A universidade brasileira pode se tornar um elo eficiente na cadeia de tecnologia e inovação.
Mas para isso, além de formar pesquisadores em seus programas de pós-graduação, ela precisará começar a formar desenvolvedores, cujo perfil é mais adequado para as necessidades das empresas.
O ponto de vista defendido pelo engenheiro José Ellis Ripper Filho, presidente da AsGa S.A. (Soluções em Telecom), foi um dos destaques da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), realizada de 26 a 28 de maio, em Brasília.
Exemplo bem-sucedido de migração da academia para o mundo empresarial, Ripper fundou a empresa em 1989, quando era professor titular no Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A AsGa teve diversos projetos de pesquisa apoiados pela FAPESP por meio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), especialmente para o desenvolvimento de tecnologias de transmissão em redes de fibras ópticas.
Cientistas versus inovadores
Segundo Ripper, a cultura da pós-graduação no Brasil se concentra na formação do pesquisador individual e, eventualmente, em um líder de pesquisas. Mas, afirma ele, as empresas não querem pesquisadores e sim desenvolvedores.
“São cabeças diferentes, formadas por culturas diferentes. O desenvolvedor é alguém que ajuda a equipe a resolver o problema. O trabalho de equipe é inerente ao desenvolvimento de produtos, de tecnologias e de processos. Não interessa à empresa apenas uma mente brilhante capaz de achar a solução sozinha, mas sim um indivíduo capaz de ajudar a equipe a resolver o problema”, disse.
De acordo com Ripper, a cultura do pesquisador é altamente eficiente para as necessidades da universidade, onde a missão principal é formar recursos humanos e, consequentemente, a orientação de alunos é fundamental, mas não para as empresas, onde a atividade de desenvolvimento de produtos é inerentemente uma atividade coletiva. Mesmo em carreiras vistas como mais afeitas à inovação, a diferença cultural se manteria.
“A universidade tende a formar gente à sua imagem e semelhança, mesmo nas carreiras menos especulativas e mais aplicadas. Se tomarmos como exemplo a pós-graduação em engenharia nas duas maiores universidades paulistas, veremos que elas formam essencialmente pesquisadores de engenharia e não engenheiros. Isso não significa que alguns não se transformem em engenheiros, mas, do ponto de vista da universidade, ser pesquisador é visto como algo mais nobre”, disse.
Mestrado empresarial “é bobagem”
A opção do mestrado empresarial, no entanto, não seria uma boa solução. “É bobagem. O que precisamos para a empresa em termos de conteúdo é o mesmo que precisamos para a pesquisa: formação sólida. A diferença não está no conteúdo, mas na forma da tese,” afirmou.
Para Ripper, embora não seja incomum que pesquisadores se tornem desenvolvedores, é difícil mudar a cultura das universidades para estimular essa transformação.
“As instituições têm vocações mais rígidas do que as pessoas. Embora muitos pensem que a pesquisa e a prestação de serviços sejam objetivos da universidade, essas são apenas atividades meio para seu objetivo único, que é a formação de recursos humanos. Mas elas formam profissionais que vão passar 95% de sua vida lidando, nas empresas, com conhecimento que ainda não existe enquanto elas cursam a universidade”, disse. Então não adianta inserir conteúdo prático e achar que é isso que as empresas querem.
Ênfase no desenvolvimento
Enquanto a universidade se dedica fundamentalmente à pesquisa, a empresa de porte médio só está interessada no desenvolvimento, segundo Ripper. “A ênfase da universidade na pesquisa a torna muito eficiente durante a fase especulativa de um projeto. É nessa fase que se pode gerar teses”, afirmou.
Outra característica da universidade é o baixo risco relacionado às pesquisas.
“A formatura proporciona um fim natural às pesquisas. O doutorado termina e as ideias que foram levantadas ali podem ser abandonadas sem nenhum processo traumático. Em outras organizações, empresas ou institutos de pesquisas, não há 'formatura', portanto abandonar um projeto é visto como um fracasso, aumentando o risco de iniciar um projeto especulativo”, afirmou.
Autor: Fábio de Castro – Agência Fapesp