Com cerca de R$30, é possível adquirir o material básico para montar uma luneta astronômica capaz de fazer observações como aquelas com as quais Galileu, há 400 anos, ajudou a comprovar a teoria heliocêntrica de Copérnico: bastam alguns encaixes feitos com tubos e conexões de PVC e duas lentes convergentes. Ao longo desses quatro séculos de observações, entretanto, ganharam proporções astronômicas os custos de montagem dos telescópios, cada vez mais sofisticados e gigantescos – tanto quanto requer a sofisticação cada vez maior do conhecimento científico sobre o espaço. Para viabilizar grandes projetos, são comuns as parcerias internacionais, algumas delas com importante participação de instituições brasileiras.
A mais significativa, em termos de investimento do Brasil na construção e no uso de observatórios, é o Southern Astrophysical Research Telescope (Soar), que funciona desde 2004 em Cerro Pachón, uma montanha dos Andes chilenos a 2.700 metros acima do nível do mar. Três instituições dos Estados Unidos são parceiras nesse empreendimento: o National Optical Astronomy Observatory, a Universidade da Carolina do Norte e a Universidade Estadual de Michigan. O Brasil, com recursos do CNPq, entrou com pouco mais de um terço do custo de construção, estimado em US$ 28 milhões, o que dá aos pesquisadores brasileiros o direito a um tempo de uso do telescópio proporcional ao investimento do país.
Para se ter uma ideia da dimensão desse telescópio, enquanto o diâmetro das lentes da luneta de Galileu se media em milímetros, o Soar tem como lente principal um espelho primário com diâmetro de 4,1 metros. Além de estudos do Brasil já concluídos e em andamento no Chile – no segundo semestre deste ano são 13, realizados por cinco instituições de pesquisa –, os brasileiros desenvolveram dois instrumentos a serem acoplados ao telescópio: o Soar Integral Field Spectrograph e o Brazilian Tunable Filter Imager Instrument. “O primeiro deve ir para o Chile até o final deste ano, e o outro, no início do ano que vem”, afirma Jacques Lepine, pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). “Com o que se aprendeu, em termos de tecnologia de fibras ópticas, o Brasil já se tornou exportador de sistemas multifibras para instrumentação astronômica”, completa.
Bem perto do Soar, na mesma região montanhosa dos Andes chilenos, está um outro observatório astronômico ainda maior e em funcionamento há mais tempo: o Gemini. O diâmetro de seu espelho primário é de 8,1 metros e ele foi construído por um consórcio envolvendo Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Austrália, Chile, Argentina e Brasil. No Gemini, a parcela de investimento brasileiro foi bem menor, de 2,31% do total, o que dá aos pesquisadores do país o direito a 8 noites de observações por ano. Mas o aproveitamento desse tempo tem sido intenso: até o ano passado, 500 trabalhos já tinham sido publicados a partir de estudos realizados ali, dos quais 7,6% tinham a participação de brasileiros.
A parcela de tempo do Brasil para observações no Gemini pode aumentar. “A comunidade de astrônomos brasileiros gostaria de maior participação, mas precisaria pagar mais custos operacionais. O ministro (Sérgio Rezende, de Ciência e Tecnologia), disse que haverá recurso para isso e o Brasil está em negociação com os outros parceiros”, diz Albert Bruch, diretor do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA).
Segundo ele, a construção do Gemini custou em torno de US$ 184 milhões, mas há outros grandes projetos ao redor do mundo que envolvem um volume bem maior de dinheiro. “O Alma (Atacama Large Millimeter Array) custa US$ 1 bilhão. Nenhum país é capaz de financiar sozinho um projeto como esse”, avalia Bruch. O Alma é considerado o mais ambicioso projeto de rádio-astronomia da atualidade, envolvendo Estados Unidos, Canadá, Japão e diversos países europeus. Suas antenas, com 12 metros de diâmetro cada, também ficarão localizadas no Chile, perto de San Pedro de Atacama, a 5 mil metros de altitude, para captar sinais do espaço. O gigantesco rádio-telescópio formado pelo conjunto de antenas poderá captar imagens com detalhamento dez vezes melhor que as captadas pelo telescópio espacial Hubble.
Uma declaração do ministro Sérgio Rezende na abertura da Assembleia Geral da União Astronômica Internacional, realizada em agosto, no Rio de Janeiro, deu a entender que o Brasil apresentaria propostas para participar do Alma. Mas de acordo com o diretor do LNA, pode ter havido um mal entendido. O que há de concreto são negociações adiantadas entre Brasil e Argentina para instalar a 200 quilômetros do Atacama, em solo argentino, uma antena de 12 metros de diâmetro como as do projeto Alma. Segundo Jacques Lepine, do IAG/USP, o custo estimado dessa antena é de aproximadamente US$ 6 milhões. “Caberia, ao Brasil, o pagamento da antena, e à Argentina, a construção da infraestrutura (estrada, rede elétrica ou geradores, rede de comunicações, um prédio simples, veículos) e parte da manutenção nos primeiros anos”, revela.
Uma antena de radioastronomia ainda maior, com 14,2 metros de diâmetro, funciona desde 1993 em território brasileiro. Trata-se do Rádio Observatório Espacial do Nordeste, situado na unidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) da cidade de Eusébio, no Ceará. Em agosto, a Nasa, agência espacial norte-americana, renovou um convênio com sua congênere brasileira para utilização do radio-observatório nordestino. Os dados captados por essa antena ajudam a corrigir o posicionamento de satélites que estão na órbita terrestre.
