O surpreendente reconhecimento, por parte de quatro funcionários da mineradora anglo-holandesa Rio Tinto PLC, de que aceitaram propinas, deu destaque ao confuso mundo do comércio de minério de ferro na China, o qual oferece amplas oportunidades para atividades inescrupulosas.
Em países ricos em recursos, as empresas de exploração por vezes sofrem pressão para dar propinas — com frequência em troca dos direitos de extração. Na China a corrupção costuma agir no sentido oposto. Os funcionários do caso Rio Tinto, inclusive Stern Hu, que tem nacionalidade australiana, estão sendo acusados de receber suborno.
Há pouca oferta no momento de minério de alto teor de ferro na China, os preços do frete são extremamente voláteis e mais de 800 pequenas siderúrgicas chinesas competem para comprar o metal e atingir suas elevadas metas de produção. A dificuldade de garantir suprimentos a preços previsíveis abre a porta para o suborno.
Ontem de manhã o tribunal de Xangai acabou de ouvir os testemunhos sobre o suposto suborno, mas autoridades do consulado australiano e advogados não quiseram dar detalhes. A segunda metade do caso, que deve terminar hoje, será fechada a espectadores. Ela se relaciona a alegações de que os quatro executivos roubaram segredos comerciais. Nenhuma acusação ou resposta foi tornada pública.
A Rio Tinto negou irregularidades de seus empregados, mas não tratou de detalhes do caso. Ela solicitou de maneira genérica que o julgamento fosse transparente.
Poucos detalhes vieram a público sobre a maneira como o suposto suborno foi organizado, tais como a identidade de quaisquer co-conspiradores dos executivos, ou quando as atividades ocorreram.
O que se sabe é que no primeiro dia do julgamento, segunda-feira, os promotores alegaram que o equivalente a US$ 11,25 milhões em propinas foram aceitos pelos funcionários da Rio Tinto, segundo advogados que assistiram às sessões. Esse número corresponde a um terço das vendas de um único dia em 2009 na China, onde a Rio Tinto obteve, segundo divulgou, US$ 10,69 bilhões em faturamento, ou 24% do seu total mundial.
A China também acusa os executivos de roubarem segredos comerciais. Esse aspecto do caso, que deve ser concluído hoje, é fechado ao público.
Entre os quatro réus está Hu, que nasceu em Tianjin, na China. Ele foi contratado para administrar as vendas de minério de ferro da Rio Tinto no norte do país em meados dos anos 90, tornou-se cidadão australiano em 1997 e cerca de quatro anos depois assumiu o comando da equipe nacional de vendas da mineradora. Dois dos outros três cidadãos chineses, tais como Hu, questionaram as acusações, inclusive as quantias dos supostos subornos e a caracterização das ações, segundo advogados. O quarto e último executivo não questionou as alegações, disse seu advogado
Membros da equipe de vendas de minério da Rio Tinto recebem salários fixos e bônus com base no desempenho da empresa, e não o individual.
Declarações de culpa por parte dos executivos podem ser uma tática usada no tribunal a fim de ganhar a simpatia, segundo analistas legais. Estes afirmam ser improvável que os quatro escapem de uma punição. Poucos casos na China que chegam a julgamento terminam em absolvição, e o máximo que o acusado pode esperar é menos severidade na sentença.
Os negócios da Rio Tinto na China colocam seus executivos face a face com a maior indústria mundial do aço — são mais de 800 empresas que produzem, juntas, cerca de 40% do total mundial. Nenhuma delas tem mais de 5% do mercado nem tem muito poder de fogo para negociar com fornecedores de minério de ferro — uma rocha metálica negra ou vermelha que é a matéria-prima básica do setor. O minério extraído na Austrália pela Rio Tinto tem elevado teor de ferro e está em grande demanda.
A China gastou US$ 50,14 bilhões importando minério no ano passado, mais que qualquer outro país. O governo reconhece que não tem sido capaz de negociar preços, comprar de maneira sistemática nem alocar o minério com eficiência.
Até recentemente, os preços mundiais do minério eram fixados em negociações anuais bem estabelecidas, com altas quantias em jogo, entre os vendedores e seus principais clientes no Japão e na Coréia do Sul. Esse sistema de preços de referência foi prejudicado pela explosão da demanda por parte da indústria siderúrgica chinesa, muito difusa. Hoje muitas siderúrgicas chinesas procuram os vendedores diretamente para negociar preços, e já frustraram várias estratégias por parte do governo de transformar a demanda nacional em poder de barganha.
Há esforços para reestruturar o sistema global de fixação de preços. Mas na China a competição brutal e a incerteza quanto aos preços deixam as siderúrgicas lutando entre si pelo acesso ao minério.
Diante das pressões relacionadas, os fornecedores e seus agentes estão interessados em garantir que os contratos de vendas sejam, de fato, honrados.
O minério pode demorar 45 dias para chegar à China vindo da Austrália, Brasil, Índia, Mauritânia e um punhado de outros países onde é extraído. Durante esse período o preço fica sujeito à volatilidade, inclusive no custo do frete e dos atrasos inesperados na descarga nos portos. Uma carga de 150.000 toneladas pode ficar sujeita a negociações enquanto é levada de porto em porto, e os pequenos acréscimos em dólar por tonelada acabam constituindo quantias vultosas. Nesse sistema caótico, os compradores às vezes recorrem ao suborno dos vendedores
“Você paga ao comprador para comprar a mercadoria, mas o comprador também vai cuidar de você”, diz um corretor de minérios baseado em Xangai que negociou bastante com minério de ferro e diz que já testemunhou numerosos acordos corruptos.
Em uma situação de suborno descrita pelo corretor, um possível comprador pode dizer ao representante de um possível fornecedor que vai lhe pagar, pessoalmente, US$ 2 por tonelada que for vendida a um certo preço. “Isso é, em essência, um suborno”, diz o corretor.
Em outros casos os agentes podem concordar em alterar as faturas, ou oferecer mais minério do que o comprador pediu, dando ao funcionário uma chance de negociar o produto privativamente.
No Índice de Percepção da Corrupção de 2009 elaborado pelo grupo de vigilância Transparência Internacional, a China ficou em 79o lugar em uma lista de 180 países, atrás do Brasil e do Peru, mas à frente da Índia e da Tailândia.
Situações legais nebulosas não são novidade para a mineração mundial. Agora que os recursos em países tradicionais de mineração estão começando a diminuir, as empresas vêm procurando novas fronteiras para seu próximo projeto de grande escala. Essa procura aumentou os riscos associados a governos instáveis: conflitos étnicos, fraqueza do estado de direito e regulamentos ambientais permissivos. Todos esses fatores já envolveram as mineradoras em polêmicas e conflitos.
Nos últimos anos a Rio Tinto e sua principal concorrente, a também anglo-australiana BHP Billiton Ltd., vêm procurando modificar sua cultura corporativa para protegê-la de subornos, em parte ao dar ênfase às melhores práticas.
Durante o julgamento desta semana, executivos da Rio Tinto ressaltaram um código de ética, exibido com destaque no site da empresa, que inclui normas contra o suborno, incluindo traduções para o chinês. Mas além das idiossincrasias do comércio de minério de ferro, a China é um país difícil para se monitorar os executivos.
“Companhias como a Rio Tinto dependem muito de pessoas como Stern Hu, que foram educados na China ou são cidadãos chineses, que compreendem a complexidade cultural do sistema”, disse Pradeep Taneja, que leciona negócios e política chinesa na Universidade de Melbourne, na Austrália, e é ex-consultor da indústria siderúrgica chinesa.
Autor: The Wall Street Journal