Os profissionais de médio e alto escalão das construtoras brasileiras têm vivido em uma panela de pressão. Fora a responsabilidade técnica inerente ao ato de construir, há mais pressa para desengavetar projetos, cobranças para produzir com eficiência e gerar retorno financeiro, sem contar a consolidação das empresas ainda em curso, o que significa uma indústria sujeita a drásticas mudanças. Juntos ou isoladamente, esses fatores desencadeiam estresse, ansiedade e frustrações que causam impactos físicos e emocionais a gerentes e diretores das construtoras. Insônia, pressão alta, irritabilidade e fadiga são alguns dos sintomas apresentados pelos profissionais que sofrem de estresse patológico, doença que, além do desgaste físico e mental, é motivo de afastamentos de executivos e de prejuízos econômicos às empresas.
O estresse pode ser explicado como uma reação do organismo a alguma solicitação que, por princípio, capacidade ou crença, difere daquilo que a pessoa consegue ou quer fazer. “A pressão desmedida acaba fazendo com que os melhores talentos peçam demissão ao identificarem que os princípios da empresa não são compatíveis com os seus”, afirma André Glogowsky, presidente da Hochtief no Brasil (veja boxe com entrevista do executivo). São pessoas que vão buscar satisfação em outra companhia, ou até mesmo, em outra atividade.
Embora construtoras já comecem a dar atenção a essa questão, a tendência é a pressão por resultados aumentar ainda mais. “Até o 4º trimestre de 2009, os investimentos ficaram praticamente estagnados. Agora, é preciso dar velocidade para atender à demanda reprimida”, explica Flávio Staudohar, diretor da Search Consultoria em RH. Com isso, o contexto tem sido de apreensão, ainda mais porque o processo de produção da construção civil possui flexibilidade limitada. É preciso tempo para projetar, lançar, aprovar e construir, o que nem sempre vai ao encontro do imediatismo requerido pelo mercado.
Para dar conta disso tudo, os turnos de trabalho das construtoras acabam sendo sacrificados, períodos de lazer e descanso são negligenciados, levando os profissionais ao esgotamento e, em casos mais graves, a desistirem da profissão. “Horas extras são cada vez mais comuns nos escritórios e, nas obras, é muito comum vermos engenheiros que passam 12 horas seguidas em um canteiro contornando problemas. Isso não é satisfatório para ninguém”, comenta Salvador Benevides, que por muitos anos atuou diretamente em construtoras, mas que agora dirige uma empresa fornecedora de fôrmas para concreto, a Formaplan.
Além da corrida para atender aos prazos e não comprometer a qualidade, a pressão por preços baixos, a carência de mão de obra e as perspectivas de novas fusões e aquisições no mercado nacional têm pressionado muitos gestores. “Atualmente, muitas empresas têm sido obrigadas a reestruturar departamentos, equipes e projetos, gerando ainda mais ansiedade e desmotivação nas pessoas”, comenta José Roberto Castro, sócio-diretor da Metropolitana RH.
Esmagamento em cadeia
Uma das principais causas de tensão para os executivos da construção civil tem sido o despreparo da mão de obra operacional. “A base da pirâmide deve sustentar o topo, o que não está ocorrendo já há algum tempo”, lamenta Benevides.
Para complicar, os preços caíram exponencialmente, motivando práticas de mercado predatórias que só servem para tornar a situação dos gestores ainda mais difícil, segundo Benevides. Afinal, sempre que há pressão para redução de preços ou prazos, está-se criando um fator de estresse. “Esse mal está se espalhando por toda a cadeia, tanto que é muito difícil destacarmos qual é a posição mais suscetível a tais pressões dentro do organograma das empresas”, avalia o diretor da Formaplan.
Ainda que de forma velada, a pressão ocorre também porque o contratante acaba querendo determinar o quanto quer pagar e exigindo em quanto tempo quer a obra. Para André Glogowsky, esse tipo de conflito entre os anseios do contratante e a capacidade de resposta das áreas técnicas é um dos embates mais desgastantes na gestão de uma construtora.
Além das manifestações físicas e psicológicas nos indivíduos, esse estado de nervos se reflete em um clima organizacional ruim, que por sua vez leva à perda de talentos por parte das empresas.
Um destino comum para profissionais infelizes e que percebem estar perto de um colapso tem sido abandonar a construção em busca de oportunidades em outros setores da economia, até como forma de adquirir novos conhecimentos e de se colocar em novos desafios. Outra opção recorrente tem sido aproveitar o conhecimento adquirido ao longo dos anos a serviço de empresas fornecedoras. “Nesses casos, o estresse ainda existe, mas certamente é menor, já que as interfaces e a quantidade de insumos a administrar em uma empresa fornecedora é bem menor do que em uma construtora”, revela Salvador Benevides.
Em um momento em que o mercado carece de talentos, essa movimentação pode ser bastante crítica. Para o consultor Flávio Staudohar, a gestão de recursos humanos é um calcanhar-de-aquiles conhecido da construção civil, que precisa de solução, se a indústria quiser ser capaz de produzir na intensidade desejada. Ele explica que a retenção de colaboradores passa pela criação de condições que ofereçam às pessoas perspectivas de carreira, de aprendizado e, principalmente, de reconhecimento.
Mas ainda que não seja possível eliminar por completo o estresse dentro das construtoras, pequenas atitudes podem ajudar a amenizar sofrimentos. Promover a prática de esportes e de atividades de lazer são algumas delas. Investir em gestão de conhecimento, implementar mecanismos de valorização dos profissionais e, principalmente, um sistema de bonificação equilibrado, também tende a surtir efeitos positivos nas pessoas.
O mais importante é que as práticas comecem pelo board das empresas, por exemplo, com respeito ao planejamento preestabelecido, com a criação de disciplinas para que as reuniões sejam produtivas, impedindo que os executivos vendam suas férias e rompendo com a cultura de exigir prazos nos quais ninguém acredita e descontos impossíveis. “Na França, a indústria automobilística teve que se ajustar após a ocorrência de uma série de suicídios. Esperamos que as empresas brasileiras ajam rápido e não esperem esse tipo de tragédia acontecer para mudar suas atitudes” , conclui Glogowsky.
Autor: Construção e Mercado