Está prestes a sair o decreto presidencial que mudará as regras para a construção e operação de portos privados. Depende apenas de uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os ministros Pedro Brito (Secretaria Especial de Portos) e Dilma Rousseff (Casa Civil) a confirmação das regras. Na tentativa de contornar uma das principais dúvidas dos empresários sobre o novo sistema de concessões, o governo fala em desapropriar os terrenos das áreas que serão licitadas, caso os leilões não sejam vencidos pelos atuais proprietários do terreno.
Nos últimos dias, a Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil concluiu a análise do decreto e deu sinal verde ao novo sistema de concessões, que possibilitará à iniciativa privada erguer terminais portuários para movimentar cargas de terceiros, derrubando a atual restrição de que o transporte de cargas próprias justifique os investimentos.
À semelhança do setor elétrico, a União identificará e licitará novos portos. Isso será feito por meio de um plano de outorgas, que será elaborado em até 180 dias após a publicação do decreto. Empresas também poderão entregar seus próprios projetos ao governo – como fez, por exemplo, o consórcio Odebrecht/Furnas nas usinas do rio Madeira -, mas é certo que eles serão sempre colocados em licitação pública. Houve contestações à idéia. “Como vou entrar com meu projeto em uma licitação se a área é minha? Vão me expropriar?”, questionou o empresário Eike Batista, que possui projetos de três terminais portuários, no valor total de US$ 3,9 bilhões.
Aos críticos do novo sistema, o governo já tem respostas. Diz que, se o dono da terra onde for planejada a construção de um novo porto não ganhar a licitação, haverá desapropriação da propriedade. Não necessariamente com desembolsos para a União, pois o custo poderá caber ao futuro concessionário. A interlocutores, o ministro Brito tem lembrado que não se trata de nenhuma novidade. Embora seja tocado com recursos públicos, e não por concessionários privados, o projeto de transposição do rio São Francisco – coordenado até o início de 2007 pelo próprio Brito, secretário-executivo e depois ministro da Integração Nacional – precisou de decreto presidencial de desapropriação para ser levado adiante. Em 2005, foram desapropriados 350 mil hectares de terras em áreas e abrangência da transposição do São Francisco.
A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, critica a proposta do governo. Abreu foi relatora da MP do Reporto e disse ter havido “descumprimento do acordo” com a oposição para votar a medida provisória, no mês passado. Na época, o governo se comprometeu a rever a regulamentação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que exige que as cargas próprias justifiquem investimentos em terminais privativos de uso misto. O novo modelo para o setor confirma a retirada do obstáculo, mas introduz o mecanismo de licitação. “O ministro está dando com uma mão e tirando com a outra.”
Kátia acredita que licitar portos, em vez de fazer um regime de autorização sem restrições à operação de cargas de terceiros, só atrasa novos projetos e desestimula a concorrência, com prejuízos à economia do país. Ela afirma que, em cinco anos, o Brasil precisará dobrar sua capacidade portuária para dar conta do escoamento da produção, pois a movimentação de contêineres cresce à razão de 12% ao ano. “Só um porto leva oito anos para ser construído”, observa a senadora.
Para ela, “o ministro quer proteger o cartel da Abratec (Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres de Uso Público)”, que defende o sistema de licitações. Kátia lembra ainda que “o PSB (partido de Brito) entrou com uma Adin contra a Lei dos Portos”, de 1993, na época de sua promulgação. “No começo, ele concordava com a nossa tese, mas mudou completamente de opinião. Ele diz que todos os portos do mundo são públicos. Eu adoraria que fosse assim, mas por acaso o governo tem caixa para atender a nossa demanda?”
Apesar de enfrentar a oposição de alguns setores, o assunto avançou no governo e não há divergências entre Casa Civil e Secretaria dos Portos envolvendo o assunto.
Autor: Valor Econômico