O Inpe é a principal instituição de pesquisa ligada ao Programa Nacional de Atividades Espaciais (Pnae), coordenado pela Agência Espacial Brasileira (AEB). A maior parte dos US$ 110 milhões destinados ao Inpe pelo PNAE foi usada na construção de satélites. Um deles é o Amazônia 1, previsto para ser lançado em 2010. Em julho, o ministro Sérgio Rezende e o embaixador do Reino Unido, Peter Collecot, anunciaram uma parceria para uso de uma câmera desenvolvida pelo Rutherford Appleton Laboratory, que irá ao espaço com o Amazônia 1 para monitorar a maior floresta tropical do planeta.
A parceria mais bem sucedida do Inpe é a do programa Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS, na sigla em inglês), firmada em 1988 com a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial. Dois satélites, o CBERS-1 e o CBERS-2, já estão no espaço, auxiliando, entre outras coisas, no monitoramento agrícola e na previsão de safras de Brasil e China, líderes em produção e exportação de alimentos. O CBERS-3, que recebeu mais de R$ 50 milhões do PNAE em 2009, está previsto para ser lançado ainda este ano. O CBERS-4, já em desenvolvimento, será lançado em 2011. A China decidiu investir, nos anos 1980, na área espacial, e encontrou no Brasil um parceiro com parque industrial moderno e familiarizado com alta tecnologia. “Nenhum país do mundo pode prescindir da cooperação”, confirma Décio Ceballos, coordenador de planejamento estratégico e avaliação do Inpe.
Antes dessa política cooperativa, o mundo assistiu, nos anos 1960 e 1970, à corrida espacial entre Rússia – que colocou o primeiro homem no espaço, em 1961 – e Estados Unidos – que levou o homem à Lua pela primeira vez, em 1969. Agora, é a vez de emergentes como China e Índia investirem cada vez mais em políticas espaciais. Ambos os países anunciaram a intenção de realizar voos tripulados para a Lua, e uma sonda indiana que já está na órbita lunar detectou, no final de setembro, a presença de água no satélite terrestre.
“Nos primórdios das expedições espaciais, existia a questão do acesso espacial. Ainda se pensava muito pouco em aplicações e mais em aprender a fazer satélites e lançadores, em mostrar poder e capacidade de realização”, diz Ceballos. Para países como os Estados Unidos, que ganharam muito dinheiro com o uso de satélites, a questão do acesso ao espaço já está superada. “Mas emergentes como China e Índia, e inclusive o Brasil, ainda estão conquistando esse acesso e abrindo novas fronteiras tecnológicas. A geopolítica atual tem novos atores, e isso traz de volta a questão de se mostrar força, poder e competência, com tecnologia mais refinada”, completa.
Jacques Lepine, do IAG/USP, explica a relação entre política espacial e desenvolvimento tecnológico. “Grande parte da superioridade que os Estados Unidos têm sobre outros países é fruto do esforço espacial, que requereu desenvolvimento de novos materiais, combustíveis, sistemas de comunicação, computação, assim como a própria capacidade de se organizar em torno de um grande projeto”, enumera. “Podemos chamar isso de demonstração de poder, mas é também demonstração de capacidade. Quando a China e a Índia colocarem um homem na Lua, a admiração pela tecnologia desses países aumentará, com reflexos, inclusive, sobre as exportações de produtos tecnológicos”, prevê.
Segundo Ceballos, do Inpe, além de sondas espaciais e das expedições tripuladas, a Índia é segundo país que mais investe, em proporção a seu PIB, em programas espaciais com aplicações mais clássicas, voltadas para resultados sociais, como observações terrestres, comunicação e navegação. Só perde para os Estados Unidos. No Brasil, essas aplicações também lideram os investimentos. Além da engenharia de satélites, do monitoramento de safras agrícolas e de queimadas nas florestas e da previsão do tempo, o Inpe também realiza pesquisa básica, como estudos físicos e químicos de fenômenos na atmosfera terrestre e no espaço. Em 2010, serão investidos R$ 5 milhões em pesquisa básica no Inpe, um décimo do que terá consumido o CBERS-3 até o final de 2009.
“Temos que nos livrar dessa visão imediatista de procurar ‘função social' em tudo e achar que pesquisa prioritária é aquela que vai resultar em aumento na produção de alimentos e na melhoria da saúde”, defende Lepine. “Historicamente, a astronomia contribuiu para que surgissem as leis da mecânica, a relatividade, a física de partículas elementares. Os conhecimentos criados pela pesquisa numa área beneficiam, em um dado momento, as outras áreas. Não se sabe de onde vão surgir as grandes descobertas de amanhã. Mas usar esse enorme laboratório de física que é o universo é um bom caminho”, avalia.
Albert Bruch, do LNA, lembra o quanto foram importantes as observações astronômicas para auxiliar as rotas marítimas no período das grandes navegações, nos séculos XVI e XVII. “Além disso, toda cultura se baseia no conhecimento, que se acumula ao longo dos séculos. Se, em séculos passados, se tivesse feito apenas pesquisa aplicada, hoje só teríamos lâmpada a gás e não luz elétrica”, imagina. E Lepine completa: “Um de nossos objetivos não é dominar a fusão nuclear como fonte de energia? Então, é bom ver como a fusão nuclear funciona no interior de estrelas”.
Autor: Com Ciência