O desemprego e seus sintomas. “Já não aguento mais, engorda, faz mal pra pele, pra tudo, demais, demais, você ficar sem fazer nada é terrível”, diz a secretária desempregada Maria Luiza Ceriello.
Com tanto trabalho por aí, Maria Luiza não consegue o dela. Já viu que o curso técnico de secretária não basta.
“Eles exigem muitas coisas, precisa saber línguas e eu não sei, mal a gente sabe o português, então fica complicado”, fala.
Está difícil preencher as vagas, mas nem por isso as empresas estão facilitando. Elas ainda querem gente qualificada. Mesmo que tenham que buscar no Japão.
“Do Japão, a gente trouxe 135 brasileiros que estavam lá e que já estão trabalhando aqui”, avisa o presidente do estaleiro Atlântico Sul, Angelo Bellelis.
Eles eram funcionários da indústria naval japonesa e voltaram ao Brasil pra trabalhar em um estaleiro em Ipojuca, Pernambuco.
“Esses dekasseguis que vieram do Japão fazem parte dessa mistura. Quer dizer, trazer gente experiente e colocar junto com o pessoal que foi recém treinado pra poder evoluir com todo mundo”, explica Angelo.
A turma dos recém-treinados passou pelo Senai. “Eu trabalhava no campo, na usina de cana de açúcar, eu cortava cana. O trabalho aqui é melhor pra mim”, afirma o ajudante geral Diniz Francisco de Lima.
“Quando a gente fala falta de qualificação, não é só o diploma de terceiro grau”, diz o economista-chefe da LCA Consultoria, Braúlio Borges.
O Senai tem até cursos de graduação e pós-graduação, mas a grande massa de jovens que sai do local carrega um diploma de técnico.
Hoje, são cerca de dois milhões de alunos nas escolas do Senai em todo o Brasil. “É uma tradição desse sistema ter escolas de boa qualidade porque ele é gerido pelos empresários e os empresários sabem as tecnologia que estão sendo usadas hoje e as tecnologias que vão usar amanhã”, esclarece José Pastore.
Mas, ainda que muitos cursos sejam de graça, o Senai, às vezes, não encontra aluno pra todas as vagas que tem.
“Se é correto afirmar hoje que falta mão de obra qualificada também podemos afirmar que faltam interessados em qualificação. Nosso sistema tem oferecido reiteradamente o número de vagas e estamos com dificuldade para preenchimento das vagas”, informa o diretor do Senai- MT, Gilberto de Figueiredo.
Isso também acontece nas faculdades. É uma conta estranha. A quantidade de instituições de educação superior no Brasil quase dobrou na última década – basicamente, por causa das particulares. Mas, em todas as áreas, tem muita vaga pra pouco aluno.
Mas por que, se o país está precisando de mão de obra qualificada, se as empresas reclamam do baixo nível dos candidatos, por que então as escolas de qualificação estão com vagas sobrando? Temos que resolver esta aparente contradição!
“A falta de planejamento, a abertura sem controle de todas as vagas fizeram com que hoje nós tenhamos mais ofertas de cursos do que alunos pra estudar”, fala a professora da faculdade de educação da Usp, Stela Piconez.
O país que peneira a mão de obra e não encontra muita coisa desperdiça lugares até nas universidades públicas. Mais de 14 mil vagas não têm dono.
“A universidade pública está atrasada, ela está no século 19, continua ofertando as mesmas vagas para os mesmos cursos que atendiam demandas do mercado do século passado”, diz Stela.Na área de exatas, essencial pro desenvolvimento do Brasil nos próximos anos, exemplos de dar pena: das vagas de engenharia civil, 28% não são preenchidas. Em engenharia eletrônica, 31%. Engenharia de petróleo: 52%. Não é só isso: entre os jovens que entram na faculdade, muitos não ficam até o fim.
“Ao longo do curso de engenharia nós perdemos metade dos alunos por evasão e os alunos que terminam, não terminam em cinco anos, terminam em 6, 7 anos. Somente 4,6% dos nossos estudantes que se formam no nível superior, se formam em engenharia. Na Coreia, esse número passa dos 26%. Esse número é desta ordem em todos esses países emergentes e que emergem pelo seu desenvolvimento científico e tecnológico como Índia, China e esses novos tigres asiáticos”, explica o conselheiro da CNI Luiz Scarvada.
“Ao ingressar num curso de engenharia, nos primeiros anos, sobretudo, eles têm uma carga pesada de matemática e física de alto nível e eles não têm nível adequado pra acompanhar esse curso. Eles não conseguem acompanhar, então eles desistem”, fala o diretor da escola politécnica da Usp, José Roberto Cardoso.
Em TI – tecnologia da informação – o problema se repete. Nos cursos de ciência da computação, 61% das vagas nas faculdades não são preenchidas. Em administração de redes, 62% e em análise de sistemas, há 79% de lugares sem dono.
“Hoje, há uma diminuição da procura da carreira, as razões são as mais variadas possíveis, existem, por exemplo, que as meninas acham que os caras que trabalham com TI são nerds, nós precisamos incentivar os jovens a participar desta profissão”, avisa o presidente da Brasscom Antônio Gil.
Sem falar que nem sempre o curso é de bom nível. Tudo isso perpetua a falta de profissionais preparados no mercado. Tanto que as empresas cercam os lugares onde os jovens são bem formados.
A Poli Júnior, uma empresa tocada pelos futuros engenheiros da Usp, presta serviço de verdade pro mercado. Um jeito de aprender fazendo.
Como o pessoal tem contato direto com as empresas, eles recebem algumas propostas. As empresas oferecem cursos, consultorias. Em troca, querem a ajuda deles para se aproximar dos alunos da faculdade.
“A gente, em contrapartida, faz divulgação de processo seletivo da empresa, divulga cartaz da empresa na escola politécnica. A gente vê experiências de alguns amigos próximos que não tem nem digamos idade na carreira acadêmica para estagiar e mesmo assim a gente recebe propostas de estágio, emprego”, diz o diretor-presidente da Poli Júnior, Allan Spezzio da Rocha.
Autor: G1