Em janeiro de 2007, foi a “cratera” do Metrô: as obras da futura estação Pinheiros da Linha-4 Amarela cederam, matando sete pessoas. No dia 21 de março de 2008, chegou a vez do Expresso Tiradentes. Parte da construção caiu no final da noite na zona sul de São Paulo. Já na última sexta-feira (13), as vigas de um viaduto do trecho sul do Rodoanel desabaram, destruindo veículos e deixando três motoristas feridos.
Até então estranhos à população, os acidentes de engenharia parecem ter se tornado uma rotina anual das obras públicas de São Paulo. Muito além dos erros de cálculo, no entanto, especialistas ouvidos pelo UOL Notícias apontam a pressa e a inexperiência como as causas de fundo desse problema recorrente.
No caso mais recente, por exemplo, informações de técnicos envolvidos no projeto dão conta de que, internamente, o lote 5 do trecho sul do Rodoanel estava atrasado e demandava um esforço concentrado para se alcançar os prazos de entrega. Isso porque, por conta das chuvas, o serviço de terraplanagem (retificação do relevo) teve que ser refeito ou suspenso diversas vezes, já que a água encharca e movimenta a terra, dificultando o trabalho com o solo. O mesmo não teria acontecido com os demais lotes, que, por contarem com um alto número de vias elevadas, não precisam passar por esse processo.
Não é possível afirmar que a pressa foi a responsável pelo erro que culminou no desabamento, mas acadêmicos conceituados apontam que pressões como essa, exercidas de forma rotineira sobre os engenheiros, podem prejudicar o andamento das obras.
“Os cronogramas são apertados, mas tem que coisa que precisa ser feita com tempo. Isso gera uma ansiedade que pode resultar em falhas. E isso acontece em todos os Estados e esferas de governo”, afirma João Virgílio Merighi, professor-doutor da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Como ele ironiza, o Brasil virou uma nação especializada em obras de três anos e meio. “Veja se temos grandes empreendimentos para se entregar em novembro, em dezembro do ano que vem. Isso não tem”, diz. “Em 2011, teremos uma nova leva de políticos no poder. Pode ter certeza que eles vão novamente propor projetos mirabolantes, mas sempre para depois de três anos e meio, para dar tempo de fazer uso político”, aposta.
Esse modelo de trabalho não influencia somente a execução das construções. Mesmo antes da montagem dos canteiros, a necessidade de se agilizar as etapas gera transtornos que acabam resultando em uso de materiais equivocados e na aplicação de métodos inadequados.
Atuando por mais de 20 anos como perito convidado em investigações do Ministério Público e da Justiça em São Paulo, o professor José Elias Laier detectou essa anomalia nas “dezenas” de obras irregulares que teve que analisar.
“Do ponto de vista jurídico, até que os editais e os projetos são corretos. Mas, inclusive pela pressa, eles são muito mal feitos do ponto de vista técnico. São colocados no mercado sem detalhes”, conta. “Tais quesitos são discutidos depois, dando margem para que as empreiteiras sigam seu interesse, que muitas vezes é economizar em materiais. Além disso, esse tipo de conduta, por deixar especificidades em aberto, deixa a fiscalização muito complicada”, analisa ele, que é professor de Dinâmica das Estruturas da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP).
Despreparo de engenheiros
Em um contexto tão atribulado, a experiência e a qualificação de quem está na ativa faz diferença. Caberia aos profissionais rejeitarem tais pressões, defendendo até o último instante a aplicação do conhecimento técnico correto. O problema é que, como afirmam representantes da categoria, faltam engenheiros no Brasil, especialmente os com larga experiência.
“Temos seis engenheiros para cada mil pessoas economicamente ativas no Brasil. Tal número vai de 12 a 22 nos demais países em desenvolvimento e pula para 18 a 28 no primeiro mundo”, explica Marcos Túlio de Melo, presidente do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea).
Segundo ele, a área viveu uma crise nas décadas de 80 e 90, com um baixo índice de obras sendo feitas, o que desencadeou um processo de desvalorização profissional.
“Há uma autofagia por busca de gente qualificada. As empresas brigam pelas pessoas, já que o mercado está melhorando e temos mais vagas de emprego do que pessoal”, diz. “Não há um planejamento nacional na área da educação tecnológica. As Humanas estão abandonadas nas escolas. Isso tudo pode ser um gargalo para o esperado crescimento do Brasil e, sem dúvidas, pode colocar profissionais despreparados no mercado”, comenta.
Aluizio de Barros Fagundes, presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo (IE), também admite que o excesso de acidentes em obras públicas pode ter como pano de fundo a falta de técnicos experientes.
“Não era para acontecer tantos erros em tão curto espaço de tempo. Estamos emergindo de uma crise de 25 anos na engenharia, que nos deixou com uma carência assustadora de profissionais. Hoje, as construções são feitas ou com gente muito verde, nova, ou com pessoal muito velho, que foi muitas vezes resgatado da aposentadoria por total ausência de outra forma de trabalhar”, avalia.
Segundo Fagundes, é esse contingente de engenheiros com vivência em canteiros que é capaz de ver os pequenos detalhes que estão causando os desabamentos vistos nos últimos tempos. “Tem faltado engenharia nas obras de engenharia. Se não houver um treinamento adequado das pessoas envolvidas, a chance de se cometer uma imperícia é muito maior. Na maioria das vezes, não tem um superior que dê cobertura para o jovem”, diz.
João Virgílio Merighi, do Mackenzie, complementa o raciocínio. Como ele sustenta, boa parte dos centros de formação superior de engenheiros são comandados por docentes sem gabarito para a função e, normalmente, sem um olhar para as novas tecnologias.
“Muitos estão apenas reproduzindo técnicas de décadas atrás, que fazem o aluno decorar o uso de fórmulas, mas não ensinam o porquê das coisas. Com em todas as áreas, a engenharia tem também as suas faculdades caça-níquel”, finaliza.
Autor: UOL