NA MÍDIA – Ameaça à metrópole, água vira tema de evento em São Paulo

Risco de desabastecimento, enchentes, rios mortos por conta de esgoto e lixo, colapso energético e proliferação de ocupações urbanas desordenadas são algumas das ameaças ao futuro da metrópole de 21 milhões de habitantes da Grande São Paulo.

No centro de todos esses riscos está a água, o principal de todos os recursos naturais, eixo estruturante de qualquer processo de urbanização e hoje o principal desafio das políticas públicas.

E o grande instrumento para reverter o processo é a busca de soluções metropolitanas, integradas e de caráter global para uma questão que não deve ser mais exclusiva deste ou daquele município.

Essa é a pedra de toque de um encontro que reúne hoje engenheiros, urbanistas, acadêmicos, empresários, secretários e outros agentes públicos para discutir a gestão da água na metrópole.

O seminário “Recursos Hídricos, Saneamento e Gestão Metropolitana – Novos Desafios”, vai das 8h30 às 17h no auditório do Instituto de Engenharia, organizador do encontro (avenida Dante Pazzanese, 120, Vila Mariana).

Os problemas são urgentes. Na questão do abastecimento, São Paulo precisa buscar água em outras bacias, como a do rio Piracicaba, a mais de 100 km.

Hoje, a chamada disponibilidade hídrica na Grande São Paulo é de 200 metros cúbicos por habitante/ano. Para se ter uma ideia do problema, basta dizer que, para a OMS (Organização Mundial de Saúde), a oferta de 1.500 metros cúbicos por habitante/ano já caracteriza uma situação de estresse.

“Para ter uma situação de conforto, precisaríamos ao menos de 2.000 metros cúbicos por habitante/ano. Ou seja, temos um grave problema”, afirma João Jorge da Costa, diretor da Divisão de Engenharia Sanitária e Recursos Hídricos do Instituto de Engenharia.

A falta de água na metrópole não é por acaso. Caminha lado a lado, por exemplo, com a forte degradação dos rios e mananciais da região nas últimas décadas.

Na cidade de São Paulo, não há um único rio vivo. Tietê, Pinheiros, Tamanduateí e Aricanduva, só para citar os principais, são hoje míseros canais de esgoto a céu aberto, sem condições de vida aquática ou de permitir qualquer tipo de abastecimento público.

Para Costa, a situação é derivada tanto de problemas de investimento em infraestrutura quanto da condição geográfica da região.

A metrópole está na cabeceira do Tietê, onde ele tem pouco volume e baixa velocidade, em contraposição a um adensamento populacional vertiginoso, com boa parte do lixo e esgoto produzido jogado sem qualquer filtro no rio.

Nem mesmo o investimento de US$ 1,6 bilhão pela Sabesp desde 1992 para recuperar o Tietê resultou em algum alivio. Dados da Cetesb mostram que o rio piorou no trecho que corta a Grande SP.

“Temos uma vazão de 50 a 70 metros cúbicos por segundo na foz do Pinheiros. O rio Sena, em Paris, tem 280 metros cúbicos por segundo de vazão média”, diz Costa.

“Se tivéssemos a cidade de São Paulo à beira do rio Tocantins, não teríamos esses problemas”, concorda Ricardo Toledo Silva, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Conselheiro da Emplasa (estatal paulista encarregada do planejamento metropolitano), ele diz que o grande desafio do evento de hoje é buscar uma metrópole sustentável do ponto de vista do uso dos recursos hídricos.

Para ele, a área mais frágil da bacia está na Grande São Paulo e centrar esforços em obras de engenharia complexas para ampliar os sistema de tratamento de água e esgoto ou de controle de enchentes não é o bastante.

“Por mais que você tenha metas ambiciosas de tratamento de esgoto, e elas existem, o problema da poluição vai continuar, por conta da poluição difusa [lixo que é levado para os rios]”, afirma.

Segundo ele, o que o encontro de hoje vai buscar é “romper um pouco as barreiras setoriais.” “Há problemas que parecem insolúveis quando encarados isoladamente, mas cujas soluções podem ser viáveis se enfrentados todos eles juntos”.

Segundo os organizadores, o grande objetivo é buscar soluções integradas para a gestão metropolitana da água.

“Temos de estimular a busca de soluções combinadas, não setoriais, envolvendo os poderes públicos municipais, estaduais com competência para discutir isso e abrindo caminho para a participação privada”, defende Silva.

Para ele, a região passa por um segundo estágio da concepção metropolitana. O primeiro começou em 1973, com as primeiras leis sobre regiões metropolitanas.

