O Relatório IPT será apresentado pela primeira vez, de forma aberta e pública, durante o Combraseg 2008, Congresso de Engenharia Geotécnica, que acontece em Búzios (RJ), entre os dias 22 e 26 de agosto deste ano.
O engenheiro André Assis, integrante da Comissão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) encarregada de apurar as causas do acidente na Estação Pinheiros do Metrô-SP, ocorrido em janeiro de 2007, faz revelações inéditas sobre os trabalhos da Comissão. Em entrevista à revista eletrônica e-ABMS, produzida pela Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS), Assis, que também é professor da Universidade de Brasília e conselheiro da ABMS, dá detalhes sobre os bastidores do Relatório IPT.
Ele avalia os eventuais erros da Companhia do Metrô, fala sobre as atitudes do Consórcio Via Amarela, responsável pela obra, diante do acidente e apresenta as lições que o episódio deixa para a engenharia brasileira e internacional. Pouco se sabe, ainda, sobre o conteúdo do documento que não está disponível ao público, salvo o resumo contido em um vídeo de 20 minutos apresentado no site do –>Metrô-SP.
No dia 26 de agosto, o relatório será um dos assuntos a serem apresentados publicamente, durante o 14º Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (COBRAMSEG 2008), evento que reunirá mais de 700 engenheiros de 10 países em Búzios, R.J., entre os dias 2 3 e 26 de agosto para discutir soluções para a infra-estrutura brasileira. O Congresso é uma promoção da ABMS, associação que reúne a comunidade geotécnica do Brasil, empresas, engenheiros e demais técnicos especializados em Geotecnia.
André Assis foi um dos primeiros nomes cogitados para integrar a Comissão do IPT. Com doutorado pela Universidade de Alberta no Canadá e pós-doutorado na Escola de Minas Mackay, da Universidade de Nevada (EUA), Assis tem sua linha de pesquisa em túneis e obras subterrâneas, barragens e mecânica das rochas e auxiliou na indicação de nomes para a formação do restante da equipe que analisou o acidente da Estação Pinheiros. “Sugeri que seria muito importante o IPT ter um grupo de consultores nacionais, e também internacionais”, afirmou André Assis. “É fundamental contar com a experiência e a credibilidade de personalidades do meio técnico e científico internacional”.
ENTREVISTA ANDRÉ ASSIS – TRECHOS SELECIONADOS
A escolha do local para a Estação Pinheiros
“A linha do metrô tem de passar onde há gente, onde há demanda por transporte público. Não adianta construir uma estação 500 metros antes ou 500 metros depois do local de concentração da demanda.
Não temos que discutir se a linha está no melhor lugar ou não. Fica para a engenharia, a responsabilidade de encontrar a solução técnica mais adequada.
“Não se escolhe geologia, não se escolhe profundidade. O túnel deve estar onde houver demanda. A engenharia tem de lidar depois, no momento da construção, com inúmeras interferências – prédios, tubulações, redes diversas, avenidas e outras estruturas e atividades urbanas. Ao contratar a obra, o proprietário precisa dizer tudo isso ao empreendedor.
A responsabilidade é muito grande para os dois lados tanto para o proprietário, que deve disponibilizar informações precisas, detalhadas e confiáveis, quanto para o empreendedor, que deve fornecer uma solução de engenharia adequada para a construção”.
Contrato inadequado
“Diante de um quadro de incerteza contratual, os órgãos de financiamento começaram a pressionar os proprietários para que implantassem modelos contratuais que lhes permitissem um controle maior sobre o preço final da obra.
E isso aconteceu não só no Brasil. O capítulo V mostra claramente que o contrato turn-key, na sua concepção original, não serve para a execução de obras subterrâneas de infra-estrutura. Não serve exatamente devido aos riscos geológicos envolvidos.
Fica muito difícil codificá-los e embuti-los dentro de um contrato de preço global. A tendência mundial hoje não é, no entanto, a adoção de contratos de preço unitário, que podem elevar substancialmente o valor final da construção”.
Mudança nos contratos – A tendência é compartilhar riscos
“A tendência mundial hoje é que os contratos sejam celebrados com preço global – só que com amplo controle por parte do proprietário. E é só na ocorrência de eventuais surpresas que poderá haver alteração nos valores do contrato turn-key. Ninguém pode pedir para mudar o preço diante de fatos que poderiam ou deveriam ter sido previstos.
