Enquanto em algumas regiões brasileiras ocorrem alagamentos, inundações e rupturas de encostas naturais em consequência de intensas e frequentes chuvas, em outras, secam nascentes, falta água para a agropecuária e mesmo para o suprimento das necessidades da população. Embora a natureza tenha seus caprichos, boa parte desse quadro ocorre não apenas por causa de fatores climáticos, mas também devido à falta de gestão socioambiental. O uso adequado dos recursos hídricos, dizem os especialistas, é capaz de, pelo menos, amenizar o problema.
Partindo dessa premissa, engenheiros civis da Universidade de Brasília (UnB) desenvolvem um projeto amplo de estudo e elaboração de uso eficiente da água da chuva. Parte do projeto — intitulado Estruturas de infiltração da água da chuva como meio de prevenção de inundações e erosões — já foi concluído e originou duas cartilhas educativas, uma sobre erosão e a segunda, lançada recentemente, sobre infiltração (a absorção da água pelo solo).
No material, são apresentadas várias soluções que podem ser adotadas em casas, prédios, condomínios e cidades (veja abaixo). Bacias de detenção, ou espelhos d’água, podem, por exemplo, regular a vazão da água da chuva perto dos edifícios, além de ajudar a umedecer o ambiente em épocas de seca. Outro exemplo muito eficaz são as trincheiras de infiltração. Feitas de materiais simples, como garrafas PET, brita, areia e tubos, colaboram para que a água inflitre na terra, diminuindo as chances de alagamentos.
Um dos focos do programa é estimular o estudo da cartilha nas escolas, buscando criar nas crianças uma maior consciência ambiental. “As crianças são as principais multiplicadoras desse conhecimento. Além de cobrar em casa e dos amigos as melhorias e a consciência ambiental, elas levam para a vida inteira esse conhecimento”, opina a pesquisadora e mestre em engenharia civil da Universidade Federal de Goiás (UFG) Eufrosina Terezinha Leão Carvalho, que atualmente faz doutorado na UnB.
As cartilhas são apenas uma parte do projeto, iniciado em 2005. Desde então, os pesquisadores estão avaliando como ocorre a infiltração em três cidades do país: Brasília, Goiânia e Boa Vista. Nesses locais, os engenheiros estudam as características do solo para, a partir daí, elaborar metodologias que possam ser usadas pela construção civil para impedir o acúmulo excessivo de água nas cidades.
“A ideia é criar um banco de dados de como ocorrem as infiltrações em solos distintos. Dessa forma, poderemos fornecer informações mais precisas de como as bases das construções devem ser feitas, para que se tenha ganho de infiltração, minimizando a impermeabilização das construções urbanas”, resume Joseleide Pereira da Silva, engenheira civil e especialista em geotecnia.
Mudança
O engenheiro geotectônico da UnB José Camapum, autor da cartilha sobre infiltração com Ana Cláudia Lelis, explica que enchentes e secas estão associadas não só aos ciclos climáticos e suas mudanças, mas também à interferência do homem no meio ambiente. A ocupação desordenada do solo e seu uso inapropriado contribuem para reduzir a taxa de infiltração. As consequências são, por um lado, alagamentos, inundações e erosões e, por outro, a falta de recarga dos aquíferos (1) e lençóis freáticos e a alteração do ciclo das águas, que acabam propiciando longos períodos de estiagem. “Logo, existe uma íntima relação entre as práticas do homem, as inundações e as secas. Essa situação podemos mudar”, salienta o pesquisador.
Todos os anos, alguns pontos de Brasília são inundados no período de chuva. Ruas e passagens ficam alagadas, impossibilitando o tráfego. O problema, de acordo com os especialistas, pode ser resolvido de maneira simples. “A solução seria utilizar trincheiras, que podem ser feitas de garrafas PET, pneus e entulho de construção, ou valas de infiltração no caminho que a água percorre”, revela Eufrosina Carvalho. Ela lembra que, em Ceilândia, o uso de bacias de sedimento para regular o escoamento de águas pluviais tem obtido bons resultados para frear processos de erosão.
Os engenheiros defendem a importância da adoção de medidas de uso inteligente dos recursos hídricos. Dois terços da superfície terrestre são cobertos por água, mas estima-se que menos de 1% é própria para uso humano. Cerca de 3% das reservas do planeta são de água doce, sendo quase a totalidade subterrânea. Com os problemas que desequilibram o ciclo hidrológico, tornam-se cada vez mais preciosos o armazenamento e reuso das águas. “Como forma preventiva, é necessário pensar no chamado princípio de gestão eficiente das águas urbanas, que busca desde a preservação dos mananciais ao aproveitamento das águas da chuva e reuso das águas servidas”, explica Camapum. Para a preservação dos mananciais, é fundamental a proteção das matas ciliares e a garantia de boa parcela de infiltração, possibilitando a recarga dos aquíferos que os alimenta. A parcela de água não infiltrada deve ser armazenada e aproveitada para diferentes usos domésticos e industriais. “O reuso das águas servidas contribui para a preservação ambiental, reduzindo a demanda nos aquíferos e reservatórios”, afirma o engenheiro.
1 – Subterrâneo
O aquífero é um grupo de rochas porosas e permeáveis, capazes de reter e ceder água. A maior parte do reabastecimento dos aquíferos é feita pelas águas das chuvas, em pontos onde a reserva de água chega à superfície, e pelo contato com os rios. Em alguns casos, as reservas subterrâneas fornecem água para rios; em outras, ocorre o processo contrário.
Autor: Correio Braziliense