Os noticiários têm destacado a falta de engenheiros no País. Enquanto a China forma 400 mil engenheiros por ano e a Índia uns 300 mil, formamos menos de 40 mil. Nossos dirigentes e líderes falam em PACs e concluem que nos faltam engenheiros. Mesmo que não levemos em conta a diferença de população, será mesmo verdade? Será que não estão faltando apenas técnicos um pouco mais qualificados e administradores mais competentes?
A atividade fundamental do engenheiro é o projeto de novos produtos ou processos. Num segundo nível, ele atua também na operação – obra ou chão de fábrica – para fiscalizar ou resolver imprevistos. A engenharia tem que ver com projeto, o que significa tecnologia, inovação, know-how, patentes, conhecimento próprio e independência. No Brasil, com raras e honrosas exceções, empresas apenas fabricam ou montam produtos aqui. O projeto e a tecnologia vêm de fora, empregamos nossos engenheiros só na operação, geralmente em funções que técnicos mais bem treinados ou administradores capazes poderiam desempenhar.
No setor automotivo, por exemplo, que está batendo recordes de produção e vendas (perto de 4 milhões de veículos, em 2010), o Brasil tem 25 montadoras e 500 fornecedores de autopeças, segundo a Anfavea. Algumas dessas empresas desenvolvem projetos aqui, mas a maioria apenas fabrica (eventualmente, com pequenas adaptações) ou importa peças, e monta os veículos no Brasil, com projeto e tecnologia estrangeiros. A Zona Franca de Manaus é um exemplo acabado da “indústria” de simples montagem de kits importados (os CKDs), mas que recebem o selinho de “indústria brasileira” (!).
Diz-se que o problema brasileiro está no cumprimento de prazos e qualidade. Isso, entretanto, não é problema de engenharia, é mais de administração. Engenheiros costumam assumir a administração no País, mas isso é “desvio de função”. Empresas querem engenheiros com “capacidade de liderança”, “formação multidisciplinar”, “iniciativa e espírito de competição”, isso é, um super-homem com profundos conhecimentos técnicos e, além disso, um administrador extremamente competente. Como formar esse “administrador de luxo” em cinco anos de curso? Isso não acontece em países civilizados. Lá se formam engenheiros competentes, em engenharia, e administradores competentes, em administração.
Por paradoxal que pareça, um dos empecilhos ao desenvolvimento nacional é a política industrial, simplista e obsoleta, de substituição de importações, adotada recorrentemente por sucessivos governos. Isso só leva ao protecionismo e à estagnação do desenvolvimento local. A China (ver New York Times, http://nyti.ms/dL2zp3) e a Coreia do Sul, ao contrário, adotaram a política de produção industrial voltada para a exportação, expondo suas indústrias à competição internacional e forçando seu desenvolvimento de forma fantástica. A estratégia sadia e correta não é impedir empresas estrangeiras de virem aqui competir com as nossas. O certo seria incentivar e apoiar empresas brasileiras para competirem com (e ganharem das) estrangeiras na arena global.
O Brasil tem se destacado em pesquisa científica, com crescente produção de papers, estando agora entre os 15 países mais produtivos. Porém sua produção tecnológica é quase zero, insignificante. Isso implica total dependência de tecnologia estrangeira. Aqui, as universidades só fazem pesquisas acadêmicas. Novamente com raras e honrosas exceções, empresas não fazem pesquisa nem projeto no Brasil – multinacionais, porque fazem isso na matriz, e nacionais, porque não fazem mesmo, apenas compram ou licenciam projetos no exterior.
Não tem havido a noção de que tecnologia própria é estratégica para o País. Se o Brasil quiser ocupar um espaço real no cenário global, precisa ter independência tecnológica. Não precisa propriamente de mais engenheiros. Precisa é de empresas nacionais que precisam realmente de engenheiros. Aí sim, eles vão faltar, sem dúvida.
Autor: Ronaldo de Breyne Salvagni, engenheiro naval e professor titular da Poli-USP, para o Estado de S.Paulo