SP quer multiplicar por seis o uso de hidrovias

Servidor público há 42 anos, o secretário estadual de Transportes de São Paulo, Mauro Arce, admite que o estado tem o desafio de diminuir a utilização das rodovias – que hoje representam 93% de todos os modais regionais – para garantir a fluidez do trânsito e de mercadorias. Ele destaca que, embora represente apenas 0,5%, a utilização das hidrovias tem crescido 20% ao ano por ter custo menor de locomoção e por gerar impacto menor ao meio ambiente e pode crescer seis vezes mais. Outro destaque são as dutovias. Segundo Arce, seria inconcebível transportar mais de 5 bilhões de litros de etanol por caminhões. 

Apesar disso, os grandes investimentos da pasta continuam alocados nas rodovias. Segundo o secretário, o percentual do asfalto produzido pelo País usado pelo estado subiu de 15% para 40% nos últimos anos. Arce destaca o Rodoanel como sendo a execução mais importante da sua área e reafirma que o trecho sul será entregue em março próximo. A entrevista com Arce ocorreu em cinco de novembro, portanto não foi abordado o acidente ocorrido na última sexta-feira, quando vigas dessa obra caíram sobre a Rodovia Régis Bittencourt e sobre três veículos, ferindo três pessoas.

O secretário comenta ainda os investimentos em vicinais, aeroportos e na Baixada Santista para atender à demanda originada pela camada de petróleo do pré-sal, em entrevista ao programa “Panorama do Brasil”, comandado por Roberto Müller e com a participação dos jornalistas Sheila Wada, do DCI, e Milton Paes, da rádio Nova Brasil FM. Acompanhe alguns trechos.

Roberto Müller: Secretário, a sua pasta é seguramente uma das secretarias mais importantes, seja pela importância que tem para que as mercadorias possam fluir, seja pelos crescentes desafios. O que já foi superado e o que falta fazer?

Mauro Arce: A secretaria tem um programa extenso, muita coisa sendo feita na região metropolitana. Eu diria que a obra maior é a do trecho sul do Rodoanel, dada a sua importância não só para a cidade de São Paulo como também para a região metropolitana e para as pessoas que chegam pelas nossas rodovias em direção ao Porto de Santos, por exemplo. Essa intervenção deve ser concluída no fim de março do próximo ano. É um investimento pesado, de R$ 4,6 bilhões, e está sendo construído num tempo recorde: começou oficialmente no fim de junho de 2007 e será concluída agora em março. São 60 quilômetros. Hoje, o Rodoanel Oeste já liga a Bandeirantes à Anhanguera, à Castello Branco, à Raposo Tavares, à Régis Bittencourt. E no sul nós vamos ter a integração com o Sistema Anchieta-Imigrantes, que vai levar à Baixada Santista, em particular ao Porto de Santos. Além disso, estamos fazendo intervenções importantes na Marginal do Tietê, ampliando o número de faixas. Hoje já existe lá a via local, a via expressa, e estamos criando uma via central com pelo menos mais três faixas para melhorar a fluidez nessa via tão importante. A ligação Jacu Pêssego Sul vai ligar o ABC Paulista diretamente à zona leste de São Paulo. O trecho norte já foi feito até a Rodovia Ayrton Senna e estamos fazendo agora a ligação em Mauá, onde termina esse trecho sul do Rodoanel, cruzando e entrando na Jacu Pêssego, que é uma importante avenida de São Paulo. Além disso, no interior há um programa importantíssimo pelo qual o governador tem um carinho muito grande, que é a recuperação das vicinais.

Milton Paes: Essa questão das vicinais é uma questão bastante interessante, inclusive no acesso que se tem aos bairros que beiram a Rodovia Anhanguera. Qual o saldo do programa?

Mauro Arce: Nos 645 municípios do estado quase 13 mil quilômetros de estradas municipais foram pavimentados ao longo do tempo, a partir do Governo Franco Montoro, e estavam num estado precário porque as prefeituras não têm condições de fazer manutenção. O governador resolveu recuperá-las, já fizemos mais de 50% do programa e estamos fazendo mais 25%. São quatro etapas. Estamos licitando a quarta etapa de forma tal que no fim do próximo ano toda essa malha estará completamente renovada. Elas são importantes para dar condições para quem mora na zona rural transportar as mercadorias para os grandes centros, para as grandes estruturas rodoviárias. Este programa é aquele pelo qual o governador tem um carinho muito grande. Hoje são 12 ou 13 mil quilômetros e, assim, vai ultrapassar os 16 mil quilômetros recuperados.

Milton Paes: As concessionárias de alguma forma colaboram nesse planejamento?

Mauro Arce: Nas novas concessões, ainda por inspiração do governador, nós introduzimos a obrigação de as novas concessionárias -até porque estão próximas- não refazerem as estradas, mas cuidarem da manutenção. Mais mil quilômetros estão garantidos pelos próximos 30 anos. Os prefeitos podem ficar sossegados que a concessionária vai cuidar dessas estradas e isso vai ser fiscalizado pela nossa agência reguladora, evidentemente sem nenhum pedágio. Há 16 estradas consideradas ótimas pela pesquisa que saiu da Federação Nacional dos Transportes. Do total das ótimas, 15 estão em São Paulo.

