– Texto faz parte da série Fukushima de artigos
Chamamos de radiação ionizante a radiação eletromagnética ionizante e a propagação de partículas com energia cinética. A primeira é o resultado da associação de um campo elétrico e um campo magnético perpendiculares entre si, que se propagam no espaço. Já a segunda é resultado do decaimento de átomos instáveis quer seja por excesso de carga, quer seja por excesso de massa que podem emitir além de raios X e gama, partículas como alfa, beta, prótons, nêutrons entre outras, para se estabilizar.
A interação da radiação ionizante com o meio se dá através da deposição de energia da radiação incidente, rompendo a ligação de um elétron na camada eletrônica e o ejetando, transformando o átomo em um par de íons: o elétron ejetado e o átomo com um elétron a menos em sua configuração.
O processo de deposição de energia via radiação ionizante é a grandeza dose absorvida, cuja unidade é Joule/kilograma, que recebe o nome de Gray (Gy). Porém em se tratado de radioproteção, não somente a quantidade de energia depositada é mensurada. Deve-se considerar o tipo de radiação (feixe de fótons, nêutrons, elétrons, prótons, partículas, alfa, enfim, possuem valores distintos de fator peso da radiação), pois apresentam diferença na deposição de energia e tecidos de órgãos diferentes possuem fatores de peso de tecido distintos. Isto porque células mais maduras e com alto grau de diferenciação celular são menos radiossensíveis que células imaturas e com baixo grau de diferenciação celular. O resultado é uma grandeza denominada dose equivalente e a unidade Sievert (Sv).
Estima-se que quando a radiação ionizante interage com o tecido biológico, ocorrerá em cerca de 70% dos eventos, quebra de moléculas de água, processo indireto denominado de radiólise da água, tendo como resultado formação de radicais livres e no final das reações químicas, formação do composto peróxido de hidrogênio (água oxigenada), tóxico á célula. Nos outros 30% dos eventos, a radiação pode interagir com o DNA celular causando danos, trata-se dos efeitos ditos diretos. Através da ação direta ou indireta, o DNA pode ser alterado geneticamente ou pode perder a integridade física.
Dos danos celulares, os mais importantes são os que afetam o DNA. Células danificadas podem morrer ao tentar se dividir ou sofrer reparos. Se este reparo for eficiente, a célula continuará com sua função original, sem alterações e conseqüências futuras. Porém, se no processo de reparo houver erros, poderá ocorrer mutações que causem a morte reprodutiva da célula ou a alterações no material genético das células sobreviventes trazendo conseqüências em longo prazo, como câncer radioinduzido ou má formação genética nos descentes do indivíduo irradiado,
A maior parte da exposição à radiação ionizante é devida á radiação natural, 85%. Este “tipo” de radiação é proveniente dos radioisótopos presentes no solo como tório, rádio, entre outros e também do cosmos, devido aos raios cósmicos às partículas radioativas emitidas nas explosões solares, de supernovas, etc…14% é proveniente de exposições médicas e 1% por causas artificiais tais como, exposições ocupacionais, produtos de consumo e da indústria nuclear. (UNSCEAR, 2000).
O efeito das radiações sobre indivíduos depende da dose absorvida, taxa de exposição e da forma de exposição, pois esta pode ser localizada ou de corpo inteiro. Qualquer valor de dose absorvida pode causar danos celulares, inclusive as doses absorvidas provenientes de exposição á radiação natural. A questão principal é a probabilidade do dano que varia de acordo com a taxa de dose: quanto maiores as taxas de dose absorvida, maior a probabilidade de aparecimento dos efeitos biológicos.
Assim como no acidente de Chernobyl ocorrido em 1986, no acidente com os reatores de Fukushima – Daishii houve vazamento de material radioativo, principalmente 137Cs (emissor de radiação gama) e 131I (emissor de radiação beta). Estes e outros radioisótopos se depositam nas águas de rios, mar, solo, e alimentos, causando incorporação devido á contaminação.
Seja por contaminação (presença indesejável de radioisótopo em determinado local) ou por irradiação (exposição á radiação sem que haja contato físico com o isótopo contaminante), a população das proximidades ao local do acidente sofrerá danos celulares. A classificação dos efeitos biológicos dependerá da dose absorvida (efeitos determinísticos ou estocásticos), do tempo de manifestação dos efeitos (efeitos tardios ou agudos) e do nível em que ocorrerá o dano (genético ou somático).
Atualmente em Fukushima-Daishii estão sendo tomadas medidas intervencionistas em diversos níveis, saúde, tecnologia, agricultura, indústria, economia, entre outros. Na saúde, porém, as conseqüências somente serão realmente conhecidas daqui a alguns anos, como nos casos de acidentes que ocorreram no passado, nas explosões das bombas atômicas de Hiroshima – Nagasaki e dos testes nucleares realizados no Pacífico. Isto porque além do fato de alguns efeitos demorarem muito para se manifestar na pessoa irradiada ou nos seus descendentes, uma das características dos efeitos biológicos da radiação é a especificidade. Existe vários agentes carcinogênicos que podem causar câncer, a radiação é apenas um deles.
Será necessário aguardar o passar dos anos para que estudos epidemiológicos comprovem o que já é sabido sobre o assunto e infelizmente de uma forma trágica acrescente mais conhecimento sobre os efeitos biológicos das radiações ionizantes.
*Daniela Figueiredo Pinto Ferreira Lanaro é doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo; mestre em Engenharia Elétrica, área de concentração Engenharia Biomédica, pela Universidade Federal de Santa Catarina, e fez graduação em Física pela Universidade Estadual de Londrina
Autor: Daniela Figueiredo Pinto Ferreira Lanaro