Dez anos atrás, enquanto buscava inspiração para projetar um Mercedes-Benz ultraluxuoso, o designer Olivier Boulay estudou a cultura japonesa do carro com chofer.
Agora, enquanto sonha com o futuro do automóvel, ele circula pelas ruas de Pequim numa bicicleta elétrica de US$ 367, lado a lado com a massa de moradores da capital chinesa.
“A China é o lugar perfeito para se pensar qual será o futuro formato da mobilidade”, diz Boulay, de 52 anos, diretor de design da divisão chinesa da Mercedes-Benz, marca da Daimler AG. Boulay se mudou de Tóquio para Pequim este ano. “É meu trabalho aqui direcionar a equipe a ser criativa e imaginar o futuro mundial do automóvel a partir de Pequim.”
Boulay espelha uma mudança profunda na indústria automotiva. Enquanto o mercado chinês se expande, as montadoras mundiais tomam cada vez mais decisões de design na China. O resultado é que as tendências locais de consumo são refletidas em modelos vendidos em todo o mundo.
As grandes montadoras, da General Motors Co. à Volkswagen AG e à Toyota Motor Corp., estão despejando recursos na China, que há alguns anos tirou do Japão o posto de segundo maior mercado de automóveis do mundo e deve ultrapassar os Estados Unidos este ano, tornando-se o maior do mundo.
As consequências dessa mudança são claramente visíveis no Salão do Automóvel de Tóquio, que vai até o dia 4 de novembro. Expositores habituais como Mercedes-Benz, GM e a sul-coreana Hyundai Motor Co. preferiram ficar em casa este ano.
Depois de sair da recuperação judicial, em julho, a GM transferiu sua sede internacional para Xangai, onde tem sua principal joint venture no país, com a Shanghai Automotive Industry Corp. E a Ford Motor Co. decidiu recentemente transferir sua sede na região da Ásia e Oceania de Bancoc, na Tailândia, para a China.
A GM já tem três carros mundiais projetados com aspectos inspirados na China: os modelos LaCrosse e Regal, da marca Buick, e o Chevy Cruze. O LaCrosse surgiu de um carro conceito chamado Invicta GM desenvolvido pelos centros de design da montadora em Xangai e Warren, no Estado americano de Michigan.
O interior do LaCrosse é repleto de cores claras e quentes. O tom de madeira do volante e do painel se combinam de maneira quase imperceptível, uma concessão aos chineses, acostumados a sobreposições de cores iguais.
“Levamos muito a sério as sugestões de nossos clientes e funcionários chineses”, diz Lowell Paddock, diretor de desenvolvimento de produto das operações internacionais da GM.
Na China, as montadoras mundiais tentam prever não apenas qual será o próximo ciclo de modelos em quatro ou cinco anos, mas também o formato dos carros daqui a dez ou quinze anos.
“A China é um pilar muito importante para a Daimler e sua estratégia mundial”, diz Ulrich Walker, presidente da Daimler Northeast Asia que supervisiona a expansão da Mercedes-Benz na China.
A Mercedes-Benz vendeu 44.300 carros na China em setembro, 52% a mais que há um ano, segundo dados da empresa. Durante o mesmo período, as vendas dela no Japão caíram 28%, para 21.829 unidades. (As vendas nos EUA foram de 147.800 unidades.)
Separadamente, a Daimler divulgou ontem queda de 80% no lucro líquido do terceiro trimestre, mas se recuperou de dois trimestre de prejuízos, graças à melhora nas vendas da Mercedes. Sediada em Stuttgart, a montadora alemã informou que o lucro do terceiro trimestre foi de 41 milhões de euros (US$ 60,9 milhões). A receita do terceiro trimestre caiu 21%, para 19,3 bilhões de euros.
O Japão é agora o oitavo maior mercado do mundo para a Mercedes-Benz; há três anos, estava em sexto lugar. A China se tornou o quarto maior mercado da marca, ante a décima colocação em 2006.
A China é um dos maiores mercados da montadora alemã para o sedã topo de linha Classe S, cujo novo modelo foi lançado mais cedo na China este ano depois de receber um volume significativo de sugestões de consumidores chineses. A Mercedes chegou até a pagar passagem de avião para Alemanha a clientes seus e de montadoras rivais para ver os primeiros protótipos do carro.
Embora a China represente apenas uns 4% das vendas mundiais da Mercedes, clientes do mundo inteiro já enxergam nos carros da marca recursos apreciados pelos chineses, como bancos traseiros maiores, no estilo das limusines, com sistemas de entretenimento e de climatização mais avançados, entre outras amenidades. Na China, muitos compradores endinheirados da Mercedes têm chofer e só dirigem no fim de semana. Esses compradores geralmente têm 30 a 40 anos, muito mais jovens que no resto do mundo. Eles preferem que o interior do carro tenha cores claras, como bege, não os tons de preto e cinza geralmente preferidos em outras regiões.
A chegada de Boulay a Pequim mostra a ascensão da China. Nascido na França, ele passou 17 anos no Japão. Como chefe do centro de design da Mercedes em Tóquio no fim dos anos 90, ele projetou o Maybach, ultraluxuoso carro de passeio da Mercedes.
Em Pequim, ele quer se empapuçar com a fascinação recente do país com as bicicletas e carros movidos a eletricidade, para desenvolver conceitos para futuros produtos mundiais da Mercedes, como um carro elétrico de luxo. O centro avançado de design na China é um dos cinco que a Mercedes opera ao redor do mundo.
Boulay é especialmente fascinado com a maneira como o povo chinês adotou as bicicletas elétricas para o transporte diário, e também como o governo do país em todos os níveis está impulsionando a rápida adoção de carros puramente elétricos e de híbridos recarregáveis na tomada.
“Dá pra ver como uma nova geração de consumidores neste país está muito mais à frente”, diz Boulay.
Ele acredita que a mudança para carros movidos a eletricidade abre novas possibilidades de os designers exercitarem a criatividade, por causa da simplicidade desses carros, que não precisam de motores ou câmbio volumosos. Algumas empresas, como a Nissan Motor Co., do Japão, estão experimentando com carros elétricos redondos parecidos com os das histórias em quadrinhos e sem capô ou bagageiro.
A cultura de consumismo desenfreado da China e seu amplo mercado de luxo garantem que o país seja um lugar ideal para “gerar novas ideias e novos conceitos”, diz Boulay.
“Queremos usar a China como uma vantagem para nos impulsionar”, diz ele. “É por isso que estou aqui e porque estamos montando um centro de design avançado — igualzinho ao que fizemos anos atrás no Japão.”
Autor: The Wall Street Journal