Nos últimos dez anos, o Brasil recebeu cerca de 57 milhões de raios e 1.321 pessoas morreram vítimas desse fenômeno natural. Esses números, reunidos pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), colocam o país no topo da lista mundial de incidência de descargas atmosféricas e indicam que o fenômeno está aumentando.
O aumento no número de raios pode estar relacionado com alterações no clima do planeta. Pesquisadores estimam que cada grau a mais registrado na temperatura global pode ocasionar um aumento de 10% a 20% na incidência de raios. Mas, por enquanto, isso é apenas uma hipótese.
Fazer um amplo estudo sobre os fatores climáticos que podem afetar a ocorrência de raios no país é a proposta do Projeto Temático “Impacto das mudanças climáticas sobre a incidência de descargas atmosféricas no Brasil”, apoiado pela FAPESP. Iniciado em dezembro passado e com previsão para durar até o fim de 2013, a pesquisa é liderada por Osmar Pinto Júnior, coordenador do Elat.
Segundo o pesquisador, a motivação do trabalho surgiu em 2007, após uma conferência do Painel Interngovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas. “No encontro, foi levantada a hipótese de que os raios aumentariam o efeito estufa ao provocar mais incêndios em florestas, que por sua vez liberariam mais dióxido de carbono, alimentando um ciclo contínuo”, disse.
O que incomodou o grupo do Elat foi não haver evidências conclusivas para confirmar ou derrubar a hipótese, nem dados sobre a relação entre mudanças climáticas e o aumento no número de raios.
Para investigar a questão, o projeto tomará como base três fontes principais de dados: a Rede Integrada Nacional de Detecção de Descargas Atmosféricas (Rindat), informações de satélite e registros do número de dias de tempestade. “Cada uma dessas fontes tem vantagens e desvantagens que devem ser consideradas”, disse Pinto Júnior.
Segundo ele, a Rindat oferece informações precisas, mas a rede mudou ao longo do tempo e, por isso, há dados de tipos diferentes a analisar. Além disso, o sistema é recente, tem apenas dez anos, e cobre apenas parte do país – as regiões Sul e Sudeste e parte do Centro-Oeste.
Do espaço, serão coletados dados pelo satélite Tropical Rainfall Measuring Mission (TRMM, ou, em português, “missão de mensuração de chuva tropical”), que apresenta cobertura nacional e informações uniformes ao longo do tempo. Mas, assim como a Rindat, o TRMM tem um acervo de apenas dez anos de coleta, o que é pouco para fazer associações históricas.
Outro porém do satélite é sua órbita. Por circundar todo o planeta, o TRMM não monitora o Brasil o tempo todo, o que provoca lacunas de informação quando o equipamento está sobre outras áreas do mundo. O ideal, segundo Pinto Júnior, é que o satélite fosse geoestacionário, ou seja, que permanecesse em cima do país.
A terceira fonte de dados para a pesquisa, os registros de dias de tempestade, oferece as mais antigas informações sobre incidências de raios no Brasil. Os primeiros registros datam de 1780 na cidade do Rio de Janeiro.
“Apesar da longa cobertura, os registros não são constantes e apresentam várias lacunas ao longo desses mais de dois séculos de registros. Alguns trabalhos de monitoramento foram simplesmente abandonados após alguns anos, porque não se imaginava que o clima mudaria”, disse Pinto Júnior.
Para os analistas da época, o levantamento feito ao longo de 10 ou 15 anos poderia ser extrapolado e valeria indefinidamente, uma vez que o clima seria sempre estável, segundo se imaginava.
“Colher dados dessas notações também é uma tarefa difícil. Elas relatam dias de tempestade e não necessariamente raios. Portanto, muitos dados têm de ser inferidos, sendo medidos indiretamente. Sem contar que várias anotações são subjetivas e não apresentam o rigor e o padrão das observações atmosféricas atuais”, explicou Pinto Júnior.
