Uma obra que não sai do lugar

Depois de 10 anos de estudos e debates, só duas pontes foram construídas para integrar a infraestrutura da América do Sul 

Depois de quase uma década de reuniões e estudos, apenas duas pontes. Esse é o saldo de obras concluídas entre as 31 consideradas prioritárias pelos países da América do Sul para a integração física do continente. Lançada em 2000, a Iniciativa para a Integração Sul-Americana (Iirsa) termina no ano que vem e, por enquanto, os principais avanços são políticos.

A diferença entre a Iirsa no papel e na prática é grande. No papel, o projeto reúne 510 obras e corta o continente em 10 grandes eixos de transporte. O investimento estimado é de US$ 74,3 bilhões. Na prática, até agora, 52 obras, ou 10% do total, foram finalizadas, o que representa um gasto efetivo de US$ 6 bilhões, conforme levantamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Mesmo entre as obras prioritárias, o resultado não é animador. Estão prontas apenas as pontes sobre os Rios Acre e Takutu, que ligam o Brasil ao Peru e à Guiana, respectivamente. Ambas foram inauguradas pessoalmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desse grupo de projetos, 19 estão em execução, mas 10 ainda não saíram da fase de projeto.

Algumas obras significativas, como a duplicação da BR 101, a “Rodovia do Mercosul”, caminham a um ritmo razoável. A expectativa é que esteja totalmente duplicada até o fim do ano que vem, mas ainda devem faltar algumas obras, como pontes e túneis.

O coordenador do Iirsa no BID, Mauro Marcondes Rodrigues, mantém o otimismo e chega a prever que mais 22 projetos prioritários vão ser concluídos, ou quase, até o fim de 2010. “Os países da América do Sul não vão fazer feio na hora de prestar contas”, disse.

A prestação de contas está cada vez mais próxima. A Iirsa foi lançada em setembro de 2000, durante uma reunião presidencial em Brasília, comandada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, os presidentes deram um mandato de 10 anos para o projeto, prazo que expira em dezembro do próximo ano.

Mas o tempo foi mais curto do que parece. Os países gastaram os primeiros quatro anos para decidir em quais obras investir. Até hoje a carteira de projetos ainda permanece o maior avanço da Iirsa, ou seja, os países sabem o que devem fazer, o problema é a execução. Em 2004, os presidentes decidiram focar os projetos mais urgentes e estabeleceram a agenda considerada prioritária.

“A partida é muito difícil”, reconhece o secretário de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento e coordenador brasileiro da Iirsa, Afonso Oliveira de Almeida. “Não podemos esquecer que estamos em uma região do planeta com históricas dificuldades de financiamento e com barreiras físicas importantes, como a Cordilheira dos Andes”, completou.

Segundo o secretário, os projetos ligados ao Brasil caminham um pouco mais rápido porque, apesar de todas as dificuldades, o País tem mais disponibilidade de caixa que os vizinhos. Além disso, algumas obras da Iirsa foram incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e se tornaram fundamentais para o governo brasileiro.

Entre concluídos e em fase de execução, a Iirsa conta hoje com 236 projetos, o que significa investimentos de US$ 43,5 bilhões. O levantamento do BID mostra que mais da metade desse valor, US$ 22,49 bilhões, está sendo pago pelos Tesouros Nacionais. Outros US$ 13,2 bilhões vêm de Parceiras Público-Privadas (PPPs) e apenas US$ 7,79 bilhões são recursos estritamente privados.

O BID, a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fonplata financiam atualmente 24% dos recursos totais, o que significa US$ 10,56 bilhões. O BNDES não tem nenhum projeto da Iirsa em sua carteira, apesar da participação de construtoras brasileiras em algumas obras. A legislação não permite que o banco financie projetos no exterior, mas apenas a exportação de serviços das empresas nacionais.

Segundo Rodrigues, do BID, havia uma expectativa que a iniciativa privada se envolvesse mais em obras de infraestrutura no começo da Iirsa, até para compensar as restrições fiscais dos Estados, o que acabou não ocorrendo. “O setor privado não apareceu”, disse.

Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), explica que o setor privado tem dificuldade para participar de projetos de integração regional por falta de marcos regulatórios comparáveis entre os países. “No setor elétrico, o Brasil é, de longe, o país que tem as regras mais desenvolvidas”, disse.

Outro problema é a falta de viabilidade econômica dos projetos. O executivo avalia que a Iirsa visa mais a integração dos povos que das empresas. As obras de transporte, por exemplo, que englobam 87% da carteira, ligam regiões pouco populosas. “É importante fazer uma estrada entre o Brasil e o Peru e abrir uma saída para o Pacífico, mas o Acre é distante dos principais mercados brasileiros. É caro chegar lá.”

Para Godoy, um plano de integração energética da América do Sul é essencial e faz mais sentido economicamente, já que sobra energia em alguns países e falta em outros. No entanto, o setor de energia representa apenas 11% do número total de projetos. O setor de telecomunicações fica com os 2% restantes. Nessa área, está um projeto de exportação regional via correio direcionado para pequenas e médias empresas e um plano de implementar um acordo de roaming para celulares entre os países da região.

CONSTRUTORAS

As obras da Iirsa representaram oportunidades importantes para as construtoras brasileiras, como Odebrecht e Andrade Gutierrez. O projeto mais ambicioso em que ambas estão envolvidas é a chamada Rodovia Interoceânica, uma megaobra com 2.586 quilômetros, que vai ligar os portos de Ilo e Matarani, no sul do Peru, à cidade de Assis Brasil, no Acre.

A Odebrecht também participa de outro projeto no Peru, conhecido como Eixo Amazonas Norte. É uma rodovia de 955 quilômetros que sai do Porto de Paita, no Oceano Pacífico, e vai até o Porto de Yurimaguas, no Rio Huallaga, que é uma afluente do Rio Marañon (nome do Rio Amazonas no Peru). A partir da daí, pessoas e mercadorias podem ser transportadas por hidrovia até Manaus, Belém e o Oceano Atlântico.

Segundo informações da empresa, a maior dificuldade desse tipo de obra é a diversidade de culturas e as barreiras geográficas. A Rodovia Interoceânica, no Peru, cruza as montanhas dos Andes, com altas altitudes e clima seco, mas também áreas chuvosas e úmidas da Amazônia.

A Andrade Gutierrez também está envolvida nas obras da Interoceânica. A construtora informa que 110 quilômetros da obra são de descidas nos Andes, fortemente acidentadas. Segundo a empresa, o projeto começou em 2006 e será finalizado em março de 2010.

Autor: O Estado de S.Paulo