O arquiteto paulista Daniel Fernandes é o responsável pelo projeto executivo do Maracanã, o maior estádio do Brasil e também a principal estrela da Copa de 2014, já que está praticamente definido como palco da final.
Também autor da Arena Pernambuco, Fernandes defende a reforma de R$ 705 milhões do estádio carioca e alerta as autoridades do Rio sobre o prazo exíguo para a conclusão da obra.
“Vinte e oito ou 30 meses é um cronograma razoável para estádios menores, mas a reforma do Maracanã precisaria de mais do que isso. Não sei como vão fazer para acelerar”. Confira trechos da entrevista.
Qual seu nível de participação no projeto?
A Emop (Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro) me contratou como consultor do projeto básico quando o Rio desistiu de fazer uma PPP (Parceria Público-Privada) para o Maracanã. Isso foi no final de 2009. Depois da licitação fechamos com o consórcio para desenvolver o projeto executivo.
Houve problemas com o tombamento do estádio?
Há um tombamento federal e um estadual, mas que permitem modernização. A lei não é específica. Diz para preservar o máximo possível, especialmente o que é simbólico. Considero que a fachada é muito mais simbólica que a arquibancada, por exemplo.
A Fifa pede o estádio pronto em dezembro de 2012, mas as obras começaram com atraso. O tempo é suficiente?
O prazo é bem apertado. Construir um estádio do zero certamente é mais fácil. Vinte e oito ou 30 meses é um cronograma razoável para estádios menores, mas a reforma do Maracanã precisaria de mais do que isso. Não sei como vão fazer para acelerar.
Arquitetos criticaram a proposta do governo dizendo que a reforma vai descaracterizar o Maracanã. Como o escritório encara isso?
É lógico que o Maracanã como era antes vai desaparecer, mas vai surgir um muito melhor. Quando se trata de um ícone como esse é natural que todos queiram se manifestar. Mas as críticas foram feitas sem conhecimento do projeto, que ainda não foi divulgado. Setenta por cento do Maracanã será novo. Vamos manter a fachada e os níveis internos, mas boa parte das arquibancadas será modificada. Os dois anéis “soltos” foram uma sacada original e esteticamente interessante, mas tecnicamente é uma das piores soluções possíveis.
Basicamente, o que muda no Maracanã?
As arquibancadas inferiores serão refeitas para se chegar a um ideal de visibilidade. Há lugares com visibilidade negativa no Maracanã. Além disso, a primeira fileira fica a 30 metros do campo, tornando enorme a quantidade de assentos fora do limite. Já na arquibancada superior, refaremos os setores leste e oeste com uma visão bastante voltada aos negócios.
Que visão é essa?
Essa questão evoluiu muito. Hoje, o que dá rentabilidade ao estádio é a segmentação de produtos. Fizemos o projeto pensando nisso. Seja o governo, seja um concessionário que venha a administrar o estádio, ele terá várias possibilidades de negócio. Existem estudos que dizem que, se o estádio for bem operado, ele se paga.
Como se dá essa segmentação de produtos?
O alvo é o que chamamos de público premium, ao qual será oferecido uma série de produtos: camarotes (geralmente corporativos, pois são caros), business seats (mais baratos que os camarotes), club seats (mais ou menos como as numeradas atuais) e o season ticket (quando o torcedor compra o ingresso pra temporada inteira). É isso que vai manter o Maracanã, pois um estádio tem que viver do futebol. Tem coisas que vão incrementar isso, como shows etc., mas o principal é o futebol.
Em 2009, o custo da reforma era de R$ 400 milhões, mas o Maracanã foi licitado por R$ 705 milhões neste ano. Além disso, o estádio passou por ao menos duas grandes reformas nesta década. O que justifica os novos gastos?
O valor é reflexo do projeto e foi subindo de acordo com o desenvolvimento dele. O último projeto é apenas a última versão. As anteriores foram revisadas pela Fifa muitas vezes. Quanto às reformas passadas, elas fazem parte de um histórico. Mas não podemos deixar de fazer o que precisa ser feito no Maracanã para torná-lo um estádio moderno. Esta tem que ser a última reforma. Até porque, a não modernização é que traz o risco de o estádio ser demolido no futuro.
Como é a relação dos arquitetos da Copa com o COL/2014 (Comitê Organizador Local)?
Os projetos são complexos e existem vários agentes envolvidos. A realidade dos estádios não é a mesma. Tudo o que eles pedem é compreensível, mas têm que convencer os clientes, que são os governos. Disso surgiram vários conflitos. O que a Fifa gostaria às vezes representa um custo que o cliente não quer pagar, porque talvez não fique como legado. Por exemplo, a exigência de um camarote maior que uma pesquisa mostre não ser do tamanho ideal para a cidade.
No meio do ano a Fifa mudou sua orientação sobre as placas de publicidade, gerando reclamação de arquitetos. Pode relatar o que houve?
Bem, no início não era estabelecido um tamanho de placas específico. Mas depois da Copa da África a Fifa adotou um padrão (um metro de altura e quatro ou cinco metros de distância da linha do campo). Isso cria uma condição única, pois afeta as arquibancadas e o projeto do estádio inteiro. Praticamente todas as sedes tiveram que rever os projetos e quem estava adiantado teve que recuar.
O caderno de encargos da Fifa tem sido apontado com um dos principais vilões do alto custo dos estádios. Qual sua visão?
O caderno é um conjunto de tudo o que é bom ou ruim na construção de estádios na Europa, além das coisas que são de interesse da Copa. Há poucos pontos obrigatórios, até porque as coisas mudam bastante da teoria à prática. Porém, existem os limites para a Copa. O mínimo são 40 mil lugares, mas tem cidades que só comportam 35 mil, por exemplo. Se não fosse a Copa essa diferença não existiria. Se uma cidade assim foi escolhida, ela terá que fazer o estádio seja ele rentável ou não, pois é um compromisso. Mas essa não é uma questão do caderno de encargos, mas da decisão política, até porque a Copa envolve diversos outros investimentos na infraestrutura dessas cidades.
Autor: Portal da Copa 2014