A aposentada Suki Sharples costuma visitar o túmulo do pai. Mas o lugar não se parece em nada com um cemitério. O espaço que ele reservou ainda em vida fica em uma planície perto de Cambridge, a 80 km ao norte de Londres.
Como o túmulo não tem lápide, Suri vai procurar pelas dedaleiras, as mesmas flores que o pai tinha no jardim de casa e que marcam o local exato onde o poeta está enterrado, em um caixão biodegradável.
Antes de morrer, em 2009, o renomado chef Keith Floyd decidiu que seu corpo seria transportado em um caixão feito de cascas de banana. Dois anos antes, no funeral de Anita Roddick, fundadora da empresa de cosméticos The Body Shop, um filtro especial reduziu as emissões de mercúrio liberadas pela cremação.
O pai de Suki, Keith e Anita tinham em comum uma filosofia que ganha cada vez mais adeptos no Reino Unido: o abandono dos métodos tradicionais de sepultamento por um “funeral verde”.
“Ele era muito preocupado com o meio ambiente e acreditava que era preciso devolver à natureza o que recebeu dela, é o ciclo da vida,” disse Suki. “É um lugar lindo para se visitar, minha mãe já reservou um espaço ao lado do dele para quando ela morrer.”
Planejar o próprio enterro pode parecer assustador mas, como cada vez mais gente está disposta a tratar do assunto, as empresas do ramo começaram a enxergar novas oportunidades de negócio.
A cremação, preferida por 70% dos britânicos, é inimiga da natureza. O método é responsável por quase um quinto de toda a emissão de mercúrio do Reino Unido, poluição que termina no ar e nos mares, segundo a organização The Natural Death Centre.
Para piorar, cada cremação libera entre 200 kg e 400 kg de gases do efeito estufa na atmosfera, o equivalente a uma ida e volta de carro entre Rio e São Paulo.
O caixão convencional também já é coisa do passado para os adeptos do enterro sustentável. A madeira normalmente é importada e como um corpo leva de sete a dez anos para se decompor, o formol usado polui os lençóis freáticos próximos aos cemitérios.
Para quem não deseja dar trabalho à mãe natureza na hora do descanso eterno, são muitas as opções.
Uma delas é ser enterrado em um parque ou floresta em vez de em um cemitério, como o pai de Suki fez. Existem áreas específicas para este fim desde 1993 e o número não para de crescer – já são mais de duzentas no Reino Unido.
A ideia é que o funeral pareça mais um passeio no campo do que um momento doloroso de despedida, com direito até a piquenique. Quanto mais simples e natural, melhor.
“Os cemitérios comuns estão ficando cheios e as pessoas estão mais conscientes com relação ao impacto de suas ações no planeta e procurando alternativas,” explicou Tracey O'Leary, gerente de projetos da Winter Willow, instituição de caridade que vende caixões 100% biodegradáveis e feitos à mão usando madeira certificada e maizena.
Segundo Tracey, o processo é mais ecológico porque não usa plásticos, colas e metais, substâncias que poluem o solo.
“Os britânicos são muito tradicionais neste aspecto, mas as novas gerações são mais preocupadas com o meio ambiente e querem mudar isso. Elas estão escolhendo este tipo de funeral para os pais e avós. Nossa produção dobrou desde 2009 e o dinheiro da venda serve para ajudar os moradores de rua de Cambridge.”
Até o tradicional carro funerário se tornou ultrapassado depois que uma companhia inglesa desenvolveu um veículo elétrico para completar o pacote.
Hidrólise alcalina e enterro no mar
Existem soluções mais ousadas. Uma empresa de Glasgow faz a liquefação do corpo ou hidrólise alcalina. O morto é dissolvido em água quente a uma temperatura de 180 graus – mesmo processo usado no gado contaminado com a doença da vaca louca.
O método promete reduzir em um terço a liberação de gases do efeito estufa na atmosfera, quando comparado a uma cremação, usando um sétimo da energia. O tecido do corpo vira líquido e os ossos, cinzas. Mas a ideia de derreter um ente querido ainda faz com que esta seja uma das opções menos populares.
Duas companhias no Reino Unido oferecem um enterro no mar, considerado ecologicamente correto porque não ocupa espaço em terra. É caro, complexo, exige uma licença do governo e possui regras em relação à localização – para que o corpo não termine numa praia, por exemplo.
E depois de analisadas as alternativas, como garantir que o próprio funeral vai mesmo ser ecologicamente correto?
É simples: bastar preencher um cadastro que detalha do tipo de caixão à musica para a hora da despedida. A Cambridge Funeral Services emite o certificado gratuitamente; uma cópia fica com a empresa, outra com a família.
Além de madeira certificada e casca de banana, dá para escolher um caixão feito de bambu, vime ou papelão. Segundo o diretor Andrew Paety, a cremação ainda é o método mais popular, mas 70% dos clientes que decidem pelo sepultamento escolhem um enterro sustentável.
“As pessoas querem que o seu funeral seja único e querem ter a certeza de que suas famílias saibam disso. Muita gente não quer falar sobre a própria morte, mas para as famílias é um alivio enorme saber como seus entes queridos querem ser enterrados,” disse.
Depois de receber o certificado, quem quiser poupar os parentes financeiramente pode pagar o próprio enterro antecipado ou parcelar em até dez anos. Afinal, em tempos de crise econômica, o seguro morreu mesmo de velho.
Autor: G1