Brasileiros criam tecnologia inédita de texturização de metais

O processo inédito, já patenteado, terá implicações na indústria automobilística, espacial e eventualmente até na fabricação de melhores próteses e implantes

Um processo de modificação de rebolos de usinagem, desenvolvido na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP), é capaz de imprimir micromarcações em peças metálicas, aumentar a lubricidade de eixos mecânicos e ampliar a vida útil dessas ferramentas.

O processo inédito, já patenteado, terá implicações na indústria automobilística, espacial e eventualmente até na fabricação de melhores próteses e implantes.

Trata-se de uma nova técnica de dressagem (do inglês dressing), uma espécie de afiação do rebolo na qual o disco abrasivo é desbastado e recondicionado.

O desenvolvimento fez parte dos projetos de doutorado de Thiago Valle França e de iniciação científica de Alex Camilli Bottene, orientados pelo professor João Fernando Gomes de Oliveira.

Retificação temporizada

A retificação é um processo de usinagem que consiste em desbastar uma peça por meio do contato com um rebolo abrasivo. Com o uso, a superfície do rebolo sofre um desgaste e precisa ser desbastada. Isso é feito com a dressagem, que utiliza uma ferramenta ultradura de diamante.

O que o grupo de pesquisa fez foi introduzir uma vibração controlada durante a dressagem. A ferramenta de diamante penetra e sai do rebolo em intervalos de tempo predeterminados e controlados por um software. O resultado é a impressão de microgeometrias na superfície do disco abrasivo.

As microssaliências passam à superfície da peça que o rebolo usinar, formando microssulcos. Essas pequenas reentrâncias fazem o material usinado absorver melhor o óleo lubrificante e mantê-lo na superfície, melhorando seu desempenho e o rendimento da retificação.

Eixo virabrequim

Uma possível aplicação do processo está nos chamados mancais hidrodinâmicos, que apoiam eixos – componentes que devem estar constantemente lubrificados. O eixo virabrequim de um automóvel, por exemplo, tem as suas dimensões calculadas com o objetivo de manter um filme de óleo em sua superfície, a fim de permanecer sempre lubrificado.

Se a lubricidade do eixo é aumentada, suas dimensões podem ser reduzidas, o que poderá ser muito útil para a indústria automotiva. “É importante salientar que o virabrequim representa mais de 50% da massa total das peças móveis internas em um motor”, disse Oliveira.

O professor ressalta que, com um virabrequim mais leve, o motor precisará de menos energia para acelerar, gerando economia e melhorando o seu desempenho.

Mancais hidrodinâmicos

França lembra que as turbinas de aviões também contam com mancais hidrodinâmicos e que os benefícios levados aos motores automobilísticos poderão ir para as aeronaves.

“O peso dos componentes é muito importante na aviação”, disse. Segundo ele, a tecnologia proporcionaria economia e melhoria de desempenho também para a área da aviação. Várias outras áreas que também utilizam mancais hidrodinâmicos também poderiam se beneficiar.

Códigos de barras em metais

A impressão de padrões geométricos nas superfícies é apenas uma das aplicações dessa técnica. “Podemos inscrever códigos de barras, números de série ou desenhos específicos”, disse Oliveira.

Um detalhe importante é que a impressão não altera a geometria da peça e não compromete a sua funcionalidade, características preponderantes para a usinagem de peças que exigem precisão.

Ferramentas de desbaste ou de acabamento

Há ainda uma terceira aplicação do novo sistema de dressagem à qual França agora se dedica: a otimização do processo de retificação.

Rebolos são similares a lixas: os de grãos maiores servem para maior retirada de material; os de granulação mais fina são aplicados em acabamentos e promovem menor desbaste.

“Com desenhos específicos impressos em rebolos de grãos médios, por exemplo, podemos utilizá-lo como se fossem uma ferramenta de desbaste ou de acabamento, aumentando a flexibilidade do processo”, disse França.

Isso pode gerar economia ao permitir a compra de rebolos mais baratos a fim de adaptá-los e também ao aumentar a vida útil das ferramentas, modificando-as para novas funções.

Atuador piezelétrico

O pesquisador está agora aperfeiçoando o processo de dressagem que hoje é feita por um equipamento chamado shaker (chacoalhador, em inglês), que movimenta a ponta de diamante a partir de comandos do software desenvolvido pela equipe.

A intenção, segundo ele, é incorporar um atuador piezelétrico aos equipamentos. “Com ele conseguiremos maior precisão, além do controle de profundidade dos sulcos”, disse,

No processo atual, os sulcos são feitos a uma profundidade única, em torno de 15 micrômetros (0,015 milímetros). Com um software mais detalhado, associado ao novo equipamento, será possível aumentar a resolução de textura, multiplicar por dez a densidade atual das reentrâncias e conseguir sulcos de diferentes profundidades chegando até 50 micrômetros, segundo os pesquisadores.

“Isso deverá aumentar ainda mais o leque de aplicações da tecnologia”, disse Oliveira.

Próteses metálicas

A pesquisa incluiu uma cooperação de trabalhos com a Universidade de Hannover, na Alemanha.

“Na universidade alemã, a texturização é feita por meio de outros processos, como torneamento e fresamento”, disse Bottene, ressaltando que o processo brasileiro envolvendo a retificação ainda é inédito. Por isso, já foi feito um pedido de depósito de patente do processo de dressagem do rebolo.

Por enquanto, as empresas são obrigadas a utilizar métodos bem mais caros para executar a texturização, como lasers e eletroerosão. A troca por um processo de fabricação mais barato poderá refletir no preço dos produtos.

“Uma das aplicações da texturização é a confecção de próteses metálicas que precisam apresentar texturas que combinem com a de ossos e músculos”, disse Oliveira. Esse é mais um campo que poderá se beneficiar da tecnologia desenvolvida em São Carlos.

Autor: Agência Fapesp