Na gestão Geraldo Alckmin (PSDB), o processo ganhou mais velocidade, com a reorganização da Região Metropolitana de São Paulo e a criação de estruturas de planejamento colegiado, como o Conselho de Desenvolvimento, formado pelo Estado e pelos prefeitos das 39 cidades.

Alckmin criou, ainda, a Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano e autorizou a criação da quarta região metropolitana no entorno, a do Vale do Paraíba e Litoral Norte _as outras são as de Campinas e da Baixada Santista.

O segundo estágio, diz Silva, vai além da questão territorial e envolve a “complexidade funcional”, ou seja, integrar funções públicas de diferentes setores, como abastecimento de água, tratamento de esgoto, combate a enchentes e geração de energia.

“Temos de dar um passo além, que é a interconexão de diferentes questões de infraestrutura”, diz Silva.

Para João Jorge da Costa, a atual discussão que se trava no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre de quem é a titularidade da água e do esgoto em uma região metropolitana –se do município ou do Estado– é exemplar da dificuldade de se tratar alguns temas na metrópole.

Na Grande São Paulo, a Sabesp é responsável por 80% das cidades, mas grandes cidades, como Guarulhos, Santo André, Diadema e Mauá têm seus próprios sistemas.

“A cidade fica maior que o município, o que é uma complexidade, porque alguns municípios não aceitam isso, fazer parte de um sistema que é global”, afirma Costa.

Para ele, o grande objetivo de uma região metropolitana é que as funções públicas de interesse comum tenham um tratamento conjunto. “Isso suplanta aquela autoridade municipal específica. São Paulo não conseguiria resolver seus problemas de água dentro do município”, diz.

O engenheiro Nelson Nucci, professor da Escola Politécnica da USP, ressaltou dois pontos para equacionar a questão da gestão dos recursos hídricos na metrópole.

O primeiro, diz, é acabar com o que o escritor Nelson Rodrigues identificou como sendo “complexo de vira-latas” do povo brasileiro.

“Sempre vem algum sábio e diz: Ah, mas Londres fez isso, Paris fez isso. A gente tem de escapar disso. o problema é dez vezes mais complicado aqui, porque a concentração de poluentes que vai para o rio é muito pior, porque o rio é menor e mais gente contribui.”

Segundo ele, a resposta brasileira ao problema é um pouco tardia, porque a demanda ainda não havia se manifestado. “O tratamento do rio Tâmisa, em Londres, por exemplo, só começou a ser feito quando o rio começou a atrapalhar as sessões do Parlamento. A mesma coisa ocorreu em Paris”, afirma.

Para ele, o encontro tem de servir para discutir soluções adequadas às especificidades de São Paulo, geográficas e institucionais, entre outras. “Não existe solução pronta na qual a gente possa se mirar. A gente tem de encontrar uma solução nossa”, afirma.

O segundo ponto, diz, é aproveitar o que ele considera ser um momento adequado para debater a questão.

“Começa a haver sensibilidade na população e no poder público de que soluções isoladas não resolvem”, diz.

Ele diz que a expectativa é que a nova organização metropolitana seja capaz de resolver a questão de gestão, que inclui, entre outros, regras comuns de ocupação do solo. “Aqui nunca houve uma ação integrada sobre ocupação do solo”, afirma.

Para João Jorge da Costa, a questão da ocupação humana é fundamental para se equacionar os problemas da água. “A cidade, ao longo do tempo, foi invadindo o grande corpo do rio, aquele que ele usa quando a chuva é maior. Então, temos de fazer o processo inverso: abrir espaço para o rio. Não só não ocupar mais, mas, ao longo do tempo, ir desocupando.”

Como a questão do saneamento é municipal ou estadual, dependendo da cidade, a geração de energia é estadual, as regras de uso do solo são municipais, entre outros, urge, diz, discutir a integração das diversas esferas para enfrentar o problema.

Para Aluizio de Barros Fagundes, presidente do Instituto de Engenharia, a discussão sobre a água pode motivar uma discussão metropolitana positiva, mesmo que a questão não esteja no topo das prioridades das cidades.

Nas discussões do governo e dos municípios para a reorganização da região metropolitana, as principais demandas citadas pelos prefeitos eram relativas à expansão e integração dos sistemas viários e de transporte público.

“Quando chove, a água vai para o fundo dos vales, que é onde estão as principais vias de circulação viária da região metropolitana. Portanto, é lá que o trânsito vai parar. Portanto, é tudo integrado, sim, a discussão tem de ser integrada”.

Autor: Folha.com