A mobilização das 12 cidades-sede brasileiras para a Copa do Mundo de 2014 tem tudo para ajudar o país a transformar suas deficiências na área de infraestrutura em oportunidades de negócios para a iniciativa privada.
Estima-se que a realização da Copa no Brasil vai movimentar US$ 100 bilhões em diversos setores da economia e ainda será capaz de gerar uma renda de R$ 65 bilhões. Apenas com as obras ligadas diretamente à construção civil – novas edificações, melhorias e adaptações de estádios, de hotéis, aeroportos e outros – será necessário um investimento mínimo de R$ 60 bilhões, que pode bater na casa dos R$ 100 bilhões, na avaliação do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon) com a inclusão dos gastos com mobilidade urbana.
“Estamos falando de 12 estádios que precisarão de reforma, cada um com um gasto estimado neste momento em R$ 500 milhões, o que daria R$ 6 bilhões de investimento apenas com essas obras, que devem ser executadas entre março de 2010 e dezembro de 2012”, diz Luiz Fernando Santos Reis, presidente do Sinicon.
De acordo com Reis, os jogos podem ser um bom momento para a construção civil recuperar o ritmo depois que os setores de mineração e siderurgia, afetados pela crise internacional, reduziram seus planos de investimento.
Os negócios surgem em várias áreas, como rodovias, saneamento básico, estádios, hotéis, modernização aeroportuária, melhorias de metrôs, para citar algumas. Do total de investimentos previstos para a construção calculados pelo Sinicon, R$ 34 bilhões devem ser direcionados para a infraestrutura, avalia Luis Fernando Reis. Dos R$ 8 bilhões previstos para reformas e adaptação de aeroportos, porta de entrada para as 500 mil pessoas, entre turistas, organizadores e participantes da Copa que deverão desembarcar no país e que também serão usados para a movimentação entre as cidades-sede, R$ 4 bilhões devem ser investidos apenas no Estado de São Paulo, por onde passam todos os anos 36 milhões de passageiros, em seus três aeroportos – Cumbica, Congonhas e Viracopos. Some-se a isso as obras do trem-bala ligando Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, que deverão ficar prontas antes da Copa de 2014 e deverão custar R$ 15 bilhões, segundo informação da Casa Civil. “Temos um significativo volume de obras e de investimentos para deixar o país pronto que deverá ocupar toda a cadeia da construção civil e permitir que se mantenha o crescimento anual de 15% registrado nos últimos anos”, diz o presidente do Sinicon.
Para o professor Paulo Resende, do núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral (FDC), o que a indústria brasileira tem pelos próximos cinco anos é uma grande oportunidade de crescer. “São projetos de engenharia que dificilmente seriam realizados em condições normais, fora da agenda de um evento com porte do tamanho de uma Copa do Mundo” afirma. “Muitas dessas obras demandariam entre seis e sete anos de implementação, mas com a mobilização para a Copa terão seu tempo reduzido à metade, uma vez que todas as adaptações têm data para terminar.” Ele destaca outra vantagem: o menor tempo em que as obras serão concluídas faz com que a taxa de retorno para os setores envolvidos seja maior. Nos aeroportos, por exemplo, existem investimentos que variam de R$ 30 milhões, como os de Curitiba ou de Salvador, mas poderão chegar a até R$ 1 bilhão ou R$ 1,5 bilhão, caso do Rio de Janeiro ou entre R$ 4 a R$ 5 bilhões no caso de São Paulo, ressalta Luis Fernando Reis, do Sinicon.
Um estudo elaborado pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) pode funcionar como um termômetro das perspectivas de negócios. O documento, entregue no início de setembro ao governo federal e à Fifa, identifica os problemas de infraestrutura das cidades brasileiras onde acontecerão os jogos com base em nove dimensões: portos, aeroportos, mobilidade urbana, telecomunicações, saneamento básico, energia elétrica, segurança pública, saúde e hotelaria. Ralph Lima Terra, vice-presidente da Abdib, destaca que, embora as informações do documento ainda não sejam de conhecimento público, um dos pontos detectados é que todos os aeroportos das cidades-sede, sem exceção, precisam ser adaptados ou reformados.
