Piscinão é a ponte de safena de São Paulo”, diz especialista

De 2007 a 2010, a previsão do Governo de São Paulo é chegar a cifra de R$ 755 milhões gastos em obras contra enchentes no Estado, incluindo projetos que já estão contratados. Grande parte desta verba é destinada à construção de piscinões. O último foi entregue na quinta-feira, dia 3, e custou R$ 10,2 milhões aos cofres públicos. Para especialistas no assunto, porém, investir em reservatórios é como jogar dinheiro no lixo, ou na água. 

Piscinão é uma espécie de ponte de safena de São Paulo. Um elemento extremamente prejudicial, que cria áreas pouco integradas”, critica o arquiteto e professor da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Pellegrino, acrescentando que eles inutilizam grandes espaços que poderiam ser aproveitados para a criação de parques e praças, por exemplo.

De acordo com informações do governo, em 11 anos foram construídos 44 piscinões no Estado. Somente na capital paulista, hoje, existem 17 em funcionamento, sendo nove na zona leste; três, na norte; dois, na zona sul e outros três em áreas de divisa com outros municípios, como Santo André e Mauá.

Em uma cerimônia na última quinta-feira, o governador José Serra (PSDB) e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), inauguraram o piscinão Anhanguera, na divisa da capital paulista com Osasco. Com capacidade para 110 mil m³, ele ocupa uma área de 13,4 mil m². Além dos R$ 10,2 milhões recém-investidos, outros R$ 6,2 milhões devem ser colocados na obra até 2010. A prefeitura cedeu uma área de 4 mil m² e a intenção já é ampliar ainda mais o piscinão.

No evento, Serra declarou que “os piscinões são a única opção para amenizar o problema das enchentes em muitas regiões da cidade”. Opinião esta que diverge da tida por especialistas entrevistados pelo iG, que consideram os piscinões apenas uma forma de “remediar aquilo que não foi prevenido”.

“É um remédio usado para intervir em uma situação já dada. Depois de feito, às vezes, é eficaz, mas não previne. Se você pensar em piscinão para combater enchente, cada vez precisará de mais”, afirma a arquiteta urbanista e também professora da USP Raquel Rolnik.

Prova disso foi o caos vivido pela cidade de São Paulo, na tarde de quinta-feira, mesmo dia em que foi inaugurado o novo piscinão. Em três horas de chuva, o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) registrou 47 pontos de alagamento na cidade. Faróis deixaram de funcionar, carros e pessoas ficaram ilhados e o congestionamento chegou a 224 km, segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Diversas casas foram atingidas por deslizamentos de terra e, contando todo o Estado, 15 pessoas morreram.

Investimentos

Procurada pela reportagem do iG, a Prefeitura de São Paulo disse que “nunca investiu tanto no combate às enchentes como agora”. Em 2007, afirma ter gastado R$ 90,4 milhões; em 2008, R$ 100 milhões.

Em 2009, o orçamento previa 129 milhões e, até os primeiros dias de dezembro, R$ 105,8 milhões haviam sido utilizados. Segundo a Prefeitura, este valor corresponde apenas ao que foi usado na conservação do sistema de drenagem da cidade. Outros R$ 180 milhões da Secretaria de InfraEstrutura Urbana foram disponibilizados este ano para a construção de piscinões, canalização de córregos e demais obras emergenciais contra enchentes.

Para os especialistas, mais do que culpar a população por jogar lixo na rua e gastar milhões em limpeza de rios e construção de novas obras, o governo precisa adotar medidas mais drásticas. “São Paulo é cheia de espaços onde poderiam ser colocadas vegetações específicas. Todos os canteiros, praças e rotatórias deveriam ser readaptados para receberem água”, afirma Paulo Pellegrino.

O arquiteto explica também que, como as folhas das árvores absorvem água, uma opção para ajudar na drenagem seria criar grandes “corredores verdes” na capital. Até mesmo as edificações, sempre tidas como vilãs, poderiam colaborar neste processo, segundo ele. “Já é possível criar tetos verdes, que podem ter pequenas alterações para reter e até estocar essa água para o uso. Há materiais de primeira linha que evitam qualquer tipo de infiltração”, acrescenta.

Raquel Rolnik vai além e sugere que, para a cidade deixar de ficar submersa a cada chuva, é preciso uma mudança de pensamento: “a opção é zero de incentivo para a circulação de automóveis e investimento somente no transporte de massa. Adensar a população nas áreas já ocupadas, que, por isso, estão impermeabilizadas. Criar mais programas de moradia popular para evitar a expansão urbana desenfreada e, com isso, o consequente desmatamento”.

Raquel afirma que o modelo de ocupação do solo existente, que “invadiu as áreas de várzea e impermeabilizou tudo que pode”, não se sustentará por muito mais tempo. “São Paulo precisa fazer a opção radical por um novo modelo, que ainda não fez, mesmo já vivendo o caos”.

Autor: Último Segundo