Grupos de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Friedrich-Schiller em Jena (Alemanha) estão envolvidos em uma parceria internacional com o objetivo de fazer avançar o conhecimento em uma área de fronteira: a chamada “química verde”, um conjunto de diretrizes voltado à redução do impacto ambiental dos processos químicos que promete revolucionar a indústria e a economia.
Proporcionando o intercâmbio entre estudantes do Brasil e da Alemanha, o projeto “Sínteses de ésteres e éteres mistos de celulose em solventes ‘clássicos’ e ‘verdes’: Otimização do processo e propriedades dos produtos” é coordenado pelos professores Omar El Seoud, do Instituto de Química (IQ) da USP, e Thomas Heinze, do Centro de Excelência em Pesquisa sobre Polissacarídeos da Universidade de Jena.
De acordo com El Seoud, a pesquisa, relacionada a um Projeto Temático coordenado por ele e apoiado pela FAPESP, tem o objetivo de aproveitar a expertise de cada um dos países nos princípios relacionados à “química verde”: o uso de matéria-prima renovável, a síntese de produtos biodegradáveis, a segurança dos processos e a economia no sentido amplo da palavra. A pesquisa também tem apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD).
“Uma das principais metas da parceria é a qualificação de recursos humanos, que ainda são muito poucos nessa área tão importante. O principal diferencial do projeto é que ele não se limita à prática tradicional de enviar estudantes brasileiros para o exterior, mas também traz alunos estrangeiros para os nossos laboratórios. Isso vai ao encontro da necessidade de internacionalização das nossas universidades”, disse El Seoud à Agência FAPESP.
As primeiras participantes do intercâmbio são Constance Issbrücker (foto), da universidade alemã – que acaba de encerrar um período de três meses de pesquisas na USP –, e Ludmila Fidale, do IQ, que cursa doutorado com Bolsa da FAPESP e partiu nesta terça-feira (4/8) para um período de três meses nos laboratórios da Universidade Friedrich-Schiller, em Jena. A estudante alemã teve sua viagem paga pelo DAAD e a doutoranda brasileira viajou com recursos de Reserva Técnica da FAPESP.
“Embora existam ainda muitas barreiras a serem vencidas, nossas universidades oferecem boas condições para receber alunos estrangeiros. A vivência com esses estudantes, formados em escolas de pensamentos diferentes, é uma renovação importante para o nosso grupo”, afirmou El Seoud.
Segundo ele, os estudos realizados no âmbito da parceria envolvem dois aspectos principais: o uso de solventes “verdes” e de celuloses de diversas procedências, inclusive de bagaço de cana-de-açúcar. “Os ésteres e éteres de celulose são usados como fibras, filmes, membranas de hemodiálise, aditivos para medicamentos e alimentos, entre outras aplicações.”
Os solventes “verdes” utilizados nas pesquisas são líquidos iônicos, uma alternativa de baixo impacto ambiental aos solventes convencionais utilizados em processos químicos industriais.
“Os líquidos iônicos têm maior estabilidade química e térmica. São extremamente seguros, pois não são inflamáveis e praticamente não têm pressão de vapor, e podem ser reciclados novamente no processo.
Ou seja, são isentos dos perigos usuais dos solventes orgânicos clássicos, como o etanol ou o tolueno, que representam riscos de fogo, explosão e decomposição”, explicou.
O que distingue o novo processo, de acordo com o cientista, é sua realização sob condições homogêneas, ao contrário do processo industrial atual. “Esse aspecto permite melhor controle das propriedades e, por consequência, das aplicações dos produtos obtidos”, disse.
Expertises divididas
El Seoud conta que o objetivo do uso desses processos não é produzir commodities, como fibras, mas produtos de especialidades, com alto valor agregado, como membranas de hemodiálise, cuja eficiência de filtração e compatibilidade com o sangue são cruciais. Para isso, é necessário entender e aperfeiçoar cada etapa da reação.
“Embora o Brasil seja um produtor mundial de pasta de celulose para papel, o país não se destaca como produtor de derivados de celulose com maior valor agregado, em particular aqueles usados nas indústrias de fiação e farmacêutica”, disse.
A indústria farmacêutica, por exemplo, utiliza a celulose microcristalina para produzir pílulas, que, além de uma pequena concentração de matéria bioativa, são compostas de amido e celulose.
Segundo o professor do IQ-USP, enquanto os brasileiros receberão a expertise alemã no desenvolvimento de produtos desse tipo – tendo em vista o aproveitamento da grande quantidade de celulose disponível no país –, os alemães se beneficiarão da experiência brasileira em determinar as propriedades dos produtos, como, por exemplo, filmes derivados de celulose.
“Ganhamos muito com esse trabalho em conjunto. Eles se interessam principalmente pelos nossos trabalhos com matérias-primas de fontes não-tradicionais, como o sisal e o bagaço de cana-de-açúcar, visando à substituição da celulose de madeira”, disse.
Ludmila conta que o trabalho a ser desenvolvido na Alemanha é parte de sua pesquisa de doutorado.
“Vou fazer síntese de éteres de celulose nos laboratórios de Jena. Aqui, trabalhamos muito com os ésteres de celulose, mas temos pouca experiência com éteres. Lá, vou poder trabalhar, nessa linha, com os líquidos iônicos que eles costumam utilizar. Será uma experiência importante, inclusive porque no IQ-USP somos três pessoas trabalhando diretamente com celulose, enquanto em Jena o grupo especializado nessa área é bem maior, com cerca de 25 pessoas”, disse.
Segundo Ludmila, a colega alemã, com quem trabalhou no laboratório do IQ, aproveitou os equipamentos e a experiência do grupo brasileiro. “Ela veio fazer um trabalho sobre derivados de celulose e, para isso, utilizou sondas que temos no Brasil. Ela fez todas as medidas aqui e aproveitou bastante o conhecimento do professor El Seoud sobre essas sondas”, destacou.
Autor: Agência FAPESP