“A nova tendência contratual estipula que o proprietário deve ter mais controle sobre a obra e participar mais diretamente da fiscalização, promovendo assim um equilíbrio maior entre as partes. A disposição do proprietário agora é a de fortalecer mais a posição do projetista em relação ao construtor. Quem dá força ao projetista é o contrato firmado com o proprietário. Somente por força de contrato, o projetista poderá reequilibrar as forças com o construtor.
Os três erros do metrô
“O contrato entre o Metrô e o Consórcio Via Amarela foi fechado em 2003, mas teve suas cláusulas pensadas em meados de 1990. O contrato está ultrapassado. O mundo já sabe que algumas coisas nesse tipo de contrato não funcionam.
O Metrô teve três falhas contratuais fortes. Uma delas foi essa, o atraso no pagamento de indenizações e na conseqüente liberação de terrenos que seriam utilizados como canteiros de obras. A outra foi alterar o contrato logo de início, com a inclusão de uma nova estação que não estava prevista no projeto licitado.
Houve um terceiro erro. Nunca ficou muito bem entendido para o Metrô, dentro desta nova modalidade contratual, qual deveria ser o seu papel durante a obra, em termos de controle, de fiscalização etc.
O pós-acidente: identificando falhas
“O que chamou muito a atenção nesse acidente, desde o início, foi que as vítimas foram, todas, transeuntes. Mesmo o operário que morreu estava dentro de uma área de onde seus companheiros já haviam sido evacuados. Os outros todos estavam passando numa rua depois que sinais de alerta já tinham sido dados. Mesmo assim, o tráfego da rua não foi fechado. Alguma coisa falhou na parte de gestão da obra no que se refere às ações de emergência. Esse capítulo foi muito voltado a estabelecer a cronologia completa.
“Apresentada no filme, a parte causal do colapso está ligada aos processos de engenharia, a falhas de projeto e de construção, ao controle de qualidade e à gestão da obra. E houve também falhas nas ações de emergência, que produziram impactos e conseqüências muito graves. Os trabalhadores que estavam no túnel conseguiram sair antes do acidente. Mas não houve a interdição das ruas próximas e a evacuação dos transeuntes. As pessoas ficaram ali esperando, filmando, comentando, aguardando alguma coisa acontecer”.
Repercussão Internacional
“Acidente em túnel não é mal exclusivo de país pobre ou em desenvolvimento. Os ingleses tiveram o acidente no Aeroporto de Heatrow. Os franceses assistiram perplexos à queda de uma estrutura do teto do Aeroporto Charles De Gaulle. Enfim, os acidentes acontecem hoje em todo lugar. Por isso, ninguém vai olhar para nós e dizer: “a engenharia brasileira está uma porcaria.
“O mundo técnico está muitíssimo interessado em saber onde houve o erro neste caso para corrigir. Até o final deste ano, o Relatório IPT deverá traduzido para o inglês e divulgado à comunidade internacional. Acredito que o documento se transformará num marco para a engenharia tuneleira mundial, tal como aconteceu com o Relatório sobre o acidente de Heathrow”.
O RELATÓRIO IPT VAI A PÚBLICO
O Relatório IPT será apresentado e debatido publicamente, pela primeira vez, durante o COBRAMSEG 2008. A sessão do dia 26/8 contará com uma palestra do engenheiro André Assis que vai abordar detalhadamente o relatório apresentado pelo Instituto. Na mesma sessão, fala o engenheiro Nick Barton, que apresentará o seu próprio diagnóstico sobre as causas do acidente. O relatório de Barton foi encomendado pelo Consórcio Via Amarela, empresa responsável pela obra.
As palestras apresentam o assunto e, em seguida, haverá espaço para a participação dos debatedores e da platéia. “Teremos apresentações de alto nível com as duas visões do problema. É uma oportunidade singular”, afirmou Marcus Pacheco, presidente da Comissão Organizadora do evento.
O Congresso é uma promoção da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica), associação que reúne a comunidade geotécnica do Brasil, empresas, engenheiros e demais técnicos especializados em geotecnia. A ABMS é uma entidade sem fins lucrativos, criada em 1950, e voltada ao desenvolvimento da Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica no Brasil.
Autor: Assessoria de imprensa