Os países da América Latina estão muito longe de ter arquitetura e construção sustentáveis por falta de normas, certificações, incentivos financeiros e formação profissional e técnica, afirmam especialistas reunidos na capital chilena.
Para avançar nessa área é preciso “decisão política”, disse à IPS a argentina Silvia de Schiller, convidada a expor no III Seminário Ecoarq, inaugurado terça-feira (4) no Museu de Arte Contemporânea, por ocasião da XVI Bienal de Arquitetura do Chile.
No primeiro dos quatro dias do encontro, organizado pelo Colégio de Arquitetos do Chile, os especialistas enfatizaram que o projeto e a construção sustentáveis têm três dimensões – ambiental, econômica e social – e que estas não se referem apenas aos objetos erigidos, devendo seguir de mãos dadas com um planejamento urbano.
Segundo Schiller, entre 30% e 40% da energia consumida em um ano nos países da região vão para a construção e o acondicionamento de casas e edifícios, na forma de iluminação, calefação e refrigeração.
A seu ver, a América Latina pode melhorar seu crescimento econômico e baixar seus níveis de pobreza, além de contribuir para a luta contra o aquecimento global, se este setor reduzir seu consumo de energia e a distribuir mais equitativamente. Com bons projetos arquitetônicos, em alguns casos pode-se prescindir de sistemas de ventilação e calefação, afirma Schiller, diretora do Centro de Pesquisa Habitat e Energia da Faculdade de Arquitetura, Desenho e Urbanismo da estatal Universidade de Buenos Aires.
Também é imprescindível melhorar o isolamento térmico das casas sociais, que por ser deficiente tem impacto negativo na saúde e na produtividade das pessoas, sobretudo das mais pobres, segundo Schiller.
Para esta arquiteta argentina, o fato de países em desenvolvimento, entre eles os latino-americanos, não estarem obrigados pelo Protocolo de Kyoto a reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO²), joga contra o avanço da arquitetura e da construção sustentável na região.
O Protocolo de Kyoto sobre Mudança Climática foi adotado em 1997, mas entrou em vigor apenas em 2005 e expira em 2012. Este instrumento internacional estabeleceu metas de redução de gases que levam ao aquecimento do planeta para os países ricos. Há experiências de arquitetura e construção sustentáveis na América Latina?
“O Chile está recém-despertando em razão da crise energética (que atravessa). Nos outros países da América Latina, onde me parece haver algo mais, é no Brasil, México e talvez na Argentina. No resto da região diria que não há quase nada”, afirmou à IPS o arquiteto chileno Norman Goijberg, também expositor da Ecoarq.
Goijberg é um dos fundadores da Iniciativa Internacional para um Ambiente Construído Sustentável (Iisbe, sigla em inglês). “Nossas economias em crescimento têm outras prioridades, que muitas vezes são dar teto às pessoas, antes de chegar à eficiência energética. Também se diz que estas são soluções apenas para os países ricos”, disse. “Minha opinião é exatamente a inversa. Precisamente por não sermos países ricos não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar dinheiro com energia”, ressaltou Goijberg.
Os países da região devem gerar normas de eficiência energética, promover a certificação das edificações e dos materiais de construção e dar subsídios para massificar a arquitetura sustentável, afirmam os especialistas.
Também se deve melhorar a formação dos arquitetos, capacitar os pedreiros e incentivar uma mudança de mentalidade entre os usuários para que optem por construções amigáveis com o meio ambiente, acrescentam. Além disso, os especialistas criticam o abuso de alguns arquitetos nos edifícios envidraçados, onde o calor passa diretamente para o interior, o que obriga a usar grande quantidade de recursos para esfriá-lo.
Também questionam a aposta de muitos arquitetos em projetos extravagantes e “espetaculares”, que privilegiam o impacto visual sobre a eficiência energética e a qualidade de vida das pessoas que residirão ou irão trabalhar nas edificações projetadas. Conseguir a eficiência energética na construção “é muito fácil”, disse o arquiteto chileno Javier del Rio, assessor energético e diretor de mestrado da privada Universidade Andrés Bello.
“É necessário misturar a tradição com os inventos novos”, disse à IPS.
Mais do que inovar às cegas, os arquitetos latino-americanos devem estudar as características das moradias construídas por seus antepassados, muitos deles neófitos em matéria de projeto, mas que conheciam muito bem as necessidades térmicas de suas famílias, explicou del Rio. Atualmente, há diversas estratégias em curso para instalar definitivamente o conceito de arquitetura e construção sustentáveis na região.
Este ano, Schiller criou um programa de trabalho sobre arquitetura para um futuro sustentável dentro da União Internacional de Arquitetos (UIA), que pretende criar “uma rede virtual de arquitetos, onde se possa mostrar as diferentes iniciativas em desenvolvimento”. Nesta rede terão lugar, por exemplo, as teses universitárias. “Chamo por teses produtivas, úteis, que possam ser aplicadas”, disse Schiller. O programa cobre desde o Alasca, nos Estados Unidos, até a Terra do Fogo, sul da Argentina e do Chile.
Da mesma forma, em abril deste ano criou na França a SB Alliance, entidade que busca homologar os numerosos sistemas de certificação de construções existentes até agora no mundo. A SB Alliance conta com apoio da Iisbe, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), entre outras entidades. Goijberg, que também é fundador do Iisbe e preside o Conselho de Construção Sustentável, estima que no próximo ano se poderá acordar um “núcleo comum” de convergência dos diversos sistemas de certificação.
Autor: Envolverde