As leis matemáticas da física funcionam tão bem para os eventos do passado quanto para os eventos do futuro. No entanto, nunca no mundo real a porção de café em uma xícara se desmisturou do leite.
Agora, uma nova teoria pretende oferecer uma nova explicação para este aparente conflito entre a simetria do tempo das leis físicas e a chamada “seta do tempo”, sempre apontando para o futuro, que nós vemos nos eventos cotidianos.
Quando vistos em termos quânticos, os eventos que aumentam a entropia do Universo deixam registros de si mesmos em seu ambiente. Os pesquisadores propõem que eventos que dessem marcha a ré no tempo, indo para o passado, reduziriam a entropia, não podendo deixar qualquer vestígio de terem ocorrido, o que equivale a não terem de fato ocorrido.
Termodinamicamente falando, sempre que dois corpos de temperaturas desiguais são postos juntos, a energia flui entre eles até igualar as duas temperaturas. Associado com essa difusão de calor está um aumento na quantidade conhecida por entropia. Tanto quanto saibamos, o calor nunca flui espontaneamente no sentido inverso, e a entropia do Universo está sempre aumentando.
Reverter a flecha do tempo seria equivalente a diminuir a entropia, por exemplo, se um objeto a uma temperatura uniforme espontaneamente se aquecesse em um ponto e se resfriasse em outros.
O demônio de Maxwell
Em um experimento mental do século 19, um poderoso diabinho chamado demônio de Maxwell foi capaz de realizar uma separação assim para um gás ao conhecer a posição e a velocidade de cada molécula do gás no interior de uma caixa com uma partição.
Usando um obturador em um buraco na partição, o demônio retém as moléculas de alta energia em um lado e permite que as moléculas de baixa energia se juntem do outro lado.
Acontece que o demônio teria de gastar energia e aumentar a sua própria entropia, de modo que a entropia total do Universo continuaria subindo.
Do fluxo de calor para o fluxo de informação
No mundo quântico, o demônio redutor de entropia teria uma tarefa diferente porque, na versão da mecânica quântica da entropia, não é o calor que flui quando a entropia muda, é a informação.
Lorenzo Maccone, da Universidade de Pavia, na Itália, agora descreveu uma outra experiência mental para ilustrar as consequências da redução da entropia quântica.
Uma pesquisadora, Alice, mede o estado do spin de um átomo enviado por seu amigo Bob, que está, em tudo o mais, totalmente isolado do laboratório de Alice. O átomo está em um estado combinado (superposição) de spin para cima e spin para baixo simultaneamente, até que Alice o meça, quando então ele se mostrará para cima ou para baixo.
Do ponto de vista de Alice, seu laboratório ganha um único bit de informação do exterior, que é então copiado e gravado em sua memória e no disco rígido do seu computador. Esta informação que flui do átomo para o laboratório aumenta a entropia, do ponto de vista de Alice.
Maccone argumenta que, como Bob não vê o resultado, do seu ponto de vista o estado do spin do átomo nunca se resolve em para cima ou para baixo. Em vez disso, ele torna-se quantum-mecanicamente correlacionado, ou entrelaçado, com o estado quântico do laboratório. Ele não vê nenhum fluxo de informação e nenhuma mudança na entropia.
Apagando o passado
Bob desempenha o papel do demônio de Maxwell. Ele tem o controle total do estado quântico do seu laboratório. Para reduzir a entropia do laboratório, do ponto de vista de Alice, Bob inverte o fluxo daquele bit de informação removendo qualquer registro do spin do átomo do disco rígido de Alice e do seu cérebro.
Ele faz isso por meio de uma complicada transformação que desentrelaça o estado quântico do laboratório do estado quântico do átomo. Maccone escreve em seu artigo que tal reversão não viola as leis da física quântica.
Na verdade, da perspectiva de Bob, a informação quântica do átomo mais o laboratório de Alice é a mesma quer os dois estejam entrelaçados ou não – não há mudança na entropia como quando se olha de fora.
Irreversibilidade do tempo
Essa reversão poderia acontecer na vida real, afirma Maccone, mas porque o Universo – como Alice – não manteria nenhuma lembrança deles, eles não teriam nenhum efeito sobre como nós percebemos o mundo.
O artigo passa a mostrar matematicamente como este raciocínio se aplica de forma geral, com o Universo tomando o lugar de Alice.
Jos Uffink, da Universidade de Utrecht, na Holanda, aceita alguns aspectos do trabalho mas não está totalmente convencido. “O observador pode muito bem reter uma memória parcial do evento,” depois do processo de redução da entropia, diz ele. Mesmo assim, ele chama a abordagem do artigo de “completamente nova” e as suas conclusões de “surpreendentes”.
Uffink afirma que continua a haver um vigoroso debate sobre a relação entre a informação como uma quantidade física objetiva e a “irreversibilidade” aparente de tantos eventos no mundo ao nosso redor.
Autor: Physical Review Focus