Dos quase de 4 mil engenheiros que trabalham na Embraer, cerca de 800 passaram pelo chamado programa de especialização em engenharia (PEE), um curso criado pela própria empresa para formar a sua mão-de-obra. Engenheiro aeronáutico é um trabalhador escasso hoje no mercado. E a alta qualificação que o desenvolvimento de aviões requer o transforma em um profissional ainda mais cobiçado. O programa da Embraer já está na 14ª turma. Quando esses alunos terminarem o curso já serão mil formados pela empresa.
Privatizada em dezembro de 1994, a Embraer cresceu rápido. A evolução no ritmo das entregas de aeronaves fabricadas pela empresa saiu de quatro unidades em 1996 para 169 em 2007 e a expectativa é chegar a 200 este ano. No entanto, a formação de engenheiros aeronáuticos não acompanhou o mesmo ritmo.
O Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), uma referência na área, forma em torno de 130 engenheiros por ano. A escola de engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo conta com um curso e engenharia aeronáutica há apenas cinco anos e forma só 35 profissionais por ano. Além dessas, existem somente alguns cursos de engenharia mecânica com ênfase em aeronáutica em escolas como a Universidade Federal de Minas Gerais.
É muito pouco. Dados do ITA indicam que somente para a Embraer seriam necessários 400 novos engenheiros por ano. Sem contar a mão-de-obra para os fornecedores da própria Embraer e os engenheiros com conhecimento no setor requisitados pelas companhias aéreas para tarefas como manutenção e planejamento de rotas.
Para tornar o quadro de escassez dessa mão-de-obra ainda mais crítico, o mercado financeiro acaba atraindo boa parte dos formandos. Esse movimento aconteceu com mais ênfase até meados da década de 90, quando quase não havia ofertas no mercado de trabalho para o engenheiro aeronáutico. Mas continua a acontecer ainda hoje, segundo relatam professores e alunos. Na busca dos melhores talentos em ciências exatas, os bancos de investimentos oferecem, muitas vezes, salários mais atraentes.
Criado em 2001, o programa da Embraer ganhou fama em todas as universidades do país, tanto ou mais do que muitos vestibulares. Para disputar as 100 a 150 vagas abertas anualmente concorrem, em média, aproximadamente 4 mil candidatos. O processo de seleção vai de agosto a fevereiro.
Antes de mais nada, o candidato precisa ter inglês fluente e ser formado em engenharia há no máximo dois anos ou três anos, no caso de já ter pós-graduação. A partir daí começa a maratona da seleção, que começa com uma etapa via internet até chegar às entrevistas finais. A Embraer seleciona os engenheiros ligados ao ramo de ciência exatas, não necessariamente com formação em aeronáutica.
“O exame técnico tem a ver com o raciocínio lógico; não se trata de uma prova de conhecimentos fundamentais de engenharia”, explica o gerente dos programas de capacitação em engenharia da Embraer, Sidney Lage, um engenheiro que define a profissão como uma missão que mistura paixão e dedicação.
Uma vez escolhido, o engenheiro que vira novamente aluno vai passar 2,6 mil horas – em 18 meses – fazendo o curso da Embraer, que conta com a parceria do ITA. A Embraer concede uma bolsa e ajuda de custo para alimentação e transporte, além de um notebook. O número de desistências não passa de 5%, segundo a empresa. E, quase todos ganham uma vaga na Embraer. “A seleção é tão forte que não existe problema de aproveitamento”, destaca Lage.
Recentemente a Embraer inaugurou o que chama de núcleo de desenvolvimento de pessoas, uma espécie de mini campus com dois prédios de três andares e um auditório, localizado no subdistrito de Eugênio de Melo, próximo à maior fábrica da empresa, em São José dos Campos (SP). “O conhecimento é fundamental no nosso negócio”, afirma a diretora de recursos humanos, Eunice Rios. Segundo ela, nos últimos cinco anos a Embraer investiu R$ 300 milhões em programas de desenvolvimento e treinamento. A empresa tem 23,85 mil empregados.
O crescimento do mercado de trabalho tem levado as empresas a pressionar para que as grandes escolas ampliem o número de vagas. Mas a direção do ITA se mostra preocupada em manter o padrão que sustenta a sua grife. “Muito do sucesso da escola se deve ao seu modelo”, afirma o pró-reitor de graduação, Alberto Adade Filho. O professor diz que não há como ampliar o número de vagas sem um investimento de peso.
Uma das preocupações do instituto é preservar a qualidade da instrução experimental nos laboratórios. Outra questão que preocupa é o alojamento, já que morar no próprio campus faz parte da cultura dos chamados “iteanos”.
O rótulo de formador da elite intelectual na área de ciências exatas confere ao ITA um status único. Mas, ao mesmo tempo faz com que boa parte dos seus alunos se sinta tentada a trocar um trabalho na indústria aeronáutica pelo mercado financeiro.
No terceiro ano do curso, o pernambucano Gabriel Meira diz que já se sente tentado a buscar emprego em bancos. Os salários que o setor oferece, diz, estão acima das médias de R$ 5 mil a R$ 8 mil pagos pela indústria.
A migração para os bancos não é exclusiva dessa escola. O diretor para os cursos de pós-graduação da SAE (Sociedade de Engenharia da Mobilidade), José Luiz Albertin, diz que entre 60% e 65% dos formandos de escolas de engenharia como a Poli, da Universidade de São Paulo, preferem seguir carreira no mercado financeiro.
Não é só isso, alerta Albertin, que provoca a escassez desses profissionais no mercado. Ele lembra que os engenheiros passaram as décadas de 80 e 90 sem achar empregos. A moral da profissão não conseguiu se reerguer a tempo de acompanhar o crescimento econômico do país. Além disso, destaca, o curso é longo e caro e a especialização nessa profissão leva tempo. “Em geral, quando o engenheiro termina a escola ele pode ter um bom nível, mas só vai conseguir acelerar na especialização quando entrar na indústria”, destaca.
Autor: Valor Econômico