Imagine a seguinte situação: o mercado no qual você atua como engenheiro sofreu um duro baque por conta da crise mundial. Os pedidos dos clientes minguaram e muitas horas de trabalho foram substituídas por estudo e reciclagem. Diante disso, pode-se esperar o pior: a demissão. Denis Keler Lara Oliveira passou por isso no grupo Pöyry, multinacional da área de consultoria e engenharia, com sede na Finlândia, líder no Brasil no atendimento ao setor de papel e celulose, e nem assim viu a cor do bilhete azul.
A carência de pessoal especializado neste setor explica sua permanência. “Suamos a camisa para manter parte do pessoal”, diz Marcelo Cordaro presidente do grupo no país. Com efeito, de uma média de 100 projetos tocados por ano, sendo 85% deles em papel e celulose, a consultoria viu as encomendas caírem 40%. Os cortes de pessoal não-estratégico foram inevitáveis. De 730 funcionários em julho de 2008, sobraram 400, sendo 110 engenheiros. Integrante do seleto grupo dos que foram preservados da degola, Oliveira, 35 anos, formou-se em engenharia química, na Faculdade Química de Lorena, interior de São Paulo, instituição ligada à USP. Além disso, fez pós em engenharia de processos voltada a projetos no Instituto Pró-Engenharia e Arquitetura, de São Paulo.
“É muito difícil encontrar profissional especializado”, diz Cordaro. “Muita gente que temos hoje na casa foi treinada aqui. Alguns acabam contratados por empresas por conta do treinamento recebido”. Manter os especialistas, mesmo na baixa, é fundamental para a Pöyry. Afinal, quando o mercado voltar a demandar projetos é preciso ter gente preparada para tanto. Por enquanto, os negócios ainda estão devagar. “Minha impressão pessoal é que o setor de papel e celulose está retomando o ritmo, mas ainda num pique abaixo do que era antes da crise”, diz o engenheiro. “A normalização deve acontecer em 2010.”
A palavra carência virou lugar comum no Brasil, quando o assunto é engenharia. De uma forma ou de outra, todas as especializações da carreira enfrentam o problema. Tudo tende a piorar diante da constatação de que a economia entrou num ciclo continuado de crescimento, a ser turbinado pelas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (mais de R$ 640 bilhões até 2010), pela Copa do Mundo de 2014 e pelas Olimpíadas de 2016. Dizem os especialistas que a origem desse problema foram os anos de montanha-russa, quando períodos curtos de aceleração era seguidos por quedas do Produto Interno Produto, nas décadas de 80 e 90.
Diante da incerteza do mercado de trabalho, muitos desistiram de investir nesta formação. Outros, simplesmente, se cansaram da profissão e foram parar em outras freguesias. O mercado financeiro foi grande contratador dessa mão-de-obra. A migração, alguns arriscam-se a dizer, muito contribuiu para o alto índice tecnológico do setor bancário brasileiro. Como marco da fase de baixa teve até o caso do “Engenheiro que virou suco”, nome de lanchonete aberta por um profissional desempregado, que fazia questão de ostentar seu diploma na parede.
Hoje, existem cerca de 300.000 estudantes de engenharia no Brasil, sendo que o número de cursos mais que dobrou em oito anos, para 4.770 em todo o Brasil (fonte MEC/2007). O total de formandos, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), atingiu 32.000 em 2007 (último censo). Mesmo que tenha sido cerca de 40% maior que o registrado em 2003, ainda é pouco, na opinião de analistas. Seria preciso formar mais de 50. 000 por ano para tentar equilibrar a demanda.
“No Brasil, há seis engenheiros para cada mil pessoas economicamente ativas, enquanto o ideal seria ter 20”, diz Marcos Túlio de Melo, presidente do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), que congrega as entidades regionais (Crea). Nos Estados Unidos e no Japão, essa proporção é de 25 para cada grupo de mil. Outras comparações também são desfavoráveis ao Brasil. Na Coréia do Sul, há 20 engenheiros em cada grupo de 100 formandos nas universidades. No Brasil, são apenas 8 para 100. No grupo do Bric, a surra também é feia. A China forma cerca de 400. 000 engenheiros por ano, a Índia, 250.000 e a Rússia, 100.000.