Sheila Wada: O senhor citou a obra do trecho sul do Rodoanel como a mais importante da sua pasta. Com a conclusão, quais serão os impactos tanto para a economia do estado como para o trânsito?

Mauro Arce: No caso da Avenida dos Bandeirantes e da Marginal do Pinheiros é onde nós vamos ver o resultado mais sensível. Nós esperamos redução de 40% de caminhões. E eles passam aqui não porque queiram passar, mas por falta de opção. O Rodoanel vai dar essa opção. Aí a prefeitura vai regulamentar, a partir da possibilidade de um caminho alternativo, que é mais rápido, que tira toda a interferência de algum acidente com esses veículos, pois acidentes são muito frequentes e paralisam a cidade por longo tempo. Além do ganho de tempo que se dará.

Roberto Müller: Só na área rodoviária, quanto a sua secretaria já investiu desde o início do governo?

Mauro Arce: Olha, o investimento é muito pesado. Só no caso do Rodoanel são R$ 4,6 bilhões. No programa de vicinais, são perto de R$ 3 bilhões. Nós estamos recuperando todos os acessos às cidades: são aqueles trechos entre a rodovia principal e os municípios. Algo como R$ 4 bilhões ou R$ 5 bilhões por ano nesse período. Aí entra uma engenharia financeira que incluiu a venda, não da Nossa Caixa, mas da folha do banco. Há ainda os recursos que vêm da outorga, que nós recebemos pela concessão do trecho oeste. São R$ 2 bilhões que nós investimos no Rodoanel. Nas concessões que acabamos de fazer, foram mais R$ 3,5 bilhões de outorga. Antes, usávamos 15% do asfalto produzido no Brasil, e este ano vamos chegar a 40%.

Roberto Müller: A pasta dos Transportes não vive só de construir, desenvolver e manter as rodovias. Vive também de aeroportos e da nossa querida Hidrovia Tietê-Paraná. Como vão essas outras áreas?

Mauro Arce: Comecemos pelos aeroportos: nós temos 31. O de Congonhas e o de Viracopos eram estaduais. A partir dos anos 80, houve uma negociação como governo do estado e eles foram incorporados à Infraero [Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária] com o compromisso de que a estatal transferiria ao estado 30% da receita de cada um. Isso foi feito durante 15 anos e depois parou-se de fazer isso. Então, temos aeroportos importantíssimos. O de Ribeirão Preto tem um movimento muito grande; o de Bauru acabou de ser construído; o de Presidente Prudente… são aeroportos que têm empresas aéreas operando e uma condição muito boa. Nos demais, o resultado é completamente negativo do ponto de vista de operação e manutenção, isso sem falar nos investimentos.

Roberto Müller: Não se pretende privatizar mais nenhum?

Mauro Arce: Imaginamos fazer um processo de concessão em que quem ganhasse um aeroporto destes grandes, como Ribeirão Preto e tal, levasse como obrigação. Seria uma parceria público-privada porque, como dá resultado negativo, o nosso modelo indicaria que o estado continuaria a colocar o que já coloca hoje como máximo e ganharia a licitação a empresa que pedisse a menor contrapartida do estado. Esse programa está sendo elaborado, estamos discutindo com a Agência Nacional de Aviação Civil [Anac] e é possível que encontremos um caminho nessa direção. E o que garantiria a manutenção desses aeroportos, que hoje é feita pelo Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp). A hidrovia está crescendo, ela tem crescido a uma taxa muito grande, não a taxa que nós gostaríamos porque exige uma integração com outros modais e chega uma hora em que não dá mais.Estamos ampliando alguns vãos de pontes.

Roberto Müller: Já é expressivo, na sua opinião?

Mauro Arce: Já é expressivo. Evidentemente não o é quando você compara com o rodoviário, até porque parte da carga acaba caindo em algum caminhão em algum local, ou em Pederneiras, ou aqui mais perto, em Conchas. Existe hoje um grande trabalho no sentido de expandir. O próprio Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes [Dnit] está interessado, e temos feito reuniões para a expansão da hidrovia no Paranapanema, subindo o rio Paranaíba, entrando no rio Grande, como um meio de transporte barato e amigo da natureza porque cada chapa daquelas corresponde a um número muito grande de caminhões e tem um consumo baixíssimo de combustível e um preço extremamente baixo comparado com o rodoviário. Mas tudo isso exige a intermodalidade. E tem outro sistema de transporte ainda mais barato, que são as dutovias. Seria inconcebível, seria um pecado sob todos os aspectos -econômico, ambiental- que eu fosse exportar etanol, o nosso álcool, em quantidade grande, mais de 5 bilhões de litros por ano, com caminhão. Seria uma coisa terrível. O número de acidentes e o custo seriam muito altos. A dutovia é também um dos assuntos que o governo do estado está incentivando em parceria com a iniciativa privada, e seguramente o mercado externo, a exportação de álcool, só será possível através do sistema dutoviário chegando ao Porto de Santos, ao Porto de São Sebastião. Só para lembrar que nós temos um porto. Temos uma empresa hoje, a Companhia Docas São Sebastião, que é do governo do estado. Ela foi criada em outubro de 2007 e nós já conseguimos dobrar a carga transportada lá. Evidentemente o porto está ligado à expansão da Rodovia dos Tamoios, que vai em direção a São Sebastião e ao litoral norte.

