O aprofundamento da calha do Rio Tietê, a principal aposta desta década do governo estadual para evitar o transbordamento do rio, já está no seu limite e atinge atualmente um nível de vazão de água menor do que foi previsto no projeto inicial, apontam analistas. O transbordamento de ontem foi o segundo em menos de três meses. O projeto da calha do Tietê, concluído há quatro anos, já custou mais de R$ 1,7 bilhão.
O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, que trabalhou durante anos no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), diz que o próprio Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), órgão vinculado à Secretaria de Saneamento e Energia do Estado, admite que o limite de vazão da calha do Tietê é menor do que o esperado no início do projeto.
Segundo ele, a informação é do próprio Daee, que ontem não respondeu aos pedidos de entrevista feitos pela reportagem por telefone e por e-mail. Ex-superintendente do Daee, Ricardo Borsari não quis falar sobre o assunto ontem por “questão de ética”.
Para o engenheiro Julio Cerqueira Cesar Neto, do Instituto de Engenharia, há falta de manutenção e de investimento para finalizar o projeto. Ele reforça que o alagamento da Marginal e o alto nível alcançado pelo Tietê não teriam acontecido apenas com o índice pluviométrico registrado ontem. “A calha tem uma capacidade bem menor do que deveria ter.”
Com o alargamento e o aprofundamento da calha, a vazão do rio passou de 650 para 1.188 m³ por segundo. A obra durou 20 anos, mas na metade dela os técnicos já haviam constatado que o projeto estava defasado diante da rápida urbanização registrada no período. Para complementar a obra foram criados os piscinões, com a função de armazenar nas cabeceiras dos afluentes tudo o que chegaria ao rio. Mas dos 134 previstos só 45 foram construídos. “Só voltaria a ter a capacidade inicial se isso tivesse sido feito”, diz Cerqueira. Outro problema, segundo ele, é a falta de manutenção. “Teríamos de tirar por ano mais de 3 milhões de m³ de terra de dentro do rio, e o governo tira apenas 400 mil.”
No mês passado, Álvaro Rodrigues dos Santos participou de seminário do Instituto de Engenharia no qual o presidente do Daee, Ubirajara Tannuri Félix, fez um histórico do projeto da calha. Para o geólogo, é importante levar em conta também outras ações que complementariam o projeto. “O programa oficial de combate a enchentes é incompleto e faltam medidas. É preciso parar com esse negócio de culpar a natureza. Sempre tem uma distribuição de chuva concentrada em alguns dias do ano. É o homem que não leva em consideração características conhecidas da natureza.”
Autor: O Estado de S.Paulo