De financiamento a traçado da linha, dificuldades inviabilizam o trem-bala
Há pouco mais de um ano escrevi sobre o trem-bala Rio-São Paulo: considerando a experiência internacional, será difícil construí-lo em 6 anos. São muitos os obstáculos a eliminar para se conseguir isso.
Com intervenções significativas, os investimentos ferroviários públicos começaram há mais de 150 anos na Inglaterra, França e na Alemanha. Em 1980, as redes ferroviárias básicas desses países já estavam implantadas, facilitando o desenvolvimento posterior de sistemas rápidos e sofisticados. Mesmo assim, a complexidade dos projetos exigiu muito tempo para a implantação dos trens de alta velocidade (TAVs). Na França, transcorreram nove anos entre a decisão de abertura da primeira linha, Paris-Lyon, em 1974, e o completo início de operação, em 83. Ela é menos complexa do que o nosso trem, que pretende ligar o litoral carioca ao planalto paulista, construindo-se 107 quilômetros de pontes e viadutos, 90 quilômetros de túneis e atravessando importantes áreas de proteção ambiental! Comparativamente, o Metrô de São Paulo, uma empresa fundada há mais de 40 anos, possui somente 61 quilômetros de extensão, com 15 quilômetros de viadutos e 33 quilômetros de túneis em operação, transportando diariamente 3,3 milhões de passageiros. O governo Lula prevê para o TAV a capacidade de transportar somente 25,5 milhões de passageiros anuais em 2014. Para tentar atingir essa meta vai gastar mais de R$ 34 bilhões!
Os investimentos ferroviários, no Brasil, começaram em 1854, e continuaram até o início do século XX, com as ferrovias transportando basicamente produtos para exportação. Nos anos 50, o governo JK privilegiou a indústria automobilística. Segundo especialistas, entre 1960 e 2008 caímos de quase 100 milhões para 1,3 milhão de passageiros ferroviários anuais.
Qual a solução? Em primeiro lugar, tomar consciência de que governos não podem fazer tudo, sem parcerias com a iniciativa privada. Muitos estados e municípios, e até mesmo o governo federal, concordam com os projetos de PPPs e concessões para investir em energia e rodovias. O que é pouco, dada nossa carência histórica de saneamento básico, saúde, segurança, transportes urbanos de massa e ferroviários interurbanos. O governo deve tomar decisões técnicas e regulatórias confiáveis para atrair parceiros domésticos e internacionais.
Em agosto de 2008 escrevi também: Os investimentos em empreendimentos semelhantes, em outros países, são orçados por meio de projetos antecipados e detalhados de engenharia, coisa rara no Brasil. Já vêm indicados o traçado da linha, os túneis e viadutos, as desapropriações, a qualidade do solo, obras civis, os estudos de impacto ambiental, entre outros requisitos técnicos. Mesmo assim, podem ocorrer erros graves como o ocorrido no Eurotunel, entre França e Inglaterra, orçado em US$ 9 bilhões, que acabou custando US$ 19 bilhões, e cuja demanda tem sido menor do que a esperada.
Acionistas e bancos credores amargam até hoje os prejuízos advindos do controle compulsório da concessionária deficitária. Hoje em dia, os financiadores só entram num empreendimento com garantia de preço fixo global, assumida pelos investidores ou companhias de seguros. E também antecipam a otimização dos projetos, para reduzir custos com o encurtamento de túneis e viadutos, remanejamento de aterros e otimização dos blocos técnicos. Foi assim que foi obtida economia de 18% no projeto do TAV Lisboa-Porto.
Teremos o trem-bala na Copa de 2014? Provavelmente não, com base nas informações fornecidas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em reunião realizada em São Paulo. Como calcular com segurança o montante do investimento, que saltou de US$ 8 bilhões para R$ 34,6 bilhões, se não existe estudo detalhado do projeto? Estará o setor privado interessado em assumir sozinho o risco de demanda da concessão, durante 40 anos? Serão as receitas suficientes para cobrir custos, investimentos, e trazer lucros a um projeto novo de longo prazo, sem precedentes no país? Tentará o BNDES operar o TAV eventualmente deficitário, como no Eurotunnel, para reaver 70% dos capitais aplicados? Haverá tempo hábil para obter as licenças ambientais e aprovações antes da seleção das propostas em janeiro, e assinatura do contrato em junho 2010, na véspera das eleições? Terá sido o traçado da linha planejado para se integrar às redes de transporte públicos existentes, para melhorar a qualidade de vida do usuário e reduzir os congestionamentos de tráfego e a poluição ambiental?
Se foi, por que situar as duas mais importantes estações do trem-bala desconectadas das redes metroviárias, ou seja, no Campo de Marte em São Paulo, e na Estação Barão de Mauá, no Rio? Terá sido estudada a melhoria da atual ligação ferroviária entre Rio e São Paulo, mais simples e de implantação mais rápida, para competir com o transporte rodoviário?
Será o trem-bala uma obra prioritária para o Brasil, durante e após a Copa de 2014? Muitos especialistas duvidam, pois certamente existem vários outros projetos prioritários nas 12 cidades sedes da Copa, que exigirão de R$ 60 bilhões a R$ 110 bilhões de investimentos.
Na região metropolitana de São Paulo temos projetos mais importantes para o Estado e para o país: a conclusão do Rodoanel (norte e leste); a expansão do Metrô e da CPTM; a construção da 3ª pista do Aeroporto de Guarulhos; a construção do veículo leve sobre trilhos (VLT) entre o Aeroporto de Congonhas e a rede metroviária, e a ligação expressa ferroviária entre a Estação da Luz e o Aeroporto de Guarulhos.
Aí está uma boa oportunidade para o governo federal colaborar para reduzir o “sufoco” em que os habitantes de São Paulo e milhares de brasileiros de passagem vivem congestionados no tráfego e intoxicados pela poluição.
Começo a pensar na prioridade desses projetos. Como seria bom se houvesse menos congestionamentos, menor consumo de combustível, menos poluição.
*Carlos de Faro Passos é professor da FGV/SP, consultor da OCDE e UNIDO
Autor: *Carlos de Faro Passos para o Valor Econômico