A maior parte da energia elétrica consumida no Brasil é produzida por usinas hidrelétricas. A construção de novas hidrelétricas, entretanto, revela uma opção pelo simples aumento da geração de energia, em vez de tornar mais eficiente o consumo da energia já disponível. Além disso, traz vários e graves problemas ambientais, econômicos e sociais, entre eles, o não atendimento pleno à legislação ambiental.
Essa realidade pode ser observada no projeto de implantação de duas hidrelétricas no rio Madeira, em Rondônia, que, apesar de terem o potencial de injetar grande quantidade de energia no sistema, acrescentam outros problemas à lista tradicional.
Na matriz de energia elétrica brasileira (já incluídas as importações), em 2008, a geração hidrelétrica respondeu por 80% da oferta, a termelétrica por 19,9% e a eólica por 0,1%. Esses dados são do Balanço Energético Nacional, do Ministério das Minas e Energia. Portanto, enquanto os governos afirmam que a matriz elétrica brasileira é “limpa”, os dados mostram que isso não é verdadeira, pois as emissões de metano das hidrelétricas seriam comparáveis às emissões de gás carbônico das termelétricas.
Os dados do empreendimento As grandes usinas já em construção no rio Madeira, ambas no município de Porto Velho, são a de Santo Antônio – 7 km acima da capital de Rondônia – com potência instalada de 3.580 megawatts (MW), e a de Jirau – 120 km acima da primeira – com 3.900 MW. Elas custarão R$ 18,4 bilhões, segundo a previsão inicial.
O Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) foram realizados para as hidrelétricas do rio Madeira, mas esses documentos subestimam os efeitos ambientais e sociais dos dois empreendimentos.
Os problemas começaram já na definição da área estudada. Como não existe uma base de dados consolidada para o rio Madeira, toda a bacia deveria ter sido estudada de maneira aprofundada, mas a análise foi realizada apenas no trecho de 240 km entre Porto Velho e Abunã, em Rondônia.
Assim, a quantidade de informações geradas e analisadas não foi suficiente para dar conta da dimensão e da importância do empreendimento, o que comprometeu os resultados dos estudos de impacto. Dois exemplos de falhas nesses estudos são a revelação recente pela Funai da existência de um grupo indígena (Katawixi) isolado em área próxima à usina de Santo Antônio e a falta de informação correta sobre a possibilidade de alagamentos na Bolívia causados pelas barragens.
Impactos ambientais e sociais Os impactos nas populações das áreas afetadas pelos projetos são amplos.
A implantação das duas hidrelétricas terá forte influência no mercado de trabalho local, pois se espera uma migração de em torno de 100 mil pessoas para a cidade, o que irá gerar maiores demandas por saúde, educação, transporte, moradia, segurança, saneamento básico e segurança social.
Há também outros núcleos urbanos afetados além daqueles citados pelo estudo do EIA/Rima.
Entre eles, Porto Seguro, Engenho Velho e três assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (com cerca de 1.070 famílias), o que demonstra as falhas do levantamento.
O EIA/Rima também não contém dados consistentes sobre os povos indígenas da região. O povo indígena Kaxarari, na área de influência da hidrelétrica de Jirau, sequer foi mencionado, e grupos isolados foram desconsiderados, motivando protesto de entidades socioambientais, indigenistas e dos próprios índios.
As hidrelétricas teriam ainda forte impacto nas áreas da saúde e da educação no município de Porto Velho. No final de 2006, havia no município 211 médicos nas clínicas básicas. Com o aumento previsto de 100 mil habitantes, e para que o município tenha um médico para cada mil habitantes, seria necessário aumentar o número para 480 médicos.
Já o custo para suprir o déficit da educação, considerando a forte imigração, é estimado em R$ 99,7 milhões, valor maior que os R$ 50 milhões anuais que a prefeitura deverá receber das usinas, na forma de compensações (royalties).
Durante a construção do empreendimento, a mão-de-obra será de 1,5 mil trabalhadores, e entre o primeiro e o terceiro anos da construção está prevista a contratação de cerca de 15 mil trabalhadores temporários.
O pico de contratação acontecerá no terceiro ano de obra e terá a duração de apenas três meses.
O que essa massa de trabalhadores fará após esse período? A violação dos direitos de indígenas, ribeirinhos, extrativistas e pescadores tradicionais, decorrente da implantação de hidrelétricas na Amazônia, como as duas em construção no rio Madeira, põe em xeque a sustentabilidade socioambiental e cultural da região.
*Grupo de Pesquisa Energia Renovável Sustentável, (Universidade Federal de Rondônia) e Instituto Federal de Rondônia **Grupo de Pesquisa Energia Renovável Sustentável, (Universidade Federal de Rondônia) e Instituto Madeira Vivo
Autor: *Artur de Souza Moret e Iremar Antônio Ferreira para o Jornal do Brasil