Neste cenário e com a economia voltando à carga, a caça aos talentos fica esganiçada. Isso pode ser visto na Michael Page, consultoria especializada na seleção de pessoal de média gerência, com escritórios em São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. Lá, o tempo de ocupação de vagas para engenheiros especializados em grandes obras, produção e obras residenciais populares esta acima da média geral. A boa perspectiva para a economia também vem aquecendo as contratações no setor industrial, incluindo siderurgia e petróleo e gás. Existem mais de 215 posições em aberto, vagas que surgiram em menos de 90 dias. Nenhuma divisão da consultoria possui tantas vagas. “E vai piorar, pois ainda não voltamos aos níveis de demanda pelos profissionais registrados em 2007 e 2008”, diz Augusto Puliti, gerente executivo da firma. “Isso deve ocorrer em cerca de seis meses.”
O engenheiro civil Paulo César Póvoa Inácio, formado pela Escola de Engenharia Mauá, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, em 1996, foi um dos talentos “caçados” recentemente pela consultoria. Contratado no início de outubro, no fim do mesmo mês já ocupava a função de engenheiro residente da Tecnisa, incumbido de tocar a fase de acabamento de duas torres residenciais de alto padrão, no bairro do Tatuapé, Zona Leste de São Paulo. Pelo tempo de casa acumulado em cada um dos três últimos empregos, dá para concluir que o prêmio pela sua “cabeça” só tem aumentado. No último, na construtora Souza Lima, ficou apenas três meses. No penúltimo, foram oito na construtora Even, e, antes, cerca de 12 na Plano & Plano.
Mesmo sem detalhar seus ganhos, Inácio reconhece que as construtoras estão aumentando os salários, como forma de atração. “Hoje, um engenheiro júnior ganha acima do que eu recebia como pleno, em 2002”, diz. Segundo ele, um recém-formado contratado por uma construtora grande chega a receber de R$ 3.800 a R$ 4, 2 mil mensais. “Aos 30 anos, com seis de formado, eu recebia R$ 2,4 mil por mês”. O curioso é que na carreira Inácio também teve seu tempo de desilusão. De 2005 a 2006, trabalhou como analista de negócios da Sociedade Corretora de Álcool (SCA), que reúne 48 usinas em São Paulo, Minas Gerais e Goiás. “Voltei quando o mercado reaqueceu”, diz.
As descobertas realizadas pela Petrobras na camada do pré-sal fizerem com que a empresa atualizasse seus planos de contratação. Nos últimos seis anos, já ingressaram cerca de 25.000 profissionais de todos os níveis e formações. De 2009 a 2013, deverão ser admitidos mais 9.000, elevando o total para 64.000. Ainda não existem detalhes sobre quantas vagas serão abertas para engenheiros. No entanto, a assessoria de imprensa da empresa informou que as carreiras da área devem ser as mais demandadas. Para quem pensa em tentar uma vaga lá via concurso vai aí uma informação importante: a remuneração mínima inicial de um engenheiro hoje é de R$ 4, 8 mil.
Diante da carência de pessoal especializado em petróleo e gás, a Petrobras também atua na qualificação, através do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), do qual é coordenadora e principal financiadora (já aplicou R$ 300 milhões, desde 2006). A empresa fez um diagnóstico e concluiu que vai precisar qualificar mais 207. 643 trabalhadores, até 2013. Das vagas oferecidas nos cursos, 11.970 serão destinadas aos profissionais de nível superior. Em 2010, por exemplo, serão oferecidas 3. 480 vagas nos estados do Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. Quem passa na seleção pública, recebe bolsa-auxílio de R$ 900, 00 por mês, se estiver desempregado. Depois, se quiser trabalhar na Petrobras, terá que prestar concurso. Ou então, bater à porta das dezenas de empresas que atuam no setor e que precisarão desses especialistas. Para o engenheiro que quiser atuar na área, o curso pode ser um excelente passaporte. Segundo a assessoria de imprensa, quem passa pela formação tem 80% de chance de conseguir uma vaga na área.
Investir em programas de estágio e de trainee é uma das fórmulas mais utilizadas pelas empresas na garimpagem de novos profissionais no mercado. Esta receita é seguida pela Schneider Electric, empresa de automação e controle industrial e de distribuição elétrica. Por conta disso, não enfrenta grandes dificuldades para suprir seu quadro de pessoal em São Paulo. O problema maior tem sido encontrar profissionais em outras cidades fora do estado onde está baseada sua operação no Brasil. Não é para menos. Quase 30% dos 800.000 profissionais registrados no sistema Confea estão em São Paulo.
Autor: Valor Econômico