sua fábrica em Hartford, Connecticut, era a maior fabricante de veículos elétricos do mundo. Em 1901 suas filiais regionais haviam fechado as portas, e em 1907 a Electric Vehicle Company cessou operações.

A experiência com trocas de bateria foi vista não apenas como o fracasso de uma companhia, mas de todo um sistema. Com as promessas ambiciosas de William Whitney ainda frescas na mente da população, a falência da Electric Vehicle Company manchou profundamente a reputação desse tipo de automóvel. Companhias de táxis elétricos do mundo todo fecharam as portas, incapazes de arcar com a manutenção de suas frotas.

Esse medo da inovação é o verdadeiro legado da Electric Vehicle Company. É natural considerar os carros elétricos tecnologicamente inferiores aos carros a gasolina, com autonomia limitada e alto custo. Se houvesse na época um maior investimento em baterias e infraestrutura de recarga, os veículos elétricos continuariam relevantes no mercado automotivo. Em vez de quase desaparecer do mercado nos anos 20, eles poderiam ser ainda hoje a primeira opção de quem quisesse algo silencioso e prático, perfeito para os segmentos familiares e de luxo.

A falência da Electric Vehicle Company foi o fim da esperança elétrica de Nova York. Um século depois ainda sofremos com os efeitos desse fracasso.

Adendo: como a Electric Vehicle Company trollou Henry Ford com uma patente
Em 1985, George Selden, um advogado e inventor de Rochester, estado de Nova York, declarou que havia patenteado o automóvel – embora nunca tenha produzido de fato um modelo funcionante. Em 1899, Selden vendeu os direitos de sua patente para William C. Whitney e a Electric Vehicle Company por royalties de 15 dólares por carro, com pagamento anual mínimo de cinco mil dólares.

Enquanto as filiais regionais fechavam as portas, Whitney e Selden concentraram seus esforços em coletar os royalties de 0,75% sobre todos os carros vendidos por outros fabricantes.

Em 1903 Henry Ford, junto a quatro outros fabricantes de automóveis, foi à corte para contestar a patente declarada pela Electric Vehicle Company. Oito anos depois, o caso foi encerrado com vitória de Shelden. Ford, no entanto, apelou da decisão, e venceu o caso com o argumento de que os motores do carros eram baseados no Ciclo de Otto – e não na patente de Selden.

Mas aquilo pouco importava para Whitney. A EVC havia declarado falência quatro anos antes.

Crédito das fotos: JalopyJournal, The Electrical World, The Horseless Age, Biblioteca Pública de Nova York, Shorpy.com, Bruce Duffy

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Autor: Jalopnik