Onze anos após a implantação de sua última grande reforma curricular, chamada de EC-2, a Escola Politécnica (Poli) da USP abre novamente discussões sobre a grade de disciplinas da sua graduação. O processo para a implantação da EC-3 começou em 11 de junho desse ano e, desde então, houve quatro reuniões públicas que ajudarão a definir diretrizes para a reestruturação – a mais recente foi realizada na sexta-feira (1º). Segundo o professor José Roberto Cardoso, diretor da unidade, as reformas de estrutura curricular na Poli costumavam acontecer de cinco em cinco anos, e a necessidade de uma revisão dos cursos vem justamente das mudanças ocorridas na engenharia e no ensino desde a EC-2.
“Na época [1999], não se falava de energias alternativas com a intensidade que se fala hoje; e, portanto, o tema não foi contemplado. Houve também o Tratado de Bolonha [acordo firmado entre universidades européias], que criou um novo paradigma cursos de engenharia”. Na última reunião, alguns temas predominaram nos debates.
Especialista x Generalista
O Tratado de Bolonha foi assinado em 1999 pelas universidades de 29 países europeus e estabeleceu alguns conceitos que foram adotados, em parte ou integralmente, por universidades do mundo inteiro, inclusive do Brasil, como no caso da Universidade Federal do ABC (UFABC), citada pelo professor José Roberto Cardoso. Alguns desses conceitos também estão sendo discutidos na EC-3.
Um deles é o número de especialidades de engenharia, como mecânica, de produção, mecatrônica, etc. Segundo Cardoso, enquanto na Europa há 14 delas, no Brasil há 280. A conseqüência é que o profissional daqui se torna muito especializado. “Isso limita a mobilidade dos estudantes na hora de arrumar o emprego. O conceito do engenheiro especialista mudou na Europa e acho que vai mudar no Brasil em função do que chamamos de onda generalista. O MEC já está tentando reduzir essa quantidade enorme de denominações para 20, o que vai, de uma forma ou de outra, afetar nossos cursos”, afirma.
Atividades extra-classe
Para o diretor da Poli, é importante que os alunos se mantenham em tempo integral na escola. “Mas não na sala de aula”, diz. Portanto, uma das discussões centrais na EC-3 é de como atribuir créditos aos estudantes por atividades realizadas fora das disciplinas. “A Escola Politécnica tem um perfil que faz emergir espontaneamente uma série de atividades – por exemplo, as competições de veículos, de aviões, de robôs; os alunos se envolvem com isso, se organizam. E isso é bom pra gente porque eles praticam liderança, trabalho em equipe e ainda participam de eventos com resultados que dão destaque ao nome da escola.”
Outra questão é a de como fazer do estágio um complemento na formação do aluno, e não uma forma das empresas terem mão de obra barata. Para o professor, é preciso buscar acordos da escola com as empresas, com compromissos de ambas as partes, para que o estágio seja algo “programado, em que o aluno tivesse na empresa um tutor que o orientasse”. O diretor da Poli acrescenta: “a empresa não vai perder tempo com isso. Vai, ao final do estágio, ter um aluno bem formado, que vai promover o desenvolvimento da companhia.”
Ensino médio
Um assunto levantado na reunião do dia 1º foi sobre a influência da Poli no Ensino Médio. Alguns dos professores da unidade se manifestaram a favor de que a Poli tente agir junto ao Ministério da Educação (MEC) para mudar alguns aspectos do ensino. Eles reclamaram, principalmente, que a escolas apenas preparam os alunos para os vestibulares das grandes universidades e deixam de lado partes importantes da formação. José Roberto diz que a Poli não tem como influenciar a questão, porque o MEC tem autonomia para decidir e acha que “os alunos da Escola Politécnica são muito bem selecionados, vêm com uma formação muito boa, mas esse é um problema pra engenharia em geral, que afeta outras escolas”. Mas destaca que um problema da educação no Brasil é que há uma carga pequena de ensino tecnológico, ou seja, das ciências que são a base das graduações de tecnologia, como matemática, física e química. “O aluno acaba sendo desestimulado a fazer faculdade de exatas. E as conseqüências a gente está sofrendo agora, com a falta desses profissionais.”
A EC-3 está agora na fase aberta de consulta à comunidade. As reuniões são públicas e quem quiser também pode dar sugestões pelo fórum online. Com a ajuda das informações colhidas das discussões nessa fase, a Comissão de Graduação (CG) da Poli vai traçar diretrizes que, se aprovadas pela Congregação (entidade que reúne em sua maioria professores, mas também alunos e funcionários da unidade), orientarão o processo de reformulação da grade de cada curso.
A reformulação será promovida pelos professores e alunos da graduação e também estará sujeita à aprovação da Congregação para, enfim, ser posta em prática. Segundo Cardoso em 2012, já deverão ser aplicadas pelo menos as reformas do primeiro ano.
Autor: USP OnLine