Para analisar essa montanha de informações, o Inpe dispõe de parcerias com quatro instituições dos Estados Unidos: a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) e a Universidade do Arizona. “Os pesquisadores dessas instituições vão discutir conosco as interpretações dos dados”, disse.
Novos sensores
Outro braço do Projeto Temático pretende aprimorar a rede de monitoramento de raios no Estado de São Paulo. Novos sensores detectarão também os raios intranuvens, que passam de uma nuvem a outra. Os sensores atuais só detectam as descargas que descem ao solo.
“Ao mesmo tempo, a ampliação da Rindat deverá melhorar a qualidade dos dados. Com 53 sensores atualmente espalhados pelo Brasil, a rede deverá instalar seis novos equipamentos de detecção este mês, no Mato Grosso. Com eles, a região Centro-Oeste será totalmente monitorada”, disse Pinto Júnior.
O pesquisador indica que existe uma previsão de que a região Nordeste esteja coberta com sensores até o fim de 2011. E há esforços para levar estações também ao Norte do país, que apresenta desafios logísticos devido à sua grande extensão e à vegetação amazônica.
A densidade dessas redes de detecção de raios é fundamental para a qualidade das informações coletadas. “O alcance de cada sensor é de 600 quilômetros, mas é importante que cada raio seja registrado por mais de um equipamento para que a qualidade do dado seja maior”, disse.
Temperaturas oceânicas
Uma relação já traçada pelo Elat é o da temperatura dos oceanos na incidência de raios. O grupo de pesquisa levantou, por exemplo, que os anos em que ocorreram mais mortes por raios, 2001 e 2008, coincidiram com o fenômeno do resfriamento das águas do Pacífico, conhecido como La Niña.
“Sabemos que quando ocorre a La Niña aumenta a incidência de raios nas regiões Norte e Nordeste. Nos períodos de El Niño [aquecimento do Pacífico], as descargas aumentam na região Sul. Já nas regiões sudeste e centro-oeste os efeitos são mais difíceis de serem previstos”, disse Pinto Júnior. Somados esses efeitos explicariam a concentração dos recordes de mortes na temporada da La Niña, segundo ele.
Apesar de notória, a influência da temperatura dos oceanos na incidência de raios não conta com muitos estudos, segundo Pinto Júnior. Além disso, o acompanhamento das temperaturas do Pacífico é muito mais antigo do que as medições feitas no Oceano Atlântico.
Isso se deve a uma questão econômica. Os efeitos causados pelo El Niño e pela La Niña na pesca peruana fizeram com que os pescadores daquele país acompanhassem de perto as oscilações de temperatura do oceano. Há registros de mais de 150 anos e que poderão ser comparados às anotações de tempestades observadas no Brasil.
Como desafio, o Projeto Temático procurará verificar como os raios respondem às temperaturas oceânicas, em especial às do Atlântico. “As tempestades no Brasil, especialmente, devem sofrer grande influência do Oceano Atlântico, mas não há estudos nesse sentido”, disse o coordenador do Elat.
Em mesmo sabendo que oceanos podem provocar precipitações, isso não é suficiente para relacioná-los aos raios. “Não há uma relação direta entre volume de chuvas e raios, como muitos imaginam”, disse o pesquisador, que relata casos de muita chuva e poucos raios e de muitas descargas elétricas com pouca ou nenhuma precipitação.
O projeto ainda pretende ir além da atmosfera e analisar um considerável fator de influência no clima do planeta: o Sol. Em ciclos de cerca de 11 anos aumentam as manchas na superfície solar e com elas o fluxo de radiação lançado pela estrela.
Na Terra, isso é sentido por meio de alterações das partículas da atmosfera. “São elas que facilitam ou não a formação de gelo nas nuvens e os raios só ocorrem quando existe gelo no interior das nuvens”, disse.
Pinto Júnior conta que a próxima ocorrência de aumento das manchas solares está prevista para 2012, ano em que a equipe do Temático poderá aproveitar para analisar o quanto o Sol tem a ver com a incidência de raios no Brasil.
Autor: Agência FAPESP