Ao final da apresentação de um novo carro conceito da Toyota no salão do automóvel de Detroit, esta semana, uma jornalista americana perguntou quantas pessoas cabem no veículo. “Cinco”, respondeu o engenheiro chefe da área de desenvolvimento, Soichiro Okudaira. “Puxa, então teremos que emagrecer”, brincou a repórter. A redução do tamanho dos automóveis na América do Norte não é a única estranheza que ronda a 103ª edição do salão de Detroit, que será aberto ao público amanhã. A sucessão de episódios na indústria automobilística dos Estados Unidos, ao longo de 2009, trouxe para Michigan uma exposição de carros americanos totalmente incomum.
Os dias de apresentação da exposição para a imprensa mostraram que os americanos parecem não se sentir muito à vontade com o que que agora têm de mostrar ao público. A começar pelo tamanho dos carros, todos concordam que não há outra saída a não ser diminuir não apenas o espaço físico do veículo, como a Toyota faz com o seu híbrido compacto FT-CH. Mas também a potência dos motores.
Bob Lutz, o vice-presidente do conselho da General Motors, que representa a velha geração da companhia, reconhece que os motores de oito cilindros começaram a desaparecer, dando lugar aos de seis. Lutz conforma-se. O atual cenário, aliás, o remete a 1948, quando ele dirigiu o seu primeiro automóvel, um Fusca, o Beetle para os americanos. “Alcançar a velocidade máxima de 96 quilômetros por hora era muito divertido”, lembra.
Algo muito fora do comum num salão na América do Norte é também observar carros que são velhos conhecidos dos europeus. Caso do Fiesta, da Ford, criado na Europa. Esse carro é novo para o americano. Mas sua tecnologia é já é conhecida até nos países emergentes. Tanto que a filial brasileira será a fornecedora do motor. E a montagem final do modelo será feita por mexicanos.
A Ford está desenvolvendo um trabalho de treinamento dos 4 mil concessionários dos EUA para preparar a rede para vender carros menores. Os vendedores estão recebendo instruções de como devem proceder para explicar o novo conceito para o consumidor.
Os que veem o cenário de maneira positiva recorrem à própria história do setor. Durante uma das mais concorridas entrevistas da abertura do salão, Alan Mulally, presidente da Ford, disse que o conceito de carro compacto nada mais é do que a própria visão que levou o fundador da companhia, Henry Ford, a inventar a linha de montagem como uma maneira de tornar o automóvel acessível.
Neste janeiro, não é apenas o tamanho dos carros expostos que deixou o Cobo Hall, o pavilhão de exposições de Detroit, um pouco com jeito de salão europeu. A presença da Fiat, que agora comanda a Chrysler e ensaia a sua estreia no mercado americano, também provoca estranheza. Soa esquisito, por exemplo, ouvir seu presidente, Sergio Marchionne, ao lado de sua equipe americana, anunciar que a montadora italiana vai desenvolver nova família de modelos para fazer a Chrysler dobrar as vendas.
Se na edição do salão deste ano o futuro da Chrysler foi tratado pelo discurso simplório do executivo italiano, há exatamente um ano, no mesmo local, a Fiat buscou uma forma bizarra de apresentar a picape Dodge Ram: o veículo surgiu no meio de uma manada de gado e caubois a cavalo, soltos, nas ruas que circundam o pavilhão.
A Ford se destaca nesse salão, que revela a primeira investida de Mulally, o homem que veio da Boeing, no segmento dos futuros compactos. Apesar disso, ninguém sabe ainda qual será a reação dos consumidores dos Estados Unidos aos produtos mais econômicos. Todos concordam, inclusive Mulally, que o americano tende a preferir os carros mais potentes quando o preço do petróleo cai.
O estande da GM também já não é o mesmo. Apesar de mostrar pressa para melhorar o desempenho da companhia, o atual comandante, Ed Whitacre, acaba de estrear no setor. Veio da At&T chamado pelo governo americano, agora principal acionista da GM. Além do mais, ele ocupa o cargo interinamente, pois a empresa ainda não anunciou novo presidente.
Em meio a esse cenário, nem mesmo os chineses que prometem entrar com força no mercado americano parecem à vontade no salão. Apesar do esforço, Detroit mostra que a indústria americana começou a reagir, mas ainda não encontrou a nova identidade.
Autor: Valor Econômico