Sheila Wada: É possível medir percentualmente o quanto são utilizadas essas vias alternativas e a previsão de ampliação?

Mauro Arce: No caso da rodoviária, o percentual é de 93%. Os outros 7% têm uma grande parcela que é ferroviário, muito pequena, que podia ser muito maior pela quantidade de quilômetros de ferrovias que nós temos no estado. A hidrovia transporta 0,5%, apesar de estar crescendo 20% ao ano.

Roberto Müller: E pode chegar a quanto?

Mauro Arce: Ela [hidrovia] é muito complementar. Dá para multiplicar umas seis vezes sem que haja necessidade de duplicação. Mas para isso nós temos de ter esses processos intermodais de transferência de carga da hidrovia para o trem, para o caminhão, para a dutovia, no caso dos produtos sucroalcooleiros. E hoje muita coisa é transportada através da hidrovia: há um tráfego longitudinal e um tráfego transversal de um lado para outro que ocupa hoje toda aquela região da Alta Paulista, da Sorocabana, da margem esquerda, que era usada para plantio de cana e está sendo utilizada. Ampliou toda aquela fronteira.

Roberto Müller: O senhor pode comentar o trem de alta velocidade (TAV), que é extremamente importante em função principalmente da Copa do Mundo de 2014?

Mauro Arce: Com relação à Copa, o governo do estado tem um grupo de trabalho com multissecretarias que é coordenado pela do Secretaria do Planejamento, responsável por essa parte de mobilidade e infraestrutura. Com relação ao trem de alta velocidade, durante o processo de audiências públicas nós colhemos contribuições, até porque 70% da demanda do TAV está entre São José dos Campos, São Paulo e Campinas. É um trem de alta velocidade inusitado do ponto de vista do que já foi construído no mundo se nós considerarmos que os trens de alta velocidade em geral correm ao nível do mar e que este vai ter de subir a Serra das Araras, vai passar por uma região muito urbanizada e aí vai exigir túneis. Quando nós olhamos o Estado de São Paulo, nós vemos a urbanização que existe aqui. Tem esse desafio técnico que precisa ser vencido. Então esta é uma obra muito cara que ainda faz divergir a opinião das pessoas. Seguramente são mais de R$ 30 bilhões, alguns acham que são R$ 40 bilhões. Só para dar um número: o Plano Nacional de Transportes, até 2025, prevê um investimento de R$ 225 bilhões. Mas, de qualquer forma, nós estamos trabalhando nessa direção.

Sheila Wada: Secretário, outra questão importante é a exploração da camada do pré-sal e a ampliação do Porto de Santos. Deve haver uma demanda maior por transporte na região. Quais são as ações previstas do governo para essa questão?

O Porto de Santos terá transportado ou operado 90 milhões de toneladas de carga até o fim do ano. E 85% dessa carga é transportada por via rodoviária, o que é uma situação que, se comparada com a de qualquer porto do tamanho do Porto de Santos no mundo, é inaceitável. Porque há cargas que não se adaptam a caminhão, há cargas perigosas, é antieconômico além de tudo. E nós temos uma estrada de ferro pouco utilizada que é a antiga Sorocabana, que desce até São Vicente. E, de São Vicente, chega até o porto. Então, precisa haver um investimento grande para se tirarem alguns gargalos que existem lá na Baixada. Há duas empresas operando. Isso não é nada demais, desde que seja de forma coordenada, que não fique uma situação de “cada um puxa para o seu lado”. E o Porto de Santos pretende chegar a 200 milhões de toneladas. Se se pensasse em fazer isso de caminhão seria o caos para a Baixada. Hoje você tem em Cubatão um estacionamento para quatro mil caminhões. Comparando, o Porto de Cingapura, que fica num lugar que não tem espaço, se tiver um estacionamento de quatro mil caminhões lá, o pessoal vai ter de se mudar: não cabem as pessoas lá dentro. Fazer uma nova descida pela Imigrantes, por Itanhaém, não é viável. O problema do porto tem de ser resolvido com outros meios de transporte, como eu falei. Com dutovia, com esteira para transportar minério, por exemplo. Há várias oportunidades. Agora as pessoas só vão de carro e esse é o grande gargalo. Lá embaixo a gente está fazendo investimentos. A Imigrantes termina em São Vicente. Estamos passando recursos para a prefeitura e temos obras em andamento para melhorar. Mas, estruturalmente, eu só acredito no crescimento do Porto de Santos se nós tivermos uma multimodalidade, se aumentarmos a participação de outros modais.

Autor: DCI