Um setor que espera impacto positivo com as obras é o de cimento. O consumo per capita no Brasil em 2008 ficou em 273 quilos ao ano. Embora recorde para o setor, o volume está abaixo da média mundial de pouco mais de 400 kg/ano, e de outros países em desenvolvimento, como a Rússia, onde é superior a 400 kg/ano e da China, que passa dos 1 mil kg/ano. Para Valter Frigieri Júnior, gerente nacional de Desenvolvimento de Mercado da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), o setor está com a capacidade instalada acima da demanda e a movimentação por conta da Copa pode equilibrar a produção com a procura. “A Copa acabará mobilizando eventos paralelos para os turistas que ficarão na cidade nos períodos em que não estiverem assistindo aos jogos”, diz Frigieri. Por isso as melhorias das condições de ruas no entorno dos estádios, das arenas e dos hotéis, avalia, devem aumentar a demanda de cimento.
Resende, da FDC, ressalta que a liberação de recursos para o setor da construção civil quase sempre teve um viés político, que o deixava amarrado ao governo. “Agora, os investimentos independem da agenda política do governo, estão pautados pelo cronograma da Copa”, diz o professor. O que permite, na sua análise, garantir estabilidade ao Brasil em termos de recursos, em especial os externos. Ele lembra que o fato de o país receber dois eventos importantes e definidos (Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016) torna o mercado brasileiro mais atraente aos investimentos estrangeiros diretos, (IDE), utilizados no setor produtivo e não por meio da compra de ações. Na avaliação de Resende, a mobilização das cidades-sede vai além do impulso que dará à indústria brasileira em seus vários setores: “O Brasil poderá voltar a ter um investimento em infraestrutura no mesmo nível da década de 70, quando representava 5% do Produto Interno Bruto (PIB).”
A possibilidade de o governo federal fazer Parcerias Público Privadas (PPPs) em algumas das obras, como as de ampliação das linhas de metrô ou de implantação de novos sistemas de transporte, como o Trem de Alta Velocidade, vai beneficiar sem dúvida o setor privado. Depois dos aeroportos, apontados como o maior gargalo que o Brasil tem hoje para receber o maior evento futebolístico do mundo, a mobilidade urbana ocupa a vice-liderança entre os problemas a resolver. “São Paulo está fazendo a lição de casa, mas ainda há muito a ser melhorado”, diz José Roberto Bernasconi, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco). Só em transporte serão necessários mais de R$ 30 bilhões em investimentos, segundo Resende, da FDC. Não se pode esquecer ainda, diz, as oportunidades que estão em torno do setor hoteleiro, como o lazer, que entram na conta das melhorias necessárias.
O presidente do Sinaenco chama a atenção para o fato de que é preciso aperfeiçoar a infraestrutura em todo espaço urbano onde haverá movimentação. E praticamente todas as cidades escolhidas para a Copa 2014 enfrentam problemas de mobilidade, em diferentes graus. Na área de infraestrutura que envolve mobilidade urbana o grosso dos investimentos deverá ser aplicado para melhorias nas linhas de metrô, de veículos leves sobre trilhos (VLTs), ônibus de trânsito rápido (BRT, na sigla em inglês), trens urbanos, monotrilhos e outros. Para as 12 cidades escolhidas pela Fifa, esse investimento pode variar de R$ 60 bilhões até R$ 80 bilhões, de acordo com o Sinicon. “Temos obras de todos os tipos e de todos os portes”, diz Reis. Sem esquecer da área de saneamento básico, uma das maiores carências do país, que também poderá ter boa parte de suas demandas supridas pelo setor privado na área de projetos e obras.
Segundo Orlando Silva, ministro dos Esportes, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pretende financiar a reforma e construção de arenas. “Fomos pautados pelos Estados que se mostraram com dificuldades de recursos para efetuar muitas das melhorias exigidas.” No momento está sendo finalizada a discussão de recursos para construção de arenas públicas dos Estados e municípios. O BNDES vai aportar até R$ 400 milhões por arena, com limite de 75% do investimento total. Silva diz que o banco tem R$ 5 bilhões disponíveis para os projetos de mobilidade urbana nas 12 cidades-sede que deverão ser usados nas mudanças e adaptações do transporte público e para corredores de ônibus. “O governo também negocia uma linha no total de R$ 1 bilhão para a reforma e ampliação de hotéis e as arenas devem ter R$ 4 bilhões”, diz o ministro dos Esporte
Autor: